Reforma da Previdência: por que policiais civis não deveriam ter regras diferenciadas
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Ontem o governo Bolsonaro, a maioria do Câmara e principalmente a população brasileira conseguiram uma vitória importante: a aprovação em primeiro turno do texto base da reforma da Previdência, essencial para melhorar as contas públicas e colocar o país novamente na rota do crescimento econômico e da geração de empregos. É claro que se trata de um avanço importante.
No entanto, ainda é cedo para uma comemoração definitiva, uma vez que ainda faltam a votação dos destaques (mudanças feitas pelo relator) e a batalha no Senado. E é justamente aí que mora o perigo.
Um desses perigos é o abrandamento da reforma para alguns setores, como o de policiais civis, federais e rodoviários (exceto militares). Esse grupo, representado por deputados do PSL, tem feito pressão para que os policiais escapem das regras mais rígidas colocadas pela reforma da Previdência.
Recentemente, deputados desse grupo chegaram a chamar Bolsonaro de “traidor”, diante da inclusão da classe de policiais civis e federais basicamente sob as mesmas condições do resto da população. Infelizmente, a despeito da pressão popular, tudo indica que os policiais civis e federais terão regras mais brandas de aposentadoria.
Mas por que esses policiais deveriam ter regras diferenciadas? Uma das justificativas alegas pela corporação é de que a profissão é bastante difícil e eles deveriam ter um tratamento diferenciado.
Não há dúvidas de que os policiais de combate têm uma profissão difícil e, muitas vezes, são mal remunerados. No entanto, a categoria que pede esta diferenciação não é a PM (Polícia Militar), mas os policiais civis, geralmente menos expostos a condições de combate.
É claro que há agentes federais e civis (GOE, por exemplo) expostos a situações de combate. Mas há uma série de cargos dentro da Polícia Federal, Civil e Rodoviária que não são expostos ao confronto (por exemplo, escrivão, polícia científica, perito contábil, etc.), não justificando, portanto, um tratamento diferenciado quanto às regras de aposentadoria para toda uma classe.
Além disso, a categoria de policiais civis, rodoviários e federais são melhores remunerados do que os policiais militares, garantindo a eles maior capacidade de poupança para aposentadoria.
E mesmo que houvesse uma baixa remuneração – que não é o caso, principalmente dos mais histriônicos na defesa dos seus próprios interesses -, as distorções no mercado de trabalho não devem ser compensadas no campo previdenciário, mas tratadas no âmbito laboral. A razão é óbvia: se compensarmos os “baixos salários” no âmbito previdenciário, gera-se um desequilíbrio maior nas contas públicas, uma vez que o aposentado deixa de ser doador e passa a ser tomador do sistema. Além disso, é muito mais eficiente pagar salários mais altos para o policial enquanto ele estiver na ativa, uma vez que rendimentos mais altos tornam o policial menos suscetível à corrupção.
Além disso, como bem observou o deputado Luiz Philippe de Orleans, em entrevista a mim no InfoMoney (aqui), ninguém é obrigado a ingressar em determinada profissão. Há uma questão de escolha. E quando fazemos escolhas, arcamos com as consequências, sejam elas boas e ruins.
Outro ponto é que a justificativa carrega um grau de subjetividade. Da mesma forma que policiais civis vão alegar que sua profissão é mais difícil, professores farão o mesmo, e assim por diante.
Não se trata de negar a importância dessas profissões; mas, não podemos confundir a intenção, o desejo no mundo ideal, com a realidade objetiva. No mundo real, o dinheiro é escasso e não há recursos para satisfazer todas as necessidades. De tal maneira que não há razão para esses policiais terem regras diferenciadas (poderia-se pensar em uma exceção para policiais de combate dentro dessas categorias).
Soma-se a isso que o afrouxamento das regras para os policiais não será pequeno – R$ 26 bilhões – de acordo com o ministro Onyx Lorenzoni. A cifra representa quase 2,5 vezes todo o orçamento da segurança pública (R$ 11 bilhões), de acordo com dados do Tesouro Nacional.
Diante dessas circunstâncias, está na hora da sociedade brasileira abandonar de vez os interesses classistas e das corporações, e começar a pensar no país como um todo. O povo entendeu e deu exemplo ao apoiar a reforma da previdência nas ruas. Falta agora alguns grupos de pressão entenderem isso, e colocarem a nação em primeiro lugar, em detrimento interesses corporativos injustificáveis.
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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós graduação.