A corda e a caçamba

Apesar da torcida de sempre pela elevação do gasto público, o caminho para a recuperação da economia passa pela redução da taxa de juros
Por  Alexandre Schwartsman -
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Há uma angústia compreensível diante dos sinais de estagnação da economia brasileira praticamente desde o final de 2018. De lá para cá, os sinais vitais da produção deixaram de ser visíveis a olho nu, fenômeno que se reflete na queda persistente das projeções de crescimento, conforme capturado, por exemplo, pela pesquisa Focus, cujo número mais recente aponta para expansão pouco superior a 0,8% em 2019.

Não passa semana sem que algum jornal me ligue e pergunte o que poderia ser feito para sair desta situação. Embora a questão seja genérica e admita toda sorte de resposta, o tom e a insistência (“mas não há mais nada que se possa fazer?!”) sugerem haver uma sensação, ou talvez uma esperança, que o governo – sempre ele! – possua a bala de prata que possa resolver o problema.

Fica implícita na pergunta a sugestão que a solução passa por alguma forma de impulso fiscal, que, aliás, é a proposta explícita por 12 entre 10 keynesianos de quermesse (os números, no caso, homenageiam a conhecida dificuldade que este pessoal tem com aritmética).

O (ainda bem!) ex-ministro nelson barbooosa, expoente da Nova Matriz Econômica e responsável direto pela pior recessão da história recente do país, não perde oportunidade para defender gastos mais elevados até para curar unha encravada e espinhela caída, esquecido (até parece) das consequências de suas políticas para nosso monumental fiasco.

Já eu acredito que é desnecessário, senão perigoso, elevar o gasto público quando há alternativa mais fácil e infinitamente mais barata para estimular a demanda: a redução da taxa de juros.

Ao contrário da experiência dos países desenvolvidos, cuja taxa de juros foi comprimida a zero no período posterior à crise, quando não a valores levemente negativos, o Brasil ainda apresenta juros positivos, não apenas a Selic, mas também as taxas mais longas (aplicações para um ano estão na casa de 5,6% ao ano, abaixo da Selic).

Ao mesmo tempo, as projeções de inflação apontam para valores inferiores à meta. Em particular, as previsões do BC em seu Relatório Trimestral de Inflação indicam que, caso a taxa Selic persista no atual patamar, a inflação de 2020 atingiria 3,7%, abaixo da meta para aquele ano, fixada em 4,0%.

Há, portanto, espaço para reduções adicionais da taxa de juros, presumivelmente maior caso a reforma da Previdência seja aprovada em formato que permita reverter a trajetória de endividamento crescente do país.

Sim, estou a par do “argumento” que compara a política monetária a uma corda, que serviria para segurar a economia, mas não para estimulá-la. Nada contra a historinha, afora ela não refletir em momento algum a realidade do país: apesar dos elevados spreads bancários, a evidência estatística revela que a redução da taxa de juros se traduz em aumento da demanda por consumo e investimento, portanto em aceleração da atividade.

Trata-se, aliás, precisamente de um dos canais pelos quais a política monetária afeta a inflação: não foi por outro motivo que a redução injustificada da Selic no período Pombini nos levou a uma situação de IPCA persistentemente superior à meta. Obviamente, como apontado, não é a situação que enfrentamos hoje.

Na verdade, mesmo que houvesse condições para expansão fiscal (e não as há) não faria sentido estimular a economia por meio de gastos adicionais, porque isto reduziria o espaço para o corte de juros. Ao invés de reduzirmos nosso endividamento pelo efeito combinado de gastos e juros mais baixos sobre a dívida, atuaríamos na direção oposta, que não parece especialmente inteligente quando o endividamento do governo caminha para superar 80% do PIB (contra pouco mais de 50% do PIB há meros cinco anos), dos mais elevados entre países emergentes. Bom, também ninguém aqui acusou nelson barbooosa e comparsas de serem “especialmente inteligentes”.

Adicionalmente, a defesa de um impulso fiscal na forma de aumento temporário de gastos, por meio de investimentos públicos, ignora a história de décadas de incapacidade do governo nesta área. Há muito o estado brasileiro perdeu a agilidade para investir, na mesma proporção que ganhou imensa capacidade de gastar muito de forma permanente em aposentadorias, salários para o funcionalismo e outras modalidades de dispêndio que tipicamente beneficiam grupos próximos ao poder.

O caminho para a reativação da economia passa pela política monetária; o melhor que a política fiscal pode fazer neste contexto é sair do caminho e não atrapalhar a redução da taxa de juros para os níveis mais baixos da história com inflação sob controle.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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