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O Brasil não é a Argentina, mas exige cuidado

Embora muitos analistas atribuam às oscilações cambiais dos emergentes o fortalecimento do dólar, a realidade é que os problemas que afligem as moedas desses países são muito mais domésticos que externos.
Por  Fernando Ulrich
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A semana passada foi repleta de volatilidade nas moedas emergentes, em especial no real, no peso argentino e na lira turca. Embora muitos analistas atribuam às oscilações cambiais dos emergentes o fortalecimento do dólar, a realidade é que os problemas que afligem as moedas desses países são muito mais domésticos que externos.

Usando o índice do dólar (dollar index) como um termômetro de sua força perante às demais moedas, a medição atual registra um aumento de somente 2,7% frente agosto de 2017. No último mês, o índice manteve-se estável, ao redor de 95. Esses dados ilustram a tese de que real, peso e lira sofrem mais por flagelos internos e não por uma suposta fuga mundial para o dólar (o chamado “flight to quality”).

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Mas, por ora, deixemos de lado a Turquia. Foquemo-nos em Brasil e Argentina.

Na semana passada, a cotação da moeda americana bateu a maior marca da história do peso argentino e do real, ARS 41,36 e BRL 4,21. Considerando o fechamento de sexta, 31 de agosto (ARS 36,88 e BRL 4,05), em um mês, os percentuais de queda estão em 35,3% para o peso e 8,1% para o real. Em doze meses, o peso caiu cerca de 113%, enquanto o real desvalorizou “apenas” 29% frente ao dólar. Em cinco anos, a depreciação é ainda mais acentuada, 547% para o peso e 75% para o real.

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Sim, o câmbio das duas principais economias da América do Sul se depreciou consideravelmente nos últimos meses. Mas, apesar de as causas serem, sim, internas, as razões e a magnitude dos problemas são distintas.

Os dois países compartilham dos mesmos apuros fiscais, leia-se, déficits volumosos e dívida crescente. Contudo — e eis aqui a diferença essencial –, los hermanos devem mais de US$ 150 bilhões a credores externos, o que corresponde a quase metade de toda dívida pública de US$ 331 bi. O Brasil, por sua vez, registrou um passivo externo de apenas 3,8% da dívida pública total, cerca de US$ 37,6 bi.

Outro fator crucial: as reservas internacionais situam-se no nível de US$ 52 bilhões no país de Macri, enquanto nosso Banco Central acumula quase US$ 390 bilhões.

Mas neste post não entrarei em maiores detalhes sobre as diferenças nas contas externas entre Brasil e Argentina. Deixarei isso para futuros textos. Meu foco aqui é mostrar o lado monetário da equação e como, mais uma vez, o quadro difere consideravelmente quando contrastamos o nosso real com o peso argentino.

Milton Friedman dizia que “inflação é sempre e em todo lugar um fenômeno monetário”. E ele tem razão. Talvez seja essa a melhor e mais sucinta explicação sobre as causas da depreciação da moeda. Simplifica, é verdade, mas ainda assim corretíssima.

Portanto, se a carestia (o aumento de preços, a perda de poder de compra) tem origem monetária, analisemos a oferta de dinheiro nas economias brasileiras e argentinas.

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Examinando o comportamento dos agregados Base Monetária (BM = papel-moeda emitido + reservas bancárias) e M1 (papel-moeda em poder do público + depósitos à vista), fica evidente a discrepância entre o real e o peso.

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Enquanto a BM argentina apresentou uma variação de 27,1% ao ano desde agosto de 2013, no Brasil a BM cresceu a 4,7% a.a. Usando o M1, o contraste é quase idêntico: 27,5% a.a. para o peso e 3,4% para o real.

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Se isolarmos apenas a impressão de moeda física (papel-moeda e moedas metálicas), é possível verificar a mesma tendência: 24,3% a.a. para o peso e 5,9% para o real.

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O aumento da quantidade de moeda é a causa, o sintoma é a elevação dos preços. Aliás, não muito tempo atrás, a própria definição de inflação era um “aumento da oferta de moeda”. Digressão à parte, o fato é que a Argentina vem inundando sua economia com pesos há anos. O resultado não pode ser outro: alta de preços e depreciação do câmbio.

E por que se emite cada vez mais moeda por lá? Como dizia Roberto Campos, qual a causa causante da causa causada, que é a expansão monetária? Esse será assunto para um futuro post.

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Por ora, resta claro que as adversidades enfrentadas pelo nosso vizinho são muito mais severas e requerem medidas drásticas e urgentes. A volatilidade no real, por outro lado, se deve sobretudo às incertezas no cenário eleitoral. Isso não significa que nossas contas públicas estejam equacionadas. Aliás, se o próximo governo negligenciar as reformas estruturantes (em especial a previdenciária), os episódios recentes na Argentina podem ser um prenúncio do que o futuro nos reserva.

Fernando Ulrich Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil

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