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Do valor das moedas virtuais, um paper do Banco do Canadá

No mês passado, o Banco do Canadá, a autoridade monetária do país, publicou um paper intitulado “On the Value of Virtual Currencies”, de autoria de dois economistas (um do Banco Holandês e outro do próprio Banco do Canadá), bastante interessante sobre o valor das moedas virtuais. O objetivo dos autores era analisar os fatores determinantes da taxa de câmbio das moedas virtuais, como o bitcoin, sendo a pergunta-chave a ser respondida “o que causa o valor das moedas virtuais?” (what drives the value of virtual currencies?). Seguindo um tom relativamente neutro e científico, o paper reconhece que as moedas virtuais “representam o surgimento de uma nova forma de moeda e uma nova tecnologia de pagamento para a compra de bens e serviços”. Dos fatores essenciais à formação do câmbio das moedas virtuais, os autores destacam três principais: i) o uso atual de moeda virtual para realizar pagamentos genuínos; ii) a decisão de compra da moeda por investidores com visão de futuro (efetivamente regulando a oferta da moeda virtual); e iii) os elementos que conjuntamente levarão a uma maior adoção futura por consumidores e comerciantes. Os economistas preveem que “à medida que as moedas virtuais se tornem mais estabelecidas, a taxa de câmbio será menos sensível ao impacto de choques oriundos das crenças dos investidores e do fluxo de recursos no mercado das moedas virtuais”. Além disso, concluem os autores, “tal previsão mina a noção de que a atual alta volatilidade da cotação das moedas virtuais proibirá o uso massificado no longo prazo”.
Por  Fernando Ulrich
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

No mês passado, o Banco do Canadá, a autoridade monetária do país, publicou um paper intitulado “On the Value of Virtual Currencies”, de autoria de dois economistas (um do Banco Holandês e outro do próprio Banco do Canadá), bastante interessante sobre o valor das moedas virtuais. O objetivo dos autores era analisar os fatores determinantes da taxa de câmbio das moedas virtuais, como o bitcoin, sendo a pergunta-chave a ser respondida “o que causa o valor das moedas virtuais?” (what drives the value of virtual currencies?).

Seguindo um tom relativamente neutro e científico, o paper reconhece que as moedas virtuais “representam o surgimento de uma nova forma de moeda e uma nova tecnologia de pagamento para a compra de bens e serviços”. Dos fatores essenciais à formação do câmbio das moedas virtuais, os autores destacam três principais: i) o uso atual de moeda virtual para realizar pagamentos genuínos; ii) a decisão de compra da moeda por investidores com visão de futuro (efetivamente regulando a oferta da moeda virtual); e iii) os elementos que conjuntamente levarão a uma maior adoção futura por consumidores e comerciantes.

Os economistas preveem que “à medida que as moedas virtuais se tornem mais estabelecidas, a taxa de câmbio será menos sensível ao impacto de choques oriundos das crenças dos investidores e do fluxo de recursos no mercado das moedas virtuais”. Além disso, concluem os autores, “tal previsão mina a noção de que a atual alta volatilidade da cotação das moedas virtuais proibirá o uso massificado no longo prazo”.

Muito embora divirja da metodologia utilizada pelos economistas – fundamentada quase exclusivamente em modelos e equações –, concordo plenamente com essas conclusões.

De certa forma, a previsão de que alta volatilidade não seria um impeditivo para uma maior adoção de moedas como o bitcoin já pode ser comprovada empiricamente. Quando o bitcoin teve início, não havia sequer preço de mercado. O primeiro registro de alguma cotação ocorreu na famosa compra de uma pizza pelo valor de 10.000 BTC, em maio de 2010. Naquela época, ninguém saberia prever se aqueles 10.000 BTC teriam algum preço de mercado no dia seguinte ou na semana seguinte. A volatilidade, então, era simplesmente astronômica. Não havia mercado, não havia liquidez.

Mas aos poucos mais indivíduos foram se interessando por aquela novidade, reconhecendo os méritos e os atrativos em uma forma de moeda puramente digital e independente de bancos centrais e se dispondo a trocar moeda estatal por algumas frações de bitcoin.

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Ao passar dos meses e anos, a volatilidade antes insana não impediu que a procura pelo ativo inédito aumentasse expressivamente, o que, por sua vez, levou a um maior volume de negociação no mundo todo. Com liquidez crescente, a alta oscilação do câmbio diminuiu consideravelmente, a ponto de a libra esterlina registrar volatilidade maior que a do bitcoin no dia 5 de julho de 2016, no auge dos temores com o Brexit.

Em última instância, o que os autores buscam explicar é o que determina o preço do bitcoin no mercado, o que determina o seu valor, como é formado o seu poder de compra. Esse tipo de investigação serve não apenas para moedas virtuais, mas também para qualquer forma de dinheiro. Como explicar o poder de compra do dólar ou do nosso real? Quanto custa um dólar? Qual o preço do real?

A explicação do preço do dinheiro, do seu poder de compra, é a principal preocupação da teoria monetária, como muito bem defendeu o economista Ludwig von Mises no tratado “The Theory of Money and Credit”, escrito em 1912. Elucidar por que dez reais compram certa quantidade de tais e tais mercadorias é o foco do estudo da moeda.

Mas, então, o que determina o preço de uma moeda, virtual ou não? O poder de compra do dinheiro é determinado pela demanda e por oferta de moeda. Assim como qualquer mercadoria no mercado, o preço é sempre resultado da lei de oferta e demanda (para quem tiver interesse em se aprofundar, recomendo esta aula que dei sobre o tema).

No caso das moedas virtuais, ou do bitcoin em específico, quais são os fatores que influenciam a sua demanda e oferta? O que impele indivíduos a manter saldos de caixa em bitcoin? Como é regulada a oferta de bitcoins? O que define a quantidade da criptomoeda em circulação?

Pelo menos do lado da oferta, a situação está equacionada. Sabemos de antemão as regras de criação de novos bitcoins, bem como a sua taxa de crescimento e o limite total.

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A grande complexidade está em identificar os fatores críticos que levam indivíduos a demandar saldos de bitcoin. Como já escrevi algures, há alguns fatores cruciais influenciando a demanda e, por consequência, determinando seu poder de compra.

Primeiro, temos a enorme redução nos chamados custos de transação: transacionar na rede do bitcoin é incrivelmente rápido, barato, seguro, e independe de terceiros. Em segundo lugar, e não menos importante, há rigidez na oferta de moeda: a quantidade de bitcoins que poderão existir em toda a sua vida está definida e é conhecida por todos os participantes. Uma escassez autêntica, embora intangível.

Isso faz com que essa moeda virtual seja considerada deflacionária: dada a crescente demanda e uma taxa de crescimento declinante, a cotação da moeda tende a aumentar, o que significa maior poder de compra futuro. É natural que essa característica do sistema estimule investidores a entesourar bitcoins.

Precisamente aí jaz um dos grandes atributos da moeda virtual e um dos principais contrastes quando comparada às moedas estatais. Enquanto o bitcoin e assemelhados tendem a se apreciar e ganhar poder de compra, as moedas estatais são constantemente depreciadas, perdendo poder de compra inexoravelmente dia após dia.

Os autores do paper muito bem admitem que uma moeda altamente inflacionária não incentiva nenhum investidor a entesourá-la, o que me leva a um ponto essencial sobre o valor, ou poder de compra, das moedas estatais.

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Hoje parte preponderante na equação da demanda por moeda estatal deriva das leis de curso forçado, isto é, indivíduos demandam moeda estatal porque assim são obrigados a fazê-lo. Esse é o chamado lastro governamental, cujo efeito prático é garantir uma demanda mínima, mas uma oferta potencialmente inflacionária. Dito de outra forma, o lastro estatal não assegura uma moeda boa, apenas que até uma moeda ruim tenha vasta aceitação no mercado (ver aqui e aqui).

Digressão à parte, o aspecto deflacionário do bitcoin naturalmente atrai investidores e especuladores, aumentando a sua demanda e o seu valor no mercado.

Não nos esqueçamos de outro fator fundamental na demanda por moedas virtuais: a blindagem natural contra opressão financeira de toda sorte – uma forma de dinheiro não confiscável, não inflacionável, alheia a fronteias artificiais, global e imune a controles de capitais, e em que o usuário detém propriedade e posse a todo instante sem abdicar de nenhuma de suas grandes qualidades. 

As moedas virtuais vêm ganhando terreno simplesmente porque proporcionam enorme utilidade. Isso atrai não apenas investidores, como também usuários esporádicos, interessados em remessas internacionais de baixo custo ou noutra possibilidade qualquer.

O que então determina o valor das moedas virtuais? A sua grande e variada utilidade. Alguns dos usos já conhecemos, especialmente o uso monetário, de investimento ou como meio de pagamento. Outras aplicações, porém, estão recém surgindo, são ainda incipientes – por exemplo, quando o blockchain do bitcoin é utilizado para registro de ativos, documentos, imóveis. Mas todas têm como consequência aumentar a demanda pelas moedas virtuais e, portanto, impactar o seu valor.

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O fato é que bitcoin tem feito com que economistas reflitam e repensem o que conhecem sobre teoria monetária e valor do dinheiro. Isso, por si só, já considero extraordinário. Porque o não entendimento do principal bem econômico na sociedade – o dinheiro – é um dos grandes males do nosso tempo. Que o bitcoin e seus similares sirvam para questionar dogmas seculares dos economistas é nada menos que fabuloso.

Fernando Ulrich Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil

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