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O que se pode aproveitar do relatório do World Economic Forum sobre blockchain

No início de agosto, o World Economic Forum (WEF) publicou um relatório extenso intitulado “The future of financial infrastructure: an ambitious look at how blockchain can reshape financial services” (O futuro da infraestrutura financeira: uma abordagem ambiciosa sobre como o blockchain pode reformular os serviços financeiros). O documento faz parte de um projeto maior chamado “Beyond the Future of Financial Services” (Além do futuro dos serviços financeiros), que, além da tecnologia do blockchain, tratou da questão da identidade digital, tema do segundo relatório também publicado neste início de mês. Ambos os materiais são bastante relevantes, por isso, dedicarei um post para cada. Primeiro, vamos à tecnologia do blockchain e o que o WEF tem a dizer sobre essa grande inovação do século XXI. Comecemos pelos pontos positivos trazidos pelo relatório.
Por  Fernando Ulrich
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

No início de agosto, o World Economic Forum (WEF) publicou um relatório extenso intitulado “The future of financial infrastructure: an ambitious look at how blockchain can reshape financial services” (O futuro da infraestrutura financeira: uma abordagem ambiciosa sobre como o blockchain pode reformular os serviços financeiros). O documento faz parte de um projeto maior chamado “Beyond the Future of Financial Services” (Além do futuro dos serviços financeiros), que, além da tecnologia do blockchain, tratou da questão da identidade digital, tema do segundo relatório também publicado neste início de mês.

Ambos os materiais são bastante relevantes, por isso, dedicarei um post para cada. Primeiro, vamos à tecnologia do blockchain e o que o WEF tem a dizer sobre essa grande inovação do século XXI. Comecemos pelos pontos positivos trazidos pelo relatório.

O que há de bom no relatório

Em primeiro lugar, é inegável toda a hype do mundo financeiro em volta do blockchain, algo que fica bem claro quando vemos o slide 14.

Por um lado, isso é notável. Hoje não há praticamente nenhuma grande instituição financeira alheia à palavra blockchain ou bitcoin. Todos já sabem o que é, a maioria já participou de eventos exclusivos sobre o assunto, e a quase totalidade das instituições ou tem uma iniciativa interna explorando a tecnologia com a finalidade de entendê-la e possivelmente adotá-la nas suas operações, ou pretende lançar uma brevemente.

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Do lado dos bancos centrais, a situação é igualmente paradigmática. Não há nenhum banco central relevante silencioso quanto ao blockchain. Todos os principais BCs do mundo já se engajaram em discussões aprofundadas sobre o potencial e as ameaças da tecnologia. Alguns, como é o caso do Banco da Inglaterra, aventaram até mesmo a ideia de emitir a própria moeda digital.

Mas a indústria financeira está pouco interessada em moedas digitais. O grande potencial, segundo eles, está no blockchain, na tecnologia de registro distribuído (DLT, distributed ledger technology), e este é foco central do relatório: explorar diversos casos de uso no mundo das finanças em que o blockchain poderia otimizar, reduzir custos ou transformar por completo.

Elencar e detalhar os nove casos de uso em que o blockchain poderia impactar é o principal mérito do documento. Desde serviços como pagamentos globais, trade finance, empréstimos sindicalizados, bônus conversíveis, até consignação de ativo (asset rehypothecation) e liquidação e compensação de ativos, o relatório explora graficamente de que forma uma DLT poderia aprimorar tais serviços financeiros.

Mas os pontos positivos acabam por aí.

Onde está a moeda digital?

O que mais chama a atenção, negativamente, é a absoluta ausência da palavra bitcoin em um relatório de mais de cem páginas sobre blockchain, a tecnologia que nasceu ou surgiu justamente com o bitcoin.

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E ao ignorar a moeda digital, ao desconsiderar por completo um ativo financeiro digital ao portador, o WEF passa por cima do caso de uso primordial, da função por excelência de uma DLT.

A principal aplicação do blockchain – e uma das únicas que de fato funciona e é uma realidade – é o bitcoin, um dinheiro digital (digital cash), cuja existência os bancos e o WEF preferem desconhecer.

Grande parte das novas aplicações está em estágio muito mais exploratório, não é ainda uma realidade. Ainda. Inegavelmente, o potencial transformador é imenso. Mas há muito caminho pela frente antes de grande parte das aplicações promissoras ser adotada pelos players do mercado financeiro.

Além disso, o relatório assume a “imutabilidade” como premissa em todas as aplicações elencadas. No entanto, imutabilidade, até o presente momento, é uma característica marcante do blockchain do bitcoin apenas, mas não das demais DLTs – e aí incluo o Ethereum, conforme ficou comprovado com o episódio do DAO.

Imutabilidade não é um atributo trivial ou facilmente replicável. Transações – ou um blockchain – computacionalmente impraticáveis de reverter requerem não apenas um algoritmo de consenso robusto, como também uma força computacional expressiva, um elevado hashrate, que torne custosas, ou virtualmente impossíveis, as tentativas de ataque ao blockchain. 

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Ao atribuir imutabilidade às DLTs como um todo, o WEF peca em não perceber que, por ora, apenas o Proof-of-Work do bitcoin, com seu descomunal hashrate, é capaz de prover genuína imutabilidade, ou um elevado grau de imutabilidade.

O debate sobre imutabilidade, por sinal, deve ser ainda mais aprofundado, pois essa característica também depende da governança do sistema. Em outras palavras, um blockchain é tão imutável quanto os seus participantes o queiram.

Talvez o mais prudente seja considerá-la em conjunto com a probabilidade de risco de ataques externos. Por exemplo, se houver um hard-fork do bitcoin, e duas correntes permanecerem sendo estendidas, uma delas terá necessariamente um hashrate menor, tornando-se, assim, mais suscetível a ataques e, portanto, com um menor grau de imutabilidade. Algumas DLTs são mais imutáveis que outras. Enfim, isso seria tema para outro artigo específoco.

Por fim, e para eximir um pouco o WEF da responsabilidade, a grande verdade é que estamos em uma fase de descobrimento em que até mesmo os termos estão sendo definidos à medida que o tempo passa e as novas tecnologias são testadas e desenvolvidas. Frequentemente se utiliza os termos bitcoin, blockchain e DLT de forma intercambiável. Mas há distinções essenciais que muitos nem sequer entendem, enquanto outros preferem ocultá-las por pura estratégia mercadológica. Tudo isso será assunto para futuros posts, sem dúvida.

Fernando Ulrich Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil

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