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Como assim, Marco Aurélio?

"Se o Supremo ainda for Supremo, minha decisão tem de ser obedecida, a não ser que seja cassada". A frase de Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, é de rara ambiguidade
Por  Felipe Berenguer
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“Se o Supremo ainda for Supremo, minha decisão tem de ser obedecida, a não ser que seja cassada”. A frase de Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, é de rara ambiguidade. A provocação do magistrado desfere um duro golpe à reputação da corte, mas se esvai nas soberbas pretensões de quem a proferiu.

O contexto da afirmação é surpreendente. Em tempos de festividades, em que até o crime organizado – dizem os boatos – tem trégua, o mundo político, essa criatura bipolar, despreza a calmaria. Dessa vez, a bomba veio dos homens de toga: Marco Aurélio Mello, ministro do STF há 28 anos, deferiu liminar para suspender a execução de pena daqueles condenados em segunda instância, mas sem decisão transitada em julgado.

A decisão do ministro veio logo após o presidente da corte, Dias Toffoli, marcar para abril de 2019 o julgamento que deve revisar e definir o entendimento do STF sobre o tema. Foi também na contramão dos vários entendimentos já firmados no Plenário da corte, inclusive, sendo estes considerados de repercussão geral (valendo, portanto, para todos os casos jurídicos idênticos). Em outras palavras, o juiz da frase cuja decisão tem que ser obedecida, pouco obedeceu.

Mas a ambiguidade – ou seria hipocrisia? – do juiz não se limitou a isso. Ao colocar em cheque a “supremidade” do Supremo por tão pouco, Marco Aurélio diminui a solene corte, guardiã da Constituição. Em sua liminar, invoca certo misticismo: “Não vivêssemos tempos estranhos, o pleito soaria extravagante, sem propósito; mas, infelizmente, a pertinência do que requerido na inicial surge inafastável.” São, com certeza, tempos estranhos. Tempos em que juízes estão embebidos na política e a lei fica em segundo plano.

Veja, não sou nenhum jurista para discutir os pormenores da decisão, nem tenho a presunção de tentar. Contudo, com o mínimo de acompanhamento desse imbróglio – que, frisa-se, é um dos maiores que a nossa Constituição de 88 proporcionou  – e um pouco de coragem para construir uma análise própria, parece bastante óbvio que a liminar de Marco Aurélio foi perfumada pelo cheiro característico que manobras políticas carregam.

Tanto é que muitos juristas defendem a regulamentação, ou até o fim, de liminares monocráticas no STF para afastar esse tipo de caso que gera insegurança jurídica, ainda mais sobre uma medida que afeta diretamente o combate à corrupção. Uma decisão monocrática, na véspera do recesso forense, com a amplitude e repercussão que a prisão em segunda instância tem, não é coisa banal.

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A medida foi legal, legítima e provida de fundamentação jurídica para que o magistrado a realizasse. Ainda assim, desafia o entendimento firmado pelo STF e tangencia tema delicadíssimo do direito. Qual foi a motivação real do juiz? É aquela coisa: tem cheiro de artimanha, textura de artimanha, gosto de artimanha, aparência de artimanha. Será o quê, afinal?

Ao cabo, o presidente Dias Toffoli usou da única condicionalidade que Mello deixou para “aceitar” que sua decisão não fosse cumprida: cassou a liminar. Com respaldo de Raquel Dodge, Procuradora-Geral da República, Toffoli revogou a medida por entender que gerava insegurança jurídica, minava a credibilidade das instituições públicas e podia acarretar grave lesão à ordem e à segurança públicas.

O maior ônus deste enredo é o mal-estar gerado entre membros do Supremo Tribunal Federal e a forte repercussão negativa na sociedade civil. De resto, tudo continua como se nada tivesse acontecido. Os 169 mil presos provisórios, Lula incluso, continuarão presos – pelo menos até abril do ano que vem, quando teremos novo plenário e mais um capítulo.

O impasse interpretativo sobre prisão após condenação em segunda instância é exclusivamente fruto do artigo da Constituição referente ao trânsito em julgado. Por isso, tanta mudança jurisprudencial no STF depende de sua composição. Em meio a toda essa confusão, esquecemos que de quem legisla são os legisladores (que pleonasmo mais difícil de compreender, não é?), esbravejando toda vez que algum magistrado interpreta a lei de forma diferente. A melhor solução, portanto, seria uma mudança no Código de Processo Penal definindo de vez o que se entende por trânsito em julgado e colocando um ponto final na questão.

Caros leitores,

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desde que comecei a escrever o Política sem Aspas, sempre encarei o desafio da forma mais empolgada possível. Muita pesquisa, muita dedicação e muita livre opinião foram meus lemas durante esse tempo em que escrevi mais de 20 artigos. A satisfação em compartilhar meus pensamentos com o leitor é enorme! Muito obrigado.

Agora, retiro-me para descansar no fim de ano. Voltarei com a coluna em janeiro. Boas festas e um Feliz Ano Novo!

Aquele abraço,

Felipe Berenguer

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