Fechar Ads

De volta para o futuro

Com a evolução da reforma da Previdência na Câmara, não há mais obstáculos instransponíveis à redução da taxa Selic, que espero cair de 6,5% para 5,50% ao ano
Por  Alexandre Schwartsman -
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Já há condições para que o Banco Central (BC) reinicie o processo de afrouxamento monetário. É um tema sobre o qual venho insistindo e que ficou, acredito, bastante claro tanto no comunicado que se seguiu à reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada, quanto na ata daquela reunião divulgada ontem.

A cada reunião, o BC, em linha com a transparência associada ao regime de metas para a inflação, revela suas projeções para a evolução da inflação ao longo do horizonte relevante (algo como 18 meses, englobando agora a inflação para o ano-calendário de 2020), sob dois conjuntos de hipóteses acerca das trajetórias da taxa Selic e do dólar.

Num caso, supõe-se que a Selic e o dólar sejam mantidos nos níveis vigentes (6,5% ao ano e R$ 3,85/US$ respectivamente) até o final dos tempos. No cenário alternativo, o BC utiliza as projeções informadas por economistas que contribuem para sua pesquisa Focus. As previsões feitas pelo BC sob os diferentes cenários costumam trazer informações relevantes para os próximos passos da política monetária.

Assim, sob a suposição de que tanto a Selic quanto o dólar fiquem inalterados nos patamares acima, o modelo do BC projeta inflação de 3,6% para 2019 e 3,7% para 2020, em ambos os casos inferiores à meta de inflação (4,25% e 4,00% para estes períodos, respectivamente). A primeira informação, portanto, é que a manutenção da taxa Selic no nível atual implicaria inflação abaixo da meta.

No outro cenário, as projeções são produzidas sob a hipótese de redução da Selic para 5,75% ao ano até o final de 2019 e retorno a 6,5% na segunda metade de 2020 (além de uma leve queda do dólar para algo como R$ 3,80, tão modesta que não chega a ter efeito relevante sobre a previsão de inflação). As previsões sugerem que a inflação em 2019 também atingiria 3,6%, enquanto, em 2020, chegaria a 3,9%, em torno da meta para este ano. A segunda informação, pois, é que haveria espaço para redução da Selic equivalente a, pelo menos, 0,75% ao ano.

Fosse a reunião do Copom apenas para bater o martelo sobre os números produzidos pelos modelos, os resultados não permitiriam outra conclusão ao comitê além da redução imediata da taxa de juros.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Ocorre que a discussão costuma ser bem mais profunda do que isso. Há fatores que não são plenamente capturados por modelos estatísticos e que, portanto, requerem julgamento dos membros do comitê sobre seu possível impacto na inflação futura, coletivamente referidos pelo BC como “balanço de riscos”.

Em particular, o “balanço de riscos” aponta para dois fatores que podem, respectivamente, fazer a inflação ficar abaixo ou acima das projeções do modelo.

Sabe-se que a inflação reage de maneira inversa ao grau de ociosidade na economia, isto é, quando o desemprego está elevado (tudo o mais constante) a inflação tende a cair e vice-versa. Todavia, o elevado grau de ociosidade da economia é praticamente inédito na história recente, de modo que o modelo não pode capturar adequadamente a possibilidade da pressão para baixo sobre a inflação ser maior do que a que ocorreria sob condições mais próximas à normalidade. Em outras palavras, há risco de o modelo superestimar a inflação futura.

Por outro lado, há riscos associados à frustração das reformas, dentre elas a previdenciária. Caso isto ocorra, dificilmente o dólar se comportaria de maneira tão amena como a descrita acima. Um aumento inesperado do dólar resultante, por exemplo, de uma reforma com impactos muito menores do que hoje se imagina teria impacto sobre os preços dos bens importados e exportados, gerando efeitos inflacionários não contemplados pelas atuais previsões.

O BC reconhece a melhora do balanço, mas o segundo fator ainda é considerado o preponderante. Todavia, com a evolução da reforma na Câmara, não há mais obstáculos instransponíveis à redução da taxa Selic, que espero cair a 5,50% ao ano.

Se estiver correto, essa redução deverá dar algum combustível à demanda interna, mais pelo lado do consumo que do investimento. Dada, porém, a defasagem usual (ao redor de dois trimestres), não me parece provável que esse efeito se materialize a tempo de evitar um desempenho ainda pior do ponto de vista de crescimento neste ano do que as pífias taxas de expansão registradas em 2017 e 2016, provavelmente no intervalo entre 0,5% e 1,0%. O impacto mais relevante só deve aparecer em 2020

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Está certo quem afirma que a redução da Selic tem efeito pouco relevante para a capacidade de crescimento de longo prazo do país. Noto, porém, que – dada a ociosidade acima assinalada – há espaço considerável para a recuperação cíclica antes que os gargalos de sempre (baixo investimento, má qualidade da educação, infraestrutura insuficiente e produtividade estagnada) limitem a expansão. É precisamente isto que permite a queda da taxa de juros sem pressões inflacionárias.

Cabe registrar, por fim, que a expansão do gasto público – ainda defendida por alguns apesar da monumental crise em que nos meteu – limita a capacidade de redução da Selic.

A incipiente disciplina fiscal, expressa na estabilização do gasto público, é ainda essencial para que a recuperação possa vir acompanhada de taxas de juros bem mais baixas do que no passado, não só por seu efeito sobre a demanda, mas também, senão principalmente, por evitar o aumento ainda mais acentuado da dívida e, portanto, sobre a percepção de risco. Entender esta escolha evitará que repitamos os mesmos erros que nos trouxeram até aqui.

Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

Compartilhe

Mais de Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman

Ilusionismo

A redução de endividamento do governo se deve à inflação elevada, mas se precisamos disto, não há como se comprometer com a inflação na meta de maneira consistente
Alexandre Schwartsman

Demagogia e ensino básico

O aumento do lucro da Petrobras no ano não proveio do aumento de margens aplicadas ao consumidor, ao contrário das afirmações demagógicas de candidatos. A informação está disponível nos demonstrativos da empresa, basta procurar
Alexandre Schwartsman

A decadência do Mercosul

O perfil recente do comércio regional revela perda de peso do Mercosul, apesar do boom de commodities e do bom desempenho das exportações para os demais países sul-americanos. Isto reforça a impropriedade da proposta de moeda única para a região
Alexandre Schwartsman

O poder do mito

A lorota mais recente dos economistas do PT é atribuir a culpa pela recessão de 2014-16 à política do segundo governo Dilma, ignorando as consequências desastrosas da chamada Nova Matriz Econômica
Alexandre Schwartsman

Oferta e demanda

A elevação dos preços de commodities eleva a renda nacional. Tratá-la como um choque negativo de oferta subestima a extensão da tarefa da política monetária
Alexandre Schwartsman

Ecos do Pombinato

A justificativa arbitrária para a decisão do Copom na semana passada ecoa o erro de política monetária de 2011. Há risco de deterioração adicional de expectativas, elevando o custo de desinflação nos próximos meses
Encruzilhada, dúvida, indecisão
Alexandre Schwartsman

O Copom na encruzilhada

A mudança do cenário internacional deve levar a Selic a valores mais altos do que esperávamos há pouco mais de um mês. Nesse contexto, acredito que movimentos mais rápidos devem ajudar a conter a piora das expectativas de inflação