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A real ameaça

O risco é que, em algum momento, o governo de plantão ceda à tentação de se livrar da dívida por meio da inflação. Este horizonte se torna mais curto a cada dia que atrasamos o enfrentamento da questão fiscal no país
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Li o artigo de André Lara Resende no Pravda (perdão, Valor Econômico) à busca de argumentos que justificassem a ênfase dada pelo jornal ao autor. Pode ser um problema com meus óculos, mas não vi nenhum. Vi, sim, inúmeros espantalhos, mas argumento assim, dos bons, daqueles que nos fazem pensar com afinco sobre determinado assunto, não pude achar.

O primeiro é uma suposta “obsessão pelo equilíbrio fiscal de curto prazo”. Curiosa obsessão, pois a Lei de Diretrizes Orçamentárias projeta déficits primários (isto é, descontado o pagamento de juros sobre a dívida) até 2022!

Considerando o período desde a aprovação do teto de gastos (em 2016), o “curto prazo” de Lara Resende se estende por nada menos do que seis anos (um mandato presidencial e meio). Imagino que sua definição de “médio prazo” abarque algumas décadas e que seu longo prazo envolva a extinção da espécie humana.

Talvez o governo volte a produzir superávits primários a partir de 2023 (dependendo do resultado da reforma da Previdência), mas nada que seja suficiente para reverter a trajetória de endividamento antes de, por baixo, 2025-2026. Em outras palavras, a tal “obsessão de curto prazo” pode ser melhor descrita como um ajuste fiscal lento, que tomará praticamente uma década para gerar resultados, se chegarmos lá.

O “chegar lá”, por sua vez, depende, como assinalado, da capacidade de aprovar uma reforma que reduza o ritmo de crescimento dos desembolsos com aposentadorias e pensões de modo a conciliar o mandamento constitucional do teto de gastos (que, como expliquei no artigo da semana passada, requer queda leve, porém persistente, do dispêndio federal como proporção do PIB ao longo de vários anos) com a manutenção de um mínimo de flexibilidade no orçamento.

Sem a reforma não será possível simultaneamente atender ao requisito constitucional e manter a máquina pública funcionando, mesmo que de forma precária.

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Tal funcionamento inclui, é bom deixar claro, a já diminuta capacidade de investimento, não só do governo federal, mas dos governos locais, que, sufocados pelo peso de pessoal e inativos (e diga-se, não sujeitos ao teto de despesas), reduziram severamente seus gastos de capital.

A insistência na reforma decorre desta aritmética simples. Em que pese o oba-oba oficial acerca dos efeitos da reforma sobre o crescimento, economistas sérios têm insistido que se trata de condição necessária para a recuperação da atividade, mas não um elixir mágico que faria o país crescer aceleradamente da noite para o dia.

Muitos, eu entre eles, apontam para as dificuldades de estabilização da dívida pública como obstáculo à retomada do investimento. O risco é que, em algum momento, o governo de plantão ceda à tentação de se livrar da dívida por meio da inflação.

Este horizonte se torna mais curto a cada dia que atrasamos o enfrentamento da questão fiscal no país, fenômeno que afugenta o investimento (quem quer correr o risco de inaugurar sua fábrica em momento de forte instabilidade econômica?) e, portanto, a recuperação.

Já a comparação com a Grécia é fácil, mas forçada. Há pontos em comum, como regras generosas de acesso à previdência para os grupos mais bem colocados na escala de renda, mas Lara Resende ignora as diferenças marcantes de regimes monetário e cambial.

A Grécia está presa a uma união monetária, sem, portanto, capacidade de desvalorizar sua moeda exceto pela queda considerável de seus custos relativamente aos de seus parceiros de euro, que só pôde atingir depois de recessão bíblica. Da mesma forma, a determinação da taxa de juros básica atende aos condicionantes da Zona do Euro como um todo, não ao ciclo econômico grego.

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O Brasil, em contraste, passou por desvalorização considerável da moeda (já ajustada à inflação) e o BC maneja a taxa de juros com base no nosso ciclo econômico. Não é por outro motivo que discutimos a possibilidade de nova rodada de redução da Selic no futuro próximo, fenômeno que, tal como a desvalorização, deve ajudar na retomada da atividade.

A opção pelo ajuste fiscal não decorre, portanto, de instinto suicida, mas da constatação que, em sua ausência, não haverá como manter o frágil equilíbrio macroeconômico dos últimos anos. A volta da inflação, esta sim, é a real ameaça econômica à nossa democracia. Não é, insisto, algo para se preocupar em 2019 ou 2020, mas, se não pusermos as contas em ordem, enfrentaremos problemas sérios nesta frente no final do atual mandato, ou, no mais tardar, no começo do próximo.

É triste constatar que Ivan Lessa jamais deixou de ter razão: a cada 15 anos o Brasil esquece o ocorrido nos 15 anos anteriores.

Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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