Previsão do tempo informa: falta de chuvas, mas tempestade na economia nos próximos meses

As chuvas não vêm e riscos aumentam a cada dia: bloqueio atmosférico é mais uma notícia negativa e pode impactar ainda mais a frágil economia brasileira

Lara Rizério

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SÃO PAULO – A cada dia que passa, o mercado passa a olhar mais para a situação dos reservatórios do que para outros dados corporativos. Isso porque, em um cenário já complicado para a economia brasileira, a expectativa é de que os baixos níveis dos reservatórios compliquem ainda mais a situação que já é complicada para a atividade.

Em Davos, onde ocorreu o Fórum Econômico Mundial, o empresariado brasileiro destacou que a possibilidade de racionamento de energia é uma das principais preocupações.

Enquanto isso, economistas mostram preocupação que, com o racionamento, o PIB possa cair cerca de 0,5% em 2015. O Safra divulgou relatório no dia 19 destacando um cenário ainda mais negativo: “um racionamento de 10% na oferta de energia a partir do segundo semestre poderia subtrair cerca de 1 ponto percentual adicional do PIB, que poderia levar a uma contração de 1,5% no PIB de 2015″.

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Com base em uma estimativa de corte de 5% a 10%, Fernando Camargo, sócio da consultoria LCA, diz que o racionamento tenderia a tirar cerca de 0,5 pp do PIB se tomado isoladamente, ou seja, eliminando todas as outras variáveis. Atualmente, a consultoria estima crescimento zero para o PIB este ano, o que ainda não leva em conta inteiramente o risco de apagão.

E os riscos aumentam a cada dia, com as chuvas decepcionando as piores expectativas. O Sistema Cantareira recebeu 151,1 bilhões de litros de água a menos do que a Sabesp (SBSP3), levando em consideração o pior cenário e com um nível comparado a 1953, o então ano mais seco da história do reservatório antes de 2014, o que impacta as perspectivas para a companhia.

E, para completar, na última segunda-feira, uma das principais empresas de serviços de meteorologia divulgou números nada animadores da perspectiva de chuvas em fevereiro e para o restante do ano, com o vilão sendo mais uma vez o “bloqueio atmosférico”, massa de ar quente que impede a formação de zonas de convergência de umidade e chegada de frentes frias, com as chuvas para o próximo mês podendo vir próximas de 50% da média histórica em fevereiro no Sudeste/Centro Oeste. E estas chuvas não serão suficientes. 

“Causa estranheza ouvir defensores do racionamento após abril, ou se as hidrelétricas chegarem a 10%”, ressalta a XP Investimentos. A estranheza é pelo fato de ser comum no setor elétrico o conceito de que usinas com 10% dos reservatórios não são operáveis devido à gravitação, fenômeno físico que pode criar sérios danos às turbinas.

E, recentemente o próprio ministro Eduardo Braga confirmou este limite: “O limite de 10% é o estabelecido pelo Cepel [Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, ligado à Eletrobras] como máximo para funcionamento das nossas usinas. Portanto, a partir daí nos teríamos problemas graves”, afirmou Braga, complementando, em seguida, que o país está “longe disso”.

“A situação é dramática e a cada nova previsão de chuvas para o restante do ano mostra que o racionamento é inevitável, do ponto de vista elétrico (ter energia nos momentos de pico de consumo) como do ponto de vista energético: termos energia para chegar em dezembro de 2015 com alguma água nos reservatórios”, avalia a XP.

Assim, as baixas chuvas impactam também as ações do setor de energia ao levar as probabilidades de racionamento para cima. O Itaú BBA elevou a perspectiva de racionamento de 26% em 12 de janeiro para 45% em relatório, com um certo grau de otimismo, ao ver uma alta da demanda em 2% no ano, ante 5% anteriormente e ainda usado pelo ONS (Operação Nacional do Sistema), além de elevar a projeção para despacho de térmicas em 1,4 GW, para 16,4 GW.

Enquanto isso, a consultoria PSR,  especializada no setor, estima que o risco de corte no fornecimento já passa de 50% nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Eles também trabalham com uma redução na carga de 5% a partir de maio, mas a necessidade desse porcentual só deve ficar mais clara ao fim do período chuvoso. “Apesar da associação de dias chuvosos com transtornos, é exatamente disso que o Brasil precisa para evitá-los desta vez”, destaca a equipe de estratégia do Itaú BBA.

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O que esperar para as empresas?
Neste cenário, os temores sobre o impacto da seca atingem diversos setores da economia brasileira. A princípio, está a Sabesp: com as chuvas em baixa e nível de reservatórios criticamente baixos, a Citi Corretora manteve a recomendação de venda para as ações da companhia e cortou o preço-alvo para R$ 12,90. 

“Apesar de iniciativas de preservação (programa de desconto pela redução no consumo e multas pelo excesso dele), a seca persistente está acelerando o processo de consumo dos reservatórios. A precipitação está decepcionante em janeiro na área do Sistema Cantareira  – apenas 12% do normal, com o armazenamento atingindo 5,1%. A recuperação no curto prazo depende de um nível saudável de chuvas entre fevereiro e abril, ressaltam os analistas Marcelo Britto e Kaique Vasconcellos. E isso pode não acontecer. 

“Estimamos que o nível de chuvas entre fevereiro e abril deve girar em torno de 33% do normal para evitar o racionamento (assumindo a reposição da 2ª camada do volume morto). Acreditamos que deve levar mais tempo para o volume de água se reconstruir e incorporamos uma extensão do programa de descontos em 2016. O sistema caminhará para a escassez se o nível de chuvas se mantiver em 12% do normal, com Cantareira provavelmente secando até junho”, afirmam. 

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Dentre as elétricas, a equipe do Itaú BBA destaca que a única companhia passível de investimento no Brasil é a CPFE (CPFE3). “A exposição a distribuidoras eficientes e a ativos de geração sem exposição a racionamento proporciona à companhia um diferencial em um cenário tão difícil para o setor”.

Por outro lado, o risco do racionamento de energia é semelhante para a Tractebel (TBLE3) e para a Cesp (CESP6), ressalta o Itaú BBA, mas destacando que a última mostra maior risco. Já para o Santander, o racionamento deve ter mais impacto sobre as geradoras puras: além de Cesp e Tractebel, AES Tietê (GETI4) e Eletrobras (ELET3;ELET6) serão impactadas, já que um corte de 10% do consumo de energia levaria a uma queda de 35% a 60% nas estimativas para o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações), sem racionamento.

PIB Industrial paulista pode ser afetado
Estado com o maior PIB do Brasil, São Paulo também sofre com a falta d’água, já afetando o ritmo da indústria, produtividade e do PIB industrial. E, conforme avalia o vice-presidente da Fiesp (Federação das indústrias do Estado de São Paulo) e diretor de Meio Ambiente, Nelson Pereira dos Reis, já existem empresas planejando férias coletivas e redução de turnos de trabalho para contornar a crise hídrica. “A preocupação é grande. Não esperávamos uma seca com essa intensidade”, destacou para a Agência Estado.

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E, entre os setores instalados na região e que devem ser mais afetados, Reis aponta as indústrias química, alimentícia e têxtil. Até a segunda-feira, 26, os sindicatos dos trabalhadores das indústrias químicas e de alimentos na região de Campinas não tinham recebido comunicados de férias coletivas.

A Ambev, que tem fábrica na região de Campinas, informou por meio de nota que está “intensificando ainda mais os investimentos e ações para garantir a economia dos recursos hídricos”. Segundo a empresa, a economia tem permitido enfrentar a crise sem corte de pessoal. Entre 2002 e 2013, a Ambev informa que reduziu em 38% o uso da água no processo produtivo.

Impacto positivo pela frente?
Assim, o cenário que se desenha é bastante desafiador, mas pode levar a impactos positivos mais à frente.

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Segundo Luiz Augusto Barroso, da PSR, o racionamento pode acabar ajudando o governo, em certo sentido. “Mantendo o espírito que 2015 é o ano da ‘arrumação da casa’, um racionamento viria para – infelizmente – ajudar a arrumar o setor de vez. É apenas um remédio muito ruim para um setor que há três anos estava muito bem organizado”, opina.

(Com Agência Estado)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.