Atos desesperados de política fiscal

Diante da insolvência dos entes federados nos três níveis da república, pretendem os agentes de política fiscal passar a conta da gestão irresponsável da saúde pública para o contribuinte. É preciso seguir resistindo ao assédio fiscal da atual equipe econômica

Equipe InfoMoney

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Colunista convidado: Fernando Zilveti, professor livre-docente pela Faculdade de Direito da USP

A reunião com governadores dos estados em Brasília revelou a intenção do governo de impor uma pauta de política fiscal para tirar do foco a profunda crise política e econômica em que se encontra. A equipe econômica preparou, assim, um pacote de bondades para os gestores estaduais, acuados pela crise de arrecadação e excesso de gasto público.

O chamado “projeto José Serra” é um primeiro exemplo das bondades propostas pelo governo federal com o chapéu alheio. Trata-se de liberar os estados a tomarem de assalto depósitos judiciais que garantem litígios contra o Estado. Nas causas em que o contribuinte enfrenta o Estado, deposita o valor controverso em juízo, suspendendo a dívida em questão. Pois esse dinheiro, segundo o projeto de lei, ao invés de ser liberado para o contribuinte para socorrê-lo em tempos de crise, será destinado para o Estado pródigo. Isso revela, além de tudo, um nítido conflito de interesses, uma vez que os estados não terão razão para pôr fim nas demandas e devolver o dinheiro que lhes será indevidamente adiantado. Quanto mais demorar o processo judicial, melhor para o estado endividado e pior para o contribuinte. Ademais, caso o contribuinte vença a demanda judicial, não há garantia que os estados devolverão o montante dos depósitos judiciais antecipadamente recebidos que, hoje, sequer cumprem o pagamento de precatórios.

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Outra medida desesperada envolve o polêmico projeto de regularização de fundos no exterior. O Governo acena com a oportunidade de quem tem dinheiro no exterior não declarado à Receita Federal, pagar tributos e extinguir a punibilidade de crimes fiscais. Para contar com o apoio das bancadas no Congresso Nacional dos 26 estados da Federação, foi proposta a criação de fundos que servem para compensar perdas de arrecadação com a redução da alíquota interestadual do ICMS. Em suma, os estados abrem mão de receita que muitos sequer dispõe, em função de renúncia da “guerra fiscal”, em nome de um fundo alimentado por incerto dinheiro ilícito oficializado e tributado. De fato, a União quer mostrar para as agências de rating uma questionável cifra de receita fiscal, fruto da repatriação de recursos do exterior, de centena de bilhões de reais. Enquanto isso, todos seguem gastando mais do que arrecadam.

Um terceira medida que se especula viria da CPMF, que insiste em assombrar o contribuinte. Desde sua extinção, durante o governo Lula, o fisco segue a mesma cantilena do socorro para a saúde visando retomar a cobrança desse tributo regressivo sobre movimentação financeira, cuja destinação para a saúde sempre foi objeto de polêmica. O dinheiro arrecadado pelo tributo sobre movimentação financeira não tem carimbo e, ainda que se deseje a destinação pela essência tributária de referibilidade da contribuição social, nada acontece para o mal gestor que desvia recursos para cobrir outras contas públicas em aberto. Ademais, enquanto existiu a CPMF, a saúde pública não mudou para melhor. Depois da extinção, o governo se viu obrigado a usar outras receitas para a saúde, o que é positivo em termos de finanças públicas. A União Federal, inconformada, apela para os governadores que, assim como os prefeitos municipais, sofrem desde a Constituição de 1988 com a transferência de competências de gestão da saúde, sem as respectivas competências de arrecadação. Diante da insolvência dos entes federados nos três níveis da república, pretendem os agentes de política fiscal passar a conta da gestão irresponsável da saúde pública para o contribuinte. É preciso seguir resistindo ao assédio fiscal da atual equipe econômica.