“As pessoas não estão entendendo muito bem o ‘fora Dilma'”, diz Requião

Em entrevista ao InfoMoney, senador peemedebista diz que as pessoas estão confundindo o impeachment com a Lava Jato e defende que não há crime de responsabilidade que justifique afastamento da presidente

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Existe uma grande confusão das pessoas entre o atual processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e as investigações da Operação Lava Jato. A avaliação é do senador Roberto Requião, peemedebista com mais de 30 anos de casa, ex-governador do Paraná, prefeito de Curitiba e um dos principais nomes declaradamente contrários ao afastamento da petista. Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o parlamentar expôs sua avaliação do impeachment no contexto geopolítico e a percepção de que falta um crime de responsabilidade que ampare tal processo. Confira os melhores momentos:

InfoMoney – Como senador peemedebista contrário ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, como o senhor avalia o atual momento e as condições de o governo vencer a disputa?
Roberto Requião – Vai ser um placar muito apertado. 172 não é impossível para o governo, mas não tenho conhecimento da Câmara em detalhes. Sempre fui o único opositor à política do governo no Senado. Desde o primeiro dia eu explico que estão avaliando mal a política econômica, enquanto Romero Jucá (PMDB-RR) era líder do governo – como foi nas gestões Sarney, Fernando Henrique, Lula e Dilma.

Isso não é um recall, não é um referendo. A Constituição fala em crime de responsabilidade, que não existe [neste caso]. Essa figura está sendo forçada. Mas o que vai dar ou não eu não sei. 

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IM – Na visão do senhor, não existe crime de responsabilidade. Sendo assim, qual seria o efeito do impeachment nessas condições?
RR – Estão dividindo o país. As propostas que se alternam às do governo são as propostas do próprio governo elevadas ao cubo. O arrocho fiscal vai prejudicar de forma dura pelo menos 30% da população. Irreversível na sociedade. 

IM – Como está o clima político para o impeachment no Senado?
RR – Eu não sei. Acho estranho quem estava no ministério de Dilma até ontem, mandava no governo, tinha cargos, nomeava, era ministro estar contra. O que estavam fazendo lá até agora? 

IM – O senhor falou sobre a política econômica do governo sendo colocada ao cubo com essa transição. Quais grupos se beneficiariam e o que está em jogo nesse impeachment?
RR – Está em jogo a independência brasileira. Podemos entrar em uma crise econômica terrível. As propostas daquele grupo que assessorou Temer são propostas neoliberais. São, em essência, as propostas que puseram a Grécia e a Europa em uma situação muito difícil. A Grécia, vítima desse laboratório liberal, perdeu empresas públicas, entregou ilhas a empresas alemãs, liquidou salários, previdência e se afundou na crise. Ocorre no mundo hoje uma luta entre o capital financeiro e o estado social. E nós estamos inseridos nesse quadro. A corrupção é generalizada na política do Brasil: é do PT, mas não um privilégio deles. 

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IM – Ontem, senador Telmário Mota (PDT-RR) disse que a presidente teria se arrependido de ter confiado no vice, Michel Temer. O senhor acredita que o momento em que ele foi articulador político do governo foi decisivo para o atual desfecho?
RR – Não. Vejo Temer como um peão desta guerra do capital contra o estado social. Não vou fazer acusação a Temer; apoiei-o para a presidência do PMDB. Estamos vivendo um processo em que o Brasil é a vítima, o estado social é vítima, a previdência é vítima. Veja que os bancos estão batendo recordes de lucratividade. É uma coisa absolutamente inacreditável. Banco Central faz swap perdendo bilhões de reais, centenas de milhões de dólares. Os compromissos do [senador José] Serra (PSDB-SP) em acabar com o pré-sal, com a partilha. É uma guerra geopolítica que envolve o Brasil, e nós estamos sendo manipulados por isso tudo. É uma briga de vaidades, busca de poder. O Brasil é o que menos importa. O país está indo para o beleléu. Vai o Banco Central para a mão dos banqueiros, vai o petróleo para a mão das multinacionais, vão as empresas públicas, Banco do Brasil, Caixa Econômica… É uma loucura total. 

IM – O senhor se posicionava contra as medidas econômicas do governo. Pelo cenário que desenha, o caminho que o senhor critica não tende a se confirmar com ou sem impeachment?
RR – Não é um caminho sem volta. É um caminho sem alternativas por parte dos atores. Dilma mesmo vem trilhando esse caminho, só que com uma reação dentro do PT. Na última quarta-feira, votaram o contingenciamento dos recursos de saúde e educação para municípios, estados e a União. A proposta foi do governo e ampliada por emendas.

Agora, o impeachment pressupõe crime de responsabilidade. E não há crime de responsabilidade. Se fosse um recall, dizendo que Dilma prometeu governar de um jeito e o está fazendo de outro, seria uma decisão da população. Ela, de certa forma, não cumpriu os compromissos eleitorais e o pessoal que assessora Temer hoje está cumprindo roteiro pior que o do FMI, louvado pelas redes de televisão, pelos jornalões, por toda a mídia. Que vai colocar o Brasil em uma crise inacreditável.

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Como isso deveria ser resolvido? É preciso deixar Dilma governar. O PMDB apoiou isso tudo, como pode contestar esse governo? Eu fiquei uma voz isolada no Senado. A democracia é o espaço para resolver essas questões. 

IM – Qual é o seu maior receio em todo esse processo?
RR – Um conflito social, crise em cima de crise, impossibilidade de governo, falta de legitimidade para governar. O governo está procurando sua legitimidade no apoio da banca e do capital, propondo medidas duras, e os banqueiros estão satisfeitos. O povo não ficará. As pessoas não estão entendendo muito bem o “fora Dilma”. Estão confundindo o impeachment com a Lava Jato. A Lava Jato tem que continuar; não pode ser objeto de um acordo para livrar essa gente toda.

IM – E a possibilidade de isso não continuar?
RR – Basta ver como se comporta o Supremo Tribunal Federal, as bobagens que Moro está fazendo ao se exceder, ultrapassando os limites do Direito, que podem anular tudo que se fez.

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Uma parte da população está entendendo o impeachment como um recall, um referendo. Não entenderam que as propostas alternativas são piores do ponto de vista econômico. Veja o que acontece na Argentina. Macri está com uma proposta liberal. Não sei quanto tempo ele vai durar lá. Agora, condenar um sujeito por homicídio sem haver corpo de delito é estranho. A nossa Constituição não prevê recall. 

IM – Também tem-se falado, em tempos de fragilidade de governo, sobre a possibilidade de novas eleições. O senhor também acha isso um pouco esdrúxulo ou algo a se considerar?
RR – O pessoal está acreditando que vai governar com Temer. Se a mídia não tivesse desmontado a chance de Dilma, ela teria uma vitória expressiva. Hoje, pode ter uma derrota ou vitória apertada. A mídia que está provocando isso, publicando escores, resultados e listas. Agora, o problema é que nada disso tem sustentabilidade. Vão fazer o quê depois? Vão governar com quem? Com as ideias do meu amigo Romero Jucá? Com o talento econômico do meu amigo Eliseu Padilha e do Moreira Franco? E com a iluminação divina do Cunha? Por que Cunha ainda está na presidência da Câmara?

IM – Por que estamos caminhando para esse cenário, ainda usando sua avaliação como modelo?
RR – Eles deviam ter peitado o capital financeiro. Claro que precisamos de reforma trabalhista, de algumas correções na previdência, mas isso tinha que vir acompanhado globalmente de um todo, que acabasse com a folia do capital financeiro, da exploração da rolagem da dívida pública. Isso já ocorreu no mundo, com as políticas anticíclicas de Keynes, não é invenção nenhuma. Estamos entrando em um período muito ruim da nossa história. Seria muito melhor ter isso tudo evitado. Pacto nacional tem que levar em conta o povo, não a banca, o interesse geopolítico do petróleo americano.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.