Smiles: de “oportunidade” da Bolsa para alvo da “fúria” dos acionistas com apenas uma notícia

Não-renovação de contrato e incorporação da Smiles: o anúncio da Gol nesta segunda-feira caiu como uma verdadeira bomba para os acionistas da SMLS3, que passou a ser a maior queda do Ibovespa no ano

Weruska Goeking

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SÃO PAULO – Há dois meses, uma luz amarela acendeu sobre os acionistas da Smiles (SMLS3) com o anúncio de que a Latam não renovaria contrato com a Multiplus (MPLU3). A companhia de programa de fidelidade da Gol seguiria o mesmo caminho?

A maior parte dos acionistas na época acreditou que sim e a ação caiu 20% em seis pregões contaminada pelo pessimismo com o setor, que não avaliou positivamente o anúncio da sua concorrente. 

Para analistas ouvidos pelo InfoMoney na época, contudo, o mercado poderia ter penalizado demais a Smiles, uma ação que estaria em outro patamar de negócio e com fundamentos sólidos. 

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Mas uma novidade logo no início desta semana “destruiu a tese de investimento” de diversas casas de análise para os papéis da companhia. 

Nos primeiros minutos desta segunda-feira (15), a Gol (GOLL4), controladora da empresa de fidelidade, informou que fará uma reorganização societária unificando a sua classe de ações, listando a empresa no Novo Mercado.

Mas a verdadeira “bomba” para os acionistas – e que fez as ações da Smiles caírem quase 40%(mais precisamente 38,49%, a R$ 31,88) – foi a notícia de que a empresa de fidelidade seria incorporada pela empresa aérea, assim como o anúncio de que não haveria a renovação do contrato com a empresa de fidelidade, que vence em 2032.  

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A Gol ainda informou que a relação para a troca de ações da aérea e da Smiles será definido por um comitê independente e que também poderá ter uma conversão em caixa, com as “preferenciais resgatáveis” (veja os próximos passos no fim da matéria), o que gerou ainda mais dúvidas para os acionistas da empresa. 

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Tal decisão teve como argumento o cenário de maior competição no mercado – o que levou a muitas dúvidas sobre a real condição de mercado da Smiles, até então vista como uma boa oportunidade na Bolsa. 

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“A Smiles possuía um plano estratégico de crescimento que em cinco anos faria a empresa dobrar o seu valor. Adicionalmente, havia sido comentado para o mercado a recomendação que a diretoria executiva faria para o Conselho de Administração da Smiles de pagamento de 100% do resultado líquido, sob a forma de proventos aos acionistas”, escrevem os analistas da Eleven Financial, Tatiana Brandt e Raul Grego, em relatório.

Com o anúncio de hoje, boa parte dessa tese de investimento foi colocada em xeque. 

Além disso, o fato de não haver nenhum valor colocado na mesa gerou divisão no mercado. Para Tiago Reis, CEO e fundador da Suno Research, o fato de a empresa estar disposta a negociar pode tornar o acordo mais benéfico para os acionistas de Smiles do que foi para Multiplus e que a Gol tende a ser mais “generosa” do que a Latam nos termos que serão propostos.

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O fato de ainda restarem 14 longos anos para o fim do contrato também poderia jogar a favor dos acionistas da Smiles. Segundo Reis, os valores recebidos em dividendos até o fim do contrato devem superar o valor das ações. “Como o contrato é longo, o benefício é grande em manter ações até o final do contrato”, avalia.

Por outro lado, alguns detalhes não ficaram claros para os acionistas da Smiles, nem mesmo após a teleconferência – e justamente a falta do valor da transação trouxe muita incerteza aos acionistas. 

Para os analistas do Itaú BBA, a reação negativa do mercado pode ser explicada não apenas pela rescisão do contrato com a Gol em 2032, mas também pelos termos propostos que incluem os swaps de ações. “Naturalmente, do ponto de vista dos acionistas da Smiles, receber dinheiro imediatamente seria preferível do que receber ações”, explicam. 

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Enquanto isso, os analistas do BTG Pactual cortaram a recomendação para ações SMLS3 de compra para neutra e afirmaram que a “Gol aparentemente não está mais alinhada com os interesses da Smiles”. 

A questão dos dividendos também pode vir por água abaixo. Diante disso, a Eleven passou a recomendar venda das ações ao avaliar que a Gol “desconsiderou as boas práticas de governança corporativa, ferindo completamente o interesse dos acionistas minoritários da Smiles e destruindo o valor da companhia, cujo pilar central da tese era o elevado potencial de geração de caixa e pagamento de dividendos”. O preço-alvo foi estimado em R$ 30, o que ainda representa um potencial de queda de 5,36% em relação ao fechamento desta segunda. 

Por outro lado, há quem não esteja tão pessimista assim: os analistas do Bradesco BBI mantiveram a recomendação para Smiles em outperform (acima da média do mercado, o equivalente a compra), mas cortou o preço-alvo de R$ 85 para R$ 48 após a ação da empresa perder esse patamar depois da derrocada no pregão de hoje.

Mostrando um relativo otimismo frente outras casas de análise, os analistas do banco apontam que o preço-alvo atual que possuem é o piso teórico para os papéis SMLS3, uma vez que os minoritários podem optar por receber um pagamento em dinheiro com base no relatório de avaliação.

Desta forma, os analistas Victor Mizusaki e Raphael Frankel atualizaram o valuation de forma a incorporar: 1) valor terminal zero para a Smiles, dado que seu contrato operacional com a Gol não será mais renovado e 2) aumento da taxa de desconto da Smiles de 12,3% para 15,4%, fazendo com que tanto controlada quanto a controladora tenham o mesmo beta (índice que mede a volatilidade de um ativo frente a um índice de mercado), já que a empresa de programas de fidelidade será incorporada à companhia aérea. 

Antecipando problemas

Outra questão colocada como preocupante é de que, para parte dos investidores, empresas de fidelidade são altamente dependentes de operações bancárias, donas dos cartões que possibilitam o acúmulo e uso dos pontos – ou das próprias aéreas – responsáveis pela definição dos preços e descontos via milhagem. Essa interdependência seria, na visão deles, incompatível com a separação dos negócios. 

Por outro lado, Paulo Sérgio Kakinoff, presidente da Gol, disse durante a teleconferência com investidores que manter os negócios separados deixaria a Smiles e a Gol em desvantagem em relação a outras empresas do setor que têm operações integradas.

 “No longo prazo – no arranjo atual – o negócio não seria competitivo. Quem ficar com negócios separados enfrentará desafios maiores”, disse Kakinoff. Segundo ele, os investidores já sabiam que não seria possível renovar o contrato com os termos atuais. 

O executivo também respondeu questionamentos sobre o anúncio do plano de reorganização societária junto com o aviso de intenção de não renovar o acordo com a Smiles. “Fomos transparentes de anunciar a decisão com bastante antecedência”, explicou, mas sem trazer mais detalhes sobre as questões que afligem o mercado, o que contribuiu para intensificar a queda dos papéis durante o pregão. 

Vale lembrar que essa movimentação não é exclusividade do cenário nacional. A Aeromexico já informou que não renovará com o programa Club Premiere e a Air Canada sinalizou planos de tomar de volta a parcela da Aeroplan atualmente detida pela Aimia.

Contudo, muitos investidores nos papéis da Smiles foram pegos de surpresa com o anúncio, uma vez que passaram de acionista de um dos grandes cases de sucesso na Bolsa desde que abriu o capital, em 2013, para fazer parte da sociedade de uma empresa aérea que, apesar de sua recuperação recente, faz parte de um setor conhecido pelos balanços voláteis e baixa rentabilidade. 

Ruim para a Smiles, bom para a Gol

Se os acionistas da Smiles estão decepcionados, para a Gol a notícia é um “economicamente positiva”, segundo os analistas do BTG Pactual. Se o acordo avançar conforme a aérea pretende, a empresa deve se beneficiar de maior flexibilidade nas transações relacionadas a Smiles e de significativas sinergias relacionadas a impostos.

“Inicialmente, estimamos que o VPL [valor presente líquido] das eficiências fiscais poderia estar em R$ 1,5 bilhão para a Gol (mais de 30% de seu valor de mercado)”, disse o BTG. Vale ressaltar que os papéis da Gol fecharam em alta de 4,06%, a R$ 14,09. 

Além disso, a empresa aérea tem planos de ser listada no Novo Mercado, com a conversão dos papéis preferenciais em ordinários. A Gol fará um grupamento das ordinárias na proporção de 35 para 1, de forma a manter a base de precificação de suas ações no mercado. Os acionistas preferenciais dissidentes terão o direito de retirar-se, pelo seu valor patrimonial.

A Gol informou que poderá buscar outras alternativas para incorporar a Smiles, incluindo uma OPA (oferta pública de aquisição), caso a reorganização não seja aprovada. “Ou seja, a vontade do controlador será feita ainda que o processo inicialmente proposto não seja aprovado”, observam os analistas da Eleven. Assim, se o acordo foi bom para a Gol, claramente não foi positivo para a Smiles, que passou de uma das queridinhas do mercado para a maior queda do Ibovespa em 2018. 

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