Um búlgaro na Amazônia

O que separa ficção de realidade neste belo romance de Ilko Minev? A pergunta acompanha o leitor em todas as páginas do livro Na Sombra do Mundo Perdido

Equipe InfoMoney

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por prof. Jacques Marcovitch (USP)

O que separa ficção de realidade neste belo romance de Ilko Minev? A pergunta acompanha o leitor em todas as páginas do livro Na Sombra do Mundo Perdido. Esta é a sua essência literária. Sem perder o tom de fabulação, a obra retrata os maus tratos de indígenas pelos colonizadores e o sofrimento de imigrantes europeus, ou migrantes nordestinos, diante de adversidades enfrentadas na Amazônia e cercanias.

O contexto da narrativa é a Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, que se estende por um milhão e setecentos mil hectares, incluindo os municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã. Sua porção montanhosa culmina com o célebre monte Roraima, em cujo topo se encontra a tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela. Uma região, como se sabe, com demarcação contínua do território indígena, o que determinou a saída em massa de produtores rurais.

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A estória reúne duas famílias. Uma, veio da Bulgária e da Rússia; outra, dona da fazenda Santa Virginia, nas margens do rio Surumu. Ambas vivenciam esperanças, desencantos e sonhos dos pioneiros da Amazônia. São famílias que testemunham crueldades sofridas pelos índios. Famílias empenhadas, simultaneamente, em defender suas terras e produzir. Famílias cujos destinos se cruzam quando uma delas adota um filho que mais tarde se revela irmão gêmeo de outro, criado em sua tribo de origem. Este é o núcleo ficcional do enredo habilmente construído por Minev, no qual fantasia e concretude se mesclam para encantar os leitores.

A natureza exposta com grande perícia descritiva é farta de rios, lagos, praias, fauna e flora. O lago Caracaranã, por exemplo, tem extasiado sucessivas gerações de visitantes. Esta paisagem também hospeda muitas riquezas minerais, entre as quais ouro e diamantes. Por isso é uma área brutalmente maltratada por garimpeiros e aventureiros que contaminam suas águas, destroem o habitat natural e praticam violências em sua busca desenfreada por fortuna.

Neste largo cenário desenrola-se a trama que conduz o leitor ao encontro de um verdadeiro patrimônio da Amazônia real. A revitalização desta extraordinária e rica extensão territorial é uma responsabilidade das novas gerações. Tal obrigação exige pesquisa permanente de especificidades geomorfológicas, preservação do meio ambiente e das características culturais. A complexa realidade socioeconômica da Região Norte e seus habitantes impõe uma agenda sustentável, capaz de superar conflitos e criar oportunidades de vida significativa para as gerações presentes e vindouras.

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“Na sombra do mundo perdido” de Ilko Minev.
Editora Buzz, São Paulo, 2018