“A economia só vai começar a reagir quando a reforma da Previdência for implementada”, diz economista

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, Francis Repka, CEO do Grupo Société Générale no Brasil, sustenta que o país só superará a crise se enfrentar os problemas da evolução da dívida pública

Marcos Mortari

Publicidade

SÃO PAULO – Há sinais de retomada gradual na economia brasileira, mas, a despeito do otimismo do mercado financeiro, o desempenho do setor produtivo tem apresentado pouca evolução e só começará a reagir com maior ímpeto após a aprovação da reforma da Previdência no Congresso. Caso ela não seja confirmada pelos parlamentares, os riscos de uma grande frustração e reversão de expectativas, sobretudo no mercado financeiro, serão grandes, com uma possível deterioração ainda maior do quadro econômico. A leitura é de Francis Repka, CEO (Chief Executive Officer) do Grupo Société Générale no Brasil. Para ele, a evolução da dívida pública e a trajetória dos déficits do Estado brasileiro precisam ser tratados com urgência caso o país queira superar a grave crise que enfrenta.

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o economista sustenta que a reforma da Previdência é a pauta decisiva do momento, mas também defende que o Banco Central poderia dar uma parcela maior de contribuição na retomada da economia brasileira reduzindo com maior intensidade a taxa básica de juros. “Uma inflação de cerca de 4% combinada com uma taxa de juros a 11,25% significa uma taxa de juro real de 7,25%. Em uma economia ainda em recuperação, é um valor muito, muito alto”, disse. Na leitura do especialista, a autoridade monetária “foi pega de surpresa pela queda brutal da atividade econômica” do ano que passou, mas agora tende a corrigir o tempo perdido com cortes mais agressivos na Selic.

Confira os destaques da entrevista:

Continua depois da publicidade

IM – Qual é sua percepção acerca da retomada da economia brasileira? Há sinais claros de recuperação?

Francis Repka – No cenário de economia real, estamos em uma situação de retomada gradual nos próximos três trimestres. Ainda há fatores negativos. Primeiro, a falta de visibilidade sobre a situação da reforma da Previdência. Isso está tendo impacto sobre as perspectivas de investimentos das empresas. O segundo fator sensível é que a taxa de desemprego continua a aumentar, o que torna fraca a demanda do consumidor.

Outro fator que poderia ter ajudado um pouco mais é a demanda no exterior. Como o real se valorizou bastante nos últimos meses, a competitividade da indústria brasileira caiu desde o segundo e terceiro trimestres de 2016.

Um último ponto, que também tem a ver com a desvalorização cambial, é a taxa de juros. Achamos que a Selic ainda tem espaço para ser reduzida. Uma inflação de cerca de 4% combinada com uma taxa de juros a 11,25% significa uma taxa de juro real de 7,25%. Em uma economia ainda em recuperação, é um valor muito, muito alto.

Vemos um cenário de retomada gradual, que deve aumentar um pouco nos próximos dois ou três trimestres. Mas, pessoalmente, não acho que a economia poderia voltar a crescer a 2% ou 3% nos últimos três meses. A retomada será mais gradual. 

IM – Os cortes recentes na Selic não produziram efeitos significativos na taxa real de juros. Alguns economistas têm alertado para as consequências disso sobre o nível de alavancagem do setor privado. O senhor também enxerga com atenção essa situação e os riscos de uma crise mais profunda de endividamento das empresas brasileiras?

FR – As empresas brasileiras já começaram a desalavancar há quase dois anos. Esse processo começou naturalmente. Mas, globalmente, não acho que possamos dizer que o setor empresarial brasileiro é alavancado demais. E mais: o setor privado está enfrentando uma situação econômica, em alguns setores, realmente muito negativa. Veja o que aconteceu nos últimos anos em termos de vendas de automóveis. Com uma queda desse tipo, mesmo uma empresa que não seja alavancada vai ter problema. 

IM – O senhor defende que os juros poderiam colaborar mais com a recuperação da economia brasileira…

FR – Acho importante ter no Brasil um Banco Central independente. Por outro lado, também acredito que o BC esteja um pouco atrás da curva. Ele também foi pego de surpresa pela queda brutal da atividade econômica. Nos próximos trimestres, poderemos ter uma política monetária um pouco mais apoiadora, o que significa redução da taxa real. Há espaço para uma queda mais agressiva da Selic do que nos últimos seis meses. Vemos sinais de que as autoridades monetárias brasileiras estão começando a se tornar cientes de que o movimento poderia ser mais agressivo.

IM – Como o senhor tem visto os recentes recuos do governo na pauta da reforma da Previdência e as reações do mercado?

FR – Há uma grande diferença entre os mercados financeiros e a economia real. O primeiro comprou bastante as reformas da competitividade, a reforma da Previdência, com o dólar indo a R$ 3,10. Os mercados financeiros estão muito otimistas que o governo conseguirá estabilizar a dívida pública. Do outro lado, a taxa de desemprego continua a aumentar, o que não é bom para o consumo e para o investimento. Também há uma grande parcela de empresas que precisam continuar a desalavancar, o que significa que têm agora um grau de investimento fraco. Isso também traz uma perspectiva de retomada apenas gradual da economia.

Sobre as perspectivas de aprovação das medidas [no âmbito da Previdência]: há sinais de aprovação de algo entre 50% e 70% das reformas iniciais. Mas acho que é muito importante agilizar as ações concretas da aprovação, estamos em uma situação em que há expectativas muito grandes dos mercados financeiros e por parte da economia real. A economia real vai apenas começar a reagir quando a reforma da Previdência for formalmente votada e começar a ser implementada. 

IM – E a reforma trabalhista? Como o senhor tem visto o avanço dessa pauta e qual é a importância para o mercado financeiro e a economia real?

FR – São medidas importantes. Uma primeira parte foi a lei da terceirização. Se bem implementada, pode melhorar a competitividade das empresas. De qualquer forma, acho que a medida mais importante é a reforma da Previdência. A prioridade do país é estabilizar a trajetória da dívida pública. 

IM – Qual seria a reação da economia real e do mercado financeiro caso a reforma da Previdência não conseguisse o apoio necessário e fracassasse no Congresso?

FR – Os mercados financeiros claramente ficariam muito desapontados. Haveria um impacto negativo sobre o real, sobre o risco-país. Do lado da economia real, naturalmente não seria uma boa notícia. De qualquer forma, acredito que o impacto seria maior nos mercados financeiros do que na economia real, que agora ainda está bastante fraca. 

IM – Do ponto de vista da solvência do país, o que precisa ser feito para compensar as concessões do governo em relação o projeto original?

FR – Acho que o governo não tem muito espaço para compensar isso. Há realmente um valor mínimo para a reforma da Previdência, no que diz respeito ao déficit fiscal. Estamos começando a chegar perto dele e o risco é alcançar um patamar de redução que não seja suficiente para poder mudar, de maneira significativa, a trajetória da dívida pública.

Por outro lado, o governo provavelmente vai tentar melhorar a arrecadação. Há duas maneiras para fazer: a primeira, tentar fomentar a atividade econômica. Por isso, acho importante conseguir rapidamente dar o primeiro sinal, que é aprovar a reforma da Previdência. Outra, poderia ser de aumentar os impostos. Naturalmente, sempre tem impacto negativo, também sobre a taxa de crescimento no curto prazo. O governo tem que escolher bem a prioridade. A questão do déficit público e a trajetória da dívida pública precisam ser tratados rapidamente. 

IM – Um dos pontos discutidos no meio político tem sido a exposição de instituições e do sistema político brasileiro como consequência das revelações da operação Lava Jato. Isso pode afugentar investidores internacionais?

FR – Os investidores estrangeiros acreditam que, no longo prazo, os desdobramentos da operação Lava Jato vão ter um impacto positivo sobre a vida política e a economia do Brasil. 

IM – Existe uma leitura de que os principais investimentos estrangeiros aguardam o cenário eleitoral de 2018. Passadas as eleições, pode ser que haja um fluxo maior, em decorrência da possibilidade de mais previsibilidade do cenário político. O senhor concorda?

FR – Vai depender das perspectivas de haver renovação dos poderes Legislativo e Executivo. Isso seria lido como positivo. 

IM – As taxas de juros em boa parte das economias mundiais estão próximas a zero ou até negativas, em um ambiente de busca por segurança em meio a riscos elevados, crescimento baixo…

FR – Acho que não é apenas esse ponto. Isso tem a ver também com uma política na Europa hoje e nos Estados Unidos alguns anos atrás, de compra da dívida pública. Isso comprimiu muito as taxas de juros. Essa situação se espalha por alguns emergentes, como a China e muitos países do sudeste asiático.

O Brasil tem a maior taxa de juro real do mundo e isso significa que o custo de ter um déficit é muito maior do que nos outros países. Por isso que também acho que o Banco Central deveria acompanhar, de maneira mais agressiva, a queda da taxa de inflação e fazer um corte mais agressivo da Selic. Isso ajudaria a reduzir o efeito da dívida pública no déficit fiscal. 

IM – Por que o senhor acredita que o BC é resistente em tomar esse tipo de iniciativa?

FR – A situação da economia brasileira em 2016 foi bem pior do que as perspectivas do começo daquele ano. A queda da taxa de inflação foi mais brutal do que esperavam muitos especialistas. Acho normal, nas primeiras duas ou três reuniões do Copom, o BC ter certeza de que está acompanhando de maneira mais adequada a inflação. Mas acho que agora temos mais sinais concordantes de que essa queda da taxa é maior e provavelmente será mais durável do que inicialmente previsto.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.