Governo perde de mais do que previa e Temer “assume” o governo antes da hora

A primeira foi a decisão da Comissão Especial da Câmara de aceitar, por 38 votos favoráveis contra 27, o parecer do relator Jovair Arantes sugerindo a admissão processo de impeachment

José Marcio Mendonça

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A avassaladora dinâmica da crise política brasileira ganhou ontem dois ingredientes que jogam mais lenha ainda nesta fogueira que se transformou a disputa governo-oposição pelo afastamento ou não da presidente Dilma Rousseff. Uma, já esperada. A outra, totalmente surpreendente para o momento em que se revelou.

A primeira foi a decisão da Comissão Especial da Câmara de aceitar, por 38 votos favoráveis contra 27, o parecer do relator Jovair Arantes sugerindo a admissão processo de impeachment. O governo já deva esta batalha como perdida, fez tudo apenas para não sofrer uma derrota vergonhosa que pudesse induzir votos no plenário, onde a decisão de mandar o processo para o arquivo ou para o Senado é que vai valer.

A própria oposição chegou a namorar a possibilidade de chegar aos 45 votos pró-impeachment, portanto, ao fim das contas o governo não se saiu tão mal assim nas circunstâncias. Porém, o que se viu em Brasília durante todo o dia de ontem e na própria reunião da Comissão é que a defesa do governo perdeu substância, apesar do forte empenho do ex-presidente Lula e do “Diário Oficial”. No fim, mesmo sem derrota por “goleada”, o governo sentiu o golpe, como admitiu o ministro Jaques Wagner.

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Partidos com os quais o Palácio do Planalto, como o PP, o PR e o PSD, mostraram que estão totalmente rachados e, em princípio, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, não darão ao governo o número de votos esperado por Dilma e Lula e prometido por seus líderes que negociavam com eles.

De todo modo, nenhum dos lados, repita-se o que foi dito ontem, tem, em sã consciência, certeza ainda de chegar aos votos necessários para barrar (172 votos e não votos) ou aprovar (342 votos reais) o impeachment na sessão de votação no plenário, prevista inicialmente para domingo.

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O governo deve intensificar sua estratégia de trocar votos por cargos e verbas e de usar os grupos sociais que o apoiam para tentar dobrar parlamentares favoráveis ao impeachment, inclusive acirrando o discurso do golpe. Ontem, aconteceram no Rio de Janeiro manifestações comandadas por artistas e intelectuais de um modo geral. No domingo, há manifestações marcadas pelos dois lados.

Porém, o Palácio do Planalto pode partir para uma ação mais objetiva: ir ao Supremo Tribunal Federal contestar a decisão da Câmara. Ontem, na defesa da presidente na Comissão Especial, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, voltou a insinuar que a arguição de ilegalidade do julgamento será aberta de fato. A dúvida é se o governo vai esperar a votação no plenário ou se se antecipará e recorrerá ao STF ainda esta semana.

O governo quer conter o processo na Câmara, pois tem indicações de que os senadores não vão contrariar a maioria dos deputados. Nem seu principal aliado e sustentáculo por lá, o presidente da Casa, Renan Calheiros, botaria a cara para apanhar na hora do chamado “vamos ver”.

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Um indício de que o governo pode estar vendo além de fantasmas no horizonte, está vendo coisas reais, está no tom mais violento e exacerbado do ministro Cardozo ontem, bem diferente do da semana passada, ameno e até em alguns momentos bem humorado. Uma coisa que intriga o Palácio do Planalto é que as negociações de cargos, que sempre surtiram efeito no Brasil, dessa vez não estão funcionando a contento, pelo menos não na medida esperada até agora.

Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, o governo tem uma outra arma que pretende “sacar” antes da votação do impeachment na Câmara para tentar criar um ambiente positivo contra o impeachment, tanto entre parlamentares como na sociedade.

Informa a reportagem de Adriana Fernandes e Murilo Rodrigues Alves que diversos ministérios estão sendo mobilizados pelo ex-presidente Lula para desengavetar, a toque e caixa, todas as medidas que possam incentivas um cenário positivo. Entre elas estariam:

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1. Remanejamento de recursos para elevar gastos de ministérios.

2. Flexibilização de exigências para dar fôlego ao caixa de Estados e municípios.

3. Abertura do espaço fiscal para mais investimentos.

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4. Incremento de até R$ 8 bilhões no financiamento de capital de giro a micro e pequenas empresas em duas linhas.

5. Ofensiva para que pessoas com idade superior a 70 anos saquem o benefício do PIS/Pasep, com desembolso total de cerca de R$ 7,5 bilhões. 

Temer e o governo de salvação nacional
A segunda ocorrência de ontem que fez muito barulho e pode influenciar, de um modo ou de outro, a votação do impeachment na Câmara foi o vazamento de um áudio do vice-presidente Michel Temer no qual ele faz uma espécie de ensaio do discurso que deverá dizer, provavelmente no domingo, caso o encaminhamento do pedido de impedimento da presidente para o Senado seja aprovado.

Segundo explicações da assessoria de Temer, tão logo o áudio veio à luz, foi a de que ele pretendia mandar apenas para alguns assessores e que cometeu um equívoco técnico. E que ele estava fazendo, ao “treinar” o discurso, era se preparar para uma eventualidade. O próprio Temer no fim da tarde, veio pessoalmente dar essa explicação. Disse que foi um equívoco, mas que é o que ele pensa.

A gravação incendiou a reunião da Comissão e alimentou o discurso governista de que se prepara na verdade um golpe legislativo contra a presidente. Temer foi fartamente classificado como golpista-mor, mancomunado especialmente com o presidente da Câmara, o execrado Eduardo Cunha.

O tema deve ir para o discurso das ruas governistas a partir de hoje. Para muitos, Temer estava precipitadamente “assumindo” a Presidência da República. Governistas, como o ministro Jaques Wagner, querem que ele renuncie. Popularmente, foi o chamado “tiro no pé”, avidez e ansiedade.

Tudo indica que o vazamento da gravação foi mesmo por pura “imperícia” tecnológica de Temer, tanto que os oposicionistas, especialmente os peemedebistas, ficaram atarantados quando o áudio vazou. Aos poucos, foram tentando fazer desse limão uma limonada, insinuando que o vazamento havia sido proposital exatamente para dar aos favoráveis ao impeachment argumentos contra argumentos do discurso governista.

De fato, uma das teses defendidas pelos petistas para atacar a possibilidade de um “futuro” governo Temer é de que ele eliminaria boa parte das conquistas sociais dos anos Lula. Muitos discursos governistas na Comissão Especial ontem bateram nesta tecla, de que o programa de governo de Temer vai avançar sobre o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Pronatec.

No ensaio de seu discurso Temer rebate tudo isso. Na realidade, na gravação de cerca de 15 minutos, o vice-presidente faz uma espécie de “resumo” de seu programa de governo, abordando os temas mais importantes, tanto dirigidos para acalmar os empresários como para acalmar os trabalhadores. Temer voltou a falar em união, em governo “salvação nacional”.

Vamos viver dias de grandes (e secretas negociações) e de grandes e surpreendentes revelações e emoções. A discussão do impeachment na Câmara está marcada para começar sexta-feira, prevê-se que as preliminares (discursos, chicanas e tais) deverão durar cerca de 30 horas e a votação está prevista para ocorrer na tarde de domingo. Com barulho nas ruas.

“Votômetro” de hoje em “O Estado de S. Paulo”: 299 deputados a favor do impeachment, 123 contra, 48 indecisos e 43 não quiseram responder.

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Mais de dez grupos querem disputar aeroportos. Estrangeiros reclamam falta de sócios nacionais” (Globo)

– “BNDES trava R$ 22 bi em crédito para infraestrutura” (Estado)

– “TST julga causa que pode levar a perda de R$ 11,5 bi à Petrobras” (Folha)

– “Mudança na concessão de telefonia deve beneficiar operadoras” (Globo)

– “Saldo da balança comercial já ultrapassa US$ 10 bi este ano” (Valor)

– “Desvio de R$ 1 bi atinge Rodoanel” (Valor)

– “Fernando Pimentel é indiciado por corrupção passiva” (Globo/Estado/Folha)

– “PF indicia sete envolvidos em fraudes no Postalis” (Globo/Estado)

LEITURAS SUGERIDAS

Kenneth Rogoff – “Estados Unidos contra o comércio?” (diz que o remédio apropriado para reduzir a igualdade no país é introduzir um sistema de taxação mais simples e progressista) – Globo

M. Mendes, M. Lisboa, M. Almeida e B. Appy – “Juros e consequências severas” (diz que a tese de que dívidas – dos estados – pode ser recalculadas por juros simples implicaria ruptura dos contratos vigentes) – Estado

Youshiaki Nakano – “Como conter a espiral recessiva” (diz que com taxa de câmbio competitiva e com credibilidade e taxas de juros compatíveis com os níveis internacionais, a economia brasileira iniciará rapidamente a sua recuperação) – Valor