Colunista InfoMoney: Ibovespa e especulação em alta

Nos primeiros quatro meses de 2009 o índice Bovespa teve uma valorização de 25,94%; isto demonstra que a crise já passou?

Ricardo Ratner Rochman

Nos primeiros quatro meses de 2009 o índice Bovespa teve uma valorização de 25,94%, o que representa uma grande melhora frente a queda de 41,22% ocorrida no ano de 2008. Isto demonstra que a crise já passou? O que estão pensando os investidores? Onde eles estão investindo?

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Ainda é cedo para afirmar que a crise passou, até porque as empresas ainda estão se reestruturando para enfrentar esta nova realidade, e algumas lutam para sobreviver, como, por exemplo, o recente caso da Chrysler que pediu a proteção do Chapter 11, semelhante a antiga concordata no Brasil. Além disso, o superávit primário do governo brasileiro caiu aproximadamente 70% no primeiro trimestre de 2009, e a incerteza continua muito grande quanto ao futuro. Com este cenário nada favorável como justificar a alta da Bovespa?

Para tentar responder esta pergunta selecionamos uma amostra de 194 ações negociadas na Bovespa, e analisamos a rentabilidade destas em relação à rentabilidade do índice Bovespa (que chamarei de retorno excedente ao Ibovespa) no primeiro quadrimestre de 2009. E usando um pouco de estatística fizemos a regressão do retorno excedente ao Ibovespa em relação a uma série de fatores que normalmente são associados ao desempenho de uma empresa. O propósito disto era determinar quais foram os fatores que influenciaram o desempenho das ações neste início de ano, e a partir destes inferir o que pensaram os investidores.

“Investidores estão preferindo direito a voto do que dividendos”

Os fatores escolhidos para se analisar o desempenho das 194 ações da amostra foram: retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de 2008 da empresa; dividend yield (dividendo distribuído dividido pelo preço da ação no final de 2008); tamanho da empresa (medido pelo total de ativos); participação no índice Bovespa no final de 2008 (medida de liquidez da ação); preço dividido pelo Valor Patrimonial (preço/VPA) da ação no final de 2008 (esta medida é utilizada para identificar ou separar empresas com grande potencial de crescimento, quanto maior fora a relação preço/VPA maior é o potencial de crescimento da empresa); exigível a longo prazo dividido pelo ativo total da empresa no final de 2008 (esta é uma medida de endividamento de longo prazo); índice de liquidez corrente no final de 2008 (ativos circulantes divididos pelos passivos circulantes, que é uma relação de liquidez de curto prazo da empresa); beta dos últimos 36 meses calculado no final de 2008 (beta é uma medida de risco em relação a um índice de mercado, sendo que um beta igual a 1 indica que o risco da ação é igual ao do mercado); e finalmente a variação percentual do múltiplo EV/EBITDA no período de 2007 a 2008 (para capturar a desvalorização ou valorização das empresas no período pré e “pós” crise).

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Na tabela de médias das medidas utilizadas no estudo percebemos que o retorno médio acima do Ibovespa no 1º quadrimestre de 2009 das empresas cujo retorno excedente foi positivo é de 21,37% frente a -19,56% das que tiveram retorno excedente negativo. Pela tabela de médias vemos que as empresas com retorno acima do Ibovespa em 2009 foram as mais rentáveis em 2008, possuem praticamente o mesmo tamanho das que tiveram retorno abaixo do Ibovespa (ou seja, tamanho não foi um diferencial na escolha dos investidores), possuem maior participação no Ibovespa (o que é um sinal de maior liquidez das ações do que as que possuem retorno negativo), são mais conservadoras por terem menor nível de endividamento e maior liquidez de curto prazo, e pela variação do múltiplo notamos que foram as empresas que tiveram maior desvalorização no ano de 2008 devido à crise.

Médias das Medidas em 31/12/2008 Empresas com retorno ACIMA do Ibovespa de 31/12/2008 a 29/04/2009 Empresas com retorno ABAIXO do Ibovespa de 31/12/2008 a 29/04/2009
Retorno acima do Ibovespa 21,37% -19,56%
ROE em 31/12/2008 22,27% -6,21%
Dividend. Yield 4,65% 5,56%
Tamanho (total de ativos) em R$ mil 19.316.916 21.511.375
Participação no Ibovespa 0,78% 0,22%
Preço/VPA 2,28 1,60
Exigível a longo prazo/Total de ativos 63,10% 79,87%
Índice de Liquidez Corrente 1,76 1,57
Beta dos últimos 36 meses 0,97 0,86
Variação EV/EBITDA -59,44% -36,86%

A regressão mostrou que os seguintes fatores se mostraram significativos para explicar o retorno que a ação obteve acima do índice Bovespa, sendo que o sinal positivo (ou negativo) indica que quanto maior for o valor do fator, maior (menor) é o retorno acima do índice Bovespa: retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de 2008 da empresa, com sinal positivo; preço dividido pelo Valor Patrimonial da ação no final de 2008, com sinal positivo; exigível a longo prazo dividido pelo ativo total da empresa no final de 2008, com sinal negativo; e o beta da ação dos últimos 36 meses calculado no final de 2008, com sinal positivo.

Os setores que mais se destacaram foram o de construção com o melhor retorno excedente ao Ibovespa de +19,02%, sinal que os investidores estão acreditando nos incentivos governamentais ao setor; e também o setor de papel e celulose com o pior retorno excedente ao Ibovespa de -21,87% no 1º quadrimestre de 2009, sinal que a crise ainda não terminou, pois este setor é utilizado como antecipador do desempenho da economia real.

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Assim, podemos inferir que os investidores deram preferência as ações mais rentáveis (maior ROE), que tinham menor endividamento de longo prazo, maior potencial de crescimento (maior relação preço/VPA), e maior risco (maior beta).

As ações preferenciais tiveram também um retorno excedente ao Ibovespa negativo e muito inferior ao das ações ordinárias, o que é um sinal que os investidores estão preferindo direito a voto (em momentos de crise a quantidade de fusões e aquisições aumenta) do que dividendos (em situações de crise o lucro e consequentemente os dividendos diminuem). Ações com estas características normalmente são de empresas de médio ou pequeno porte, e mais especulativas, ou seja, se a estes resultados adicionarmos a volta dos investidores estrangeiros, podemos considerar que muito do movimento do mercado brasileiro e alta da Bovespa é fruto de especulação, e não de investidores de longo prazo. Não que isto seja um problema sério para os investidores, mas a atenção deve ser redobrada, pois o que vem rápido, pode ir mais rápido ainda.

Doutor em Administração de Empresas pela FGV-EAESP, Ricardo Ratner Rochman é consultor e professor de Finanças da FGV-EESP e escreve mensalmente na InfoMoney, às segundas-feiras.
ricardo.rochman@infomoney.com.br