Dilma desiste da CPMF – e vai mandar ao Congresso um orçamento com previsão de déficit

O governo espera que os parlamentares façam o corte que ele não conseguiu fazer. O rombo está calculado entre R$ 80 bilhões e R$ 130 bilhões. Sumiu o prometido superávit de 0,7% do PIB. Derrotado nas disputas por mais redução nas despesas, o ministro da Fazenda teme a perda ainda este ano ainda do grau de investimento

José Marcio Mendonça

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Depois de reuniões com os ministros da Junta Orçamentária – Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) – e conversas telefônicas frequentes no sábado e no domingo, e tendo sido forçada a desistir da volta da CPMF por absoluta falta de apoio parlamentar e na sociedade e ainda sem um acordo interno para cortar mais fundo nas despesas, a presidente Dilma Rousseff resolveu mandar hoje para o Congresso o Orçamento de 2016 com previsão de déficit primário. Segundo Cláudia Safatle, no “Valor Econômico, o déficit primário previsto será da ordem de 0,5% do PIB. A prática é inédita.

A decisão foi comunicada ao vice-presidente Michel Temer, que havia se recusado a negociar no Congresso a aprovação da CIS (Contribuição Interfederativa para a Saúde), novo apelido do imposto do cheque. O governo joga a responsabilidade do corte para os deputados e senadores – na esperança, talvez, de que eles tenham juízo – ou, então, que descubram que o “melhor” é mesmo aumentar a arrecadação. O Planalto fala em “efeito pedagógico”.

Os cálculos que circulavam em Brasília desde sexta-feira, de fontes da Fazenda e do Planejamento, indicavam que, sem receitas extras, o Orçamento estava com um buraco entre R$ 80 bilhões e R$ 130 bilhões. Informa “O Globo” que somente a Previdência tem um rombo de R$ 125 bilhões, contra um déficit previsto para este ano de R$ 89 bilhões. Com tudo isso, o fato real é que a dívida pública deve subir em relação ao PIB.

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Com o resultado do PIB do segundo trimestre, queda de 1,9%, pior que as autoridades e os analistas esperavam e com a frustração cada vez maior da receita, a saída imaginada, que, em princípio, encontrou resistências no Ministério da Fazenda, foi apelar para a solução tupiniquim de sempre: aumento de tributos.

Sem amparo político, desinformada, a presidente Dilma surpreendeu-se com as reações dos empresários e dos políticos à solução CPMF. Dilma também não encontrou receptividade entre os governadores consultados. Com as contas em frangalhos, governadores e prefeitos querem mais recursos do governo federal, mas em tempos de aquecimento para a corrida eleitoral não querem arcar com uma medida tão impopular que é o retorno do imposto do cheque. Teve que recuar.

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Improvisação e desarrumação
Agora, é ver como Câmara e Senado vão lidar com a bomba que o Planalto jogou no colo deles. O mundo político não apoiou a nova CPMF, mas também, parodoxalmente, não quer cortes de gastos maiores. A mesma posição de boa parte dos ministros. Parecem esperar um milagre.

A conversa de reforma administrativa, com cortes de 10 ministérios e cerca de mil cargos de confiança, não convenceu muito. Por ser difícil de realizar politicamente e porque não teria grandes efeitos práticos no caixa do Tesouro.

Este episódio de idas e vindas, deve abalar ainda mais a crise de confiança que a presidente já enfrenta, agora começando também a soprar para os lados do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Levy está entrando num “inferno astral”: por alguns é visto como alguém que não tem força mais, concede muito; por outros, como intransigente.

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Brasília está agora dedicada também a descobrir quem foram os pais da desastrada operação “novo imposto do cheque”, abortada em três dias apenas. Inicialmente, sabe-se que não foi o ministro da Fazenda, embora depois ele tenha passado a defender a proposta. Claudia Safatle relata que Dilma também resistiu aos novos cortes que Levy queria fazer.

O mesmo deu-se quando da redução das metas de superávit primário de 2015 e 2016 – Levy inicialmente era contra. Ele preferia que o governo aprofundasse mais nos cortes de gastos. Na ocasião, também só se rendeu depois que sentiu dificuldades – “técnicas” e “políticas” – para passar mais a tesoura nas contas públicas.

O Orçamento é responsabilidade do ministro do Planejamento, Nélson Barbosa, mais suscetível às pressões para preservar despesas. Todavia, no caso, é evidente que a presidente Dilma Rousseff encampou a proposta da CPMF rediviva. Tanto que o ministro da Saúde, Artur Chioro, de vôo solo limitado, foi acionado por ela para fazer a defesa pública da rebatizada CIS.

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A própria Dilma acionou o governador petista do Ceará para marcar uma reunião dela com os executivos estaduais nordestinos para pedir ajuda a eles para aprovar o imposto no Congresso. A presidente e seus conselheiros políticos só despertaram para o “tiro no pé” que estavam dando quando explodiram reações contrárias dos empresários e dos parlamentares.

Porém, ainda há gente defendendo a medida. O ex-presidente Lula, por exemplo, no sábado instou ao ministro Chioro a prosseguir na cruzada para convencer governadores e prefeitos a apoiar a volta da CPMF. E o secretário da Fazenda de São Paulo, Renato Vilela, deu uma entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” de domingo dizendo que os governadores vão apoiar a proposta.

O episódio do vai e vem da CPMF expõe a dramaticidade do isolamento político da presidente e a barafunda em que se encontra o governo – muita improvisação e muita desarrumação. A crise de liderança é grave.

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Outros destaques

dos jornais

Sábado/Domingo

– “Janot arquiva ação eleitoral contra Dilma e alfineta derrotados nas eleições” (Globo)

– “Governo tenta nova reforma da Previdência já para 2016” (Globo)

– “Sergio Moro responde a Dilma e diz que delação é “traição entre criminosos” (Globo)

– “Joaquim Barbosa: TCU é ‘playground de políticos fracassados’” (Globo)

– “Gasto com seguro desemprego sobe 30%” (Estadão)

– “Ciência do país vive pior crise em 20 anos” (Estadão)

Segunda-Feira

– “Em dez anos, mais 144 mil servidores federais” (Globo)

– “País tem mais de 6 milhões de imóveis desocupados” (Globo)

– “Protesto na Paulista termina em tumulto. Ministro da Justiça é hostilizado” (Globo/Estadão/Folha) 

– “Lista de ativos à venda não para de crescer” (Estadão)

– “Dólar estimula onda de fechamento de capital” (Valor)

– “Gasto com juros [do governo] já consome quase 8% do PIB” (Valor)

– “Receita terá acesso a informações bancárias de brasileiros nos Estados Unidos” (Valor)

LEITURAS SUGERIDAS

Sábado/Domingo

  1. Vinicius Torres Freire – “Pode não ser tão ruim” (diz que Armando Castelar, crítico de Dilma I, imagina um cenário brando de “recuperação branda” em 2016) – Folha
  2. José Romeu Ferraz Neto e Eduardo Ribeiro Capobianco – “Socorro do governo vai para robô e não pião de obra” (dizem que não adianta o governo federal socorrer as montadoras e o setor de construção civil ficar no acostamento) – Folha

Segunda-feira

  1. Editorial – “Uma reforma à Dilma” (diz que reduzir o número de ministérios não é exatamente o ideal dos pragmáticos lulopetistas) – Estadão
  2. Adriana Fernandes – “Divergências quanto ao ritmo do corte de gastos ficam explícitas” (diz que Levy defende corte brusco e imediato e que Barbosa é pelo gradualismo) – Estadão
  3. Editorial – “Em busca de provas” (diz que STF valida depoimento de doleiro e reafirma importância da delação premiada como instrumento de investigação) – Folha