Colunista InfoMoney: O aumento da incerteza

Por que a redução drástica (para não dizer dramática) das taxas de juros não surtiram efeito no mercado financeiro e na economia como um todo?

Ricardo Ratner Rochman

Durante o ano de 2008 e início de 2009 os bancos centrais de todo mundo foram reduzindo as suas taxas de juros básicas. Atualmente a taxa básica dos Estados Unidos está entre 0% e 0,25% ao ano, e da Europa 1,25% ao ano.

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Esta foi uma manobra clássica empregada para salvar as instituições financeiras, aumentar a quantidade de dinheiro disponível para concessão de crédito para indústria e comércio, e assim reativar a economia global. No entanto, estas reduções de juros pouco ou nenhum efeito tiveram.

Até os preços das ações, que deveriam crescer com a queda dos juros, como um efeito preconizado pelo modelo de avaliação de empresas baseado no fluxo de caixa descontado (DCF – Discounted Cash Flow), despencaram pelas bolsas do mundo. Isto é muito importante para o momento atual, pois estamos nos aproximando da taxa Selic de um dígito, que provavelmente não será a solução da crise, mas pode ajudar.

“O melhor remédio é a flexibilidade das operações e gestão”

Por que a redução drástica (para não dizer dramática) das taxas de juros não surtiram efeito no mercado financeiro e na economia como um todo? Uma das respostas a esta pergunta é a INCERTEZA. Instrumentos tradicionais de gestão de política monetária e de empresas não funcionam quando a incerteza que cerca o ambiente é muito grande.

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É devido à incerteza quanto à manutenção de seus empregos que faz com que as pessoas parem de consumir, principalmente bens e serviços que costumeiramente requerem linhas de financiamento, como, por exemplo, automóveis e moradia. Também é por causa da incerteza quanto aos seus resultados futuros que as empresas postergam seus projetos de investimentos, que geram empregos no momento, e que criariam mais empregos no futuro.

O gráfico da volatilidade, que é uma maneira de se mensurar a incerteza, medida pela variabilidade da rentabilidade dos ativos financeiros dos três meses anteriores, mostra claramente que a partir do segundo semestre de 2007 a incerteza do mercado acionário brasileiro (usando-se tanto o IBrX ou o Ibovespa como referência) começou a decolar, atingindo o seu pico em novembro de 2008, como efeito da quebra do banco Lehman Brothers e a crise cambial que grandes empresas nacionais tiveram devido à crescente volatilidade do câmbio na mesma época.

No período de 02/01/2002 a 29/06/2007 a volatilidade média anualizada do Ibovespa foi de 26,4%. Já no período de 02/07/2007 a 30/03/2009 a volatilidade média anualizada passou a 50,2%, ou seja, ela praticamente dobrou. Este mesmo efeito foi sentido pelo Dólar em relação ao Real, pois a volatilidade passou de 14,4% para 23,2% nos mesmos períodos analisados para o Ibovespa. Outra medida interessante é a correlação, que mede como a rentabilidade de dois diferentes ativos financeiros se comporta.

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Se a correlação for igual a 1,00 os dois ativos analisados possuem o mesmo comportamento, ou seja, se um sobe, o outro também, se um cai, o outro também cairá. Se a correlação for igual a -1,00 os dois ativos analisados possuem comportamentos distintos, ou seja, se um sobe, o outro cai, se um cai, o outro subirá.

No período de 02/01/2002 a 29/06/2007 a correlação do Ibovespa com o Dólar era de 0,69, enquanto que no período de 02/07/2007 a 30/03/2009 a correlação entre os dois ativos passou para 0,98, bastante próximo de 1,00, e indicando que o comportamento dos dois era praticamente o mesmo. Este efeito foi bastante documentado na literatura sobre investimentos, e ocorre em períodos de crise, o que quer dizer que em uma crise todos (ou quase todos) investimentos vão se comportar da mesma forma.

Do ponto de vista de investimentos, quem ganha e quem perde com ambientes de alta incerteza? As empresas que investiram em tecnologias e estruturas flexíveis, que permitem rápidos ajustes nos seus custos e receitas, e que monitoram de perto as mudanças de mercado, e com os dados recebidos adaptam as suas estratégias, são as empresas que mais vão ganhar nos momentos de grande incerteza, como o que vivenciamos nesta crise econômica que teve seu início com as hipotecas subprimes.

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A Vale é um exemplo de empresa deste tipo, mesmo considerando que boa parte dos seus investimentos são em minas, grandiosas máquinas e equipamentos. Os frigoríficos por outro lado mostraram-se bastante inflexíveis, e por isso enfrentam grandes dificuldades.

Para lidar com a incerteza o melhor remédio é a flexibilidade das operações e gestão, seja empresarial ou pública, e o uso de medidas que aumentem a certeza quanto ao futuro, como a troca da redução de impostos pela manutenção de empregos, e incentivo a investimentos futuros.

Doutor em Administração de Empresas pela FGV-EAESP, Ricardo Ratner Rochman é consultor e professor de Finanças da FGV-EAESP e escreve mensalmente na InfoMoney, às segundas-feiras.
ricardo.rochman@infomoney.com.br