Para analistas, Copom deve destacar risco do cenário fiscal em seu comunicado

Com expectativa unânime de manutenção da Selic em 13,75%, comitê deve alertar para impacto da expansão de gastos na inflação

Roberto de Lira

(GettyImages)

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O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúne nesta terça (6) e quarta-feira (7) para traçar cenários e definir estratégias, mas a decisão sobre a taxa de juros em si é a notícia que deve chamar menos a atenção do mercado financeiro. Os analistas e economistas são unânimes em afirmar que taxa Selic será mantida em 13,75%. O que vai interessar mesmo é tom que o colegiado dará às incertezas fiscais em seu balanço de riscos.

Vai ser a partir daí que os modelos dos investidores vão buscar pistas sobre o ponto de início da flexibilização da política em 2023.

Para Leonardo Costa, economista da ASA Investments, o destaque desta reunião do Copom será mesmo a avaliação do balanço de riscos. Para o especialistas, o avanço do novo governo eleito com a chamada PEC da Transição e os sucessivos questionamentos do arcabouço fiscal vigente dão um sinal de deterioração do quadro fiscal no médio prazo e isso já aparece na precificação da curva de juros do mercado.

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“Perante um cenário ainda bastante volátil, esperamos que o Copom indique a piora dos riscos nessa reunião, possivelmente indicando assimetria: com risco altista para inflação”, prevê Costa.

Tatiana Nogueira, economista da XP Investimentos, concorda que houve uma elevação do risco de desancoragem das expectativas de inflação desde a última reunião de outubro, o que pode dificultar a trajetória de convergência para a meta. Para ela, a volatilidade dos ativos financeiros desde esse encontro é uma prova disso.

Sobre a inflação, Tatiana diz que há uma dinâmica com sinais mistos. “No curto prazo, teve surpresa baixista nos indicadores, principalmente nos IGPs, o que tende a contribuir para um repasse mais baixo de custos.  Agora, incertezas fiscais elevam os riscos altistas no médio prazo para a inflação e o BC deve monitorar isso mais atentamente”, alerta.

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Nas simulações da XP, replicando o modelo do BC, a inflação de 2022 foi revista ligeiramente para cima, de 5,8% para 5,9%, enquanto a de 2023 subiu de 4,8% para 5%. Para 2024, foi mantida em 2,9%.

“Tem uma expectativa de que o BC vai ver as projeções ainda numa trajetória de convergência com a Selic atual. Mas vai começar a levantar a questão das incertezas fiscais. Colocar, talvez no comunicado, que os questionamentos em relação ao arcabouço fiscal aumentaram e que isso eleva o risco de desancoragem das expectativas de inflação”, afirma.

Aperto mais longo

Para o JP Morgan, essa incerteza fiscal traz chances crescentes de que as taxas permaneçam altas por mais tempo no próximo ano, “dados os riscos assimétricos de uma política fiscal mais frouxa do que o esperado e uma perspectiva global mais desafiadora se uma nova rodada de aperto monetário global for necessária em algum momento do próximo ano”, diz em relatório.

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O banco de investimentos reconhece que houve melhora da inflação no Brasil e também de sinais de desaceleração do crescimento econômico desde a última reunião do Copom, mas alerta por outro lado que as dúvidas sobre a política fiscal aumentaram substancialmente.

“Essa discussão fiscal deve dominar o debate em torno das próximas decisões de política monetária. Se uma expansão fiscal levar a um aumento significativo nas projeções de inflação do Banco Central, por meio de um impulso na demanda agregada, depreciação cambial, um novo aumento das expectativas de inflação ou uma combinação destes, o BC pode descobrir que aumentos adicionais nas taxas, ou que as taxas permaneçam altas por um período ainda mais longo, são apropriados”, diz o relatório do JP Morgan.

Para Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, os próximos meses serão importantes para que se possa entender a dinâmica da inflação e do impacto do juro. “Caso as perspectivas se mantenham, a nossa expectativa é de que a autoridade monetária realize os primeiros cortes na Selic no segundo trimestre do ano que vem”, afirma.

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Sung diz que uma parte do mercado já começa a enxergar até um possível aumento dos juros no ano que vem, exatamente devido à incerteza do quadro fiscal, mas o economista da Suno vê essa probabilidade como baixa.

“O grande problema, que pode alterar o cenário para a taxa Selic, é o desenrolar da PEC da Transição e a discussão sobre um novo arcabouço fiscal. O impacto da política fiscal expansionista afeta a política monetária em duas dimensões. No curto prazo, afeta os ânimos do mercado, impacta positivamente a atividade econômica e eleva as expectativas de inflação. No longo prazo, reduz a credibilidade do arcabouço fiscal do país”, explica Sung.

Ele afirma que a autoridade monetária tem sinalizado isso em suas atas e as declarações tanto do presidente Roberto campos Neto como de seus diretores, têm alertado sobre o problema. “Um olho no equilíbrio fiscal é necessário para a autoridade monetária não tomar uma atitude mais tempestiva”, diz.

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Déficit primário

Victor Inoue, head de produtos da WIT Invest, também acredita que o risco fiscal não está sob controle e alerta que PEC apresentada pelo governo eleito pode levar a um déficit de até 2,6% do PIB em 2023, permaneceria em terreno deficitário pelo menos até 2026. “Caso a PEC não seja desidratada, podemos entrar em um cenário de dívida insustentável levando a uma situação de dominância fiscal”, alerta.

Por conta desse quadro, Inoue não acredita que o BC reduza a Selic nas próximas reuniões. “No cenário pré-eleição esperávamos o início de cortes no segundo semestre de 2023, mas devido aos ruídos recentes sobre política fiscal o cenário se tornou muito incerto. Também não esperamos nova deflação, o efeito dos cortes de impostos já foi completamente absorvido”, destaca.

Para o Itaú, comitê deve reforçar a sinalização, já presente nos últimos comunicados, de manutenção da postura vigilante da política monetária, a fim de perseverar no processo de desinflação até que a convergência às metas seja alcançada, e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado ou que as expectativas de inflação se desancorem.

“O comitê deve sinalizar que ainda vê um balanço de riscos simétrico para a inflação, mas com um alerta adicional para a evolução do quadro fiscal nos próximos anos. O comitê deve registrar, também, a aceleração da dinâmica salarial, que poderia apresentar riscos para a trajetória de desinflação”, diz o banco.

“Apesar do desempenho mais benigno das contas públicas na margem, a incerteza em relação ao arcabouço fiscal que estará vigente nos próximos anos pode impactar as expectativas de inflação no horizonte relevante para a política monetária”, afirma o relatório do Itaú.

Risco de repique na inflação

Ana Paula Carvalho, planejadora financeira CFP e sócia da AVG Capital, também vê como o ponto de maior incerteza no momento o tempo que a taxa Selic se manterá no nível atual, exatamente pelo risco de inflação, dado o cenário doméstico fiscal.

“Provavelmente o Copom fará um comunicado demonstrando uma postura vigilante e alerta ao movimento do mercado, que tem se mostrado muito avesso à política fiscal expansionista proposta pelo próximo governo. Com gastos maiores, haverá dificuldades em termos cortes de juros, com o risco de uma Selic inalterada no próximo ano e até mesmo um eventual ciclo de alta caso haja uma deterioração fiscal mais forte”, afirma.

Para Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil, após anunciar a manutenção da taxa em 13,75%, o comunicado do Copom provavelmente irá reiterar tudo o que o comitê já vem justificando nas últimas reuniões, com a adição de um cenário fiscal cada vez mais comprometido.

Ele prevê que o tom do comunicado e da ata devem vir bem duros, ressaltando além das variáveis exógenas do mercado internacional, o fiscal fragilizado, o risco Brasil em alta, preocupação do aumento de impostos, desemprego e repasse disso tudo pelas empresas via preços, o que deve começar a pressionar a inflação em 2023 novamente.