O que impede o dólar de cair no Brasil – e como gestores estão posicionados hoje

Com a moeda pressionada por juros baixos e um ambiente de incerteza global, movimento de valorização não dá sinais de trégua

Mariana Zonta d'Ávila

"Shutterstock"

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SÃO PAULO – Após valorização de quase 10% em agosto, o dólar voltou a desafiar as previsões, ao subir novamente em setembro (ainda que apenas 0,63%), encerrando o mês a R$ 4,155. Essa foi a primeira vez na história em que a moeda fechou acima de R$ 4 em todas as sessões do mês, oscilando entre a mínima de R$ 4,06 e a máxima de R$ 4,19. E tudo indica que, tão cedo, a moeda não terá espaço para se desvalorizar.

Ao menos essa é a indicação de gestores de fundos de investimento e de alguns dos economistas que mais acertam as previsões econômicas e fazem parte do “Top 5” do relatório Focus, do Banco Central.

“O real é um dos piores ativos do Brasil para se operar com uma visão otimista. Se olharmos para a moeda desde as eleições [em outubro de 2018, o dólar alcançou R$ 4,02], ela está em uma situação pior hoje. Ativos como juros e Bolsa andaram bem mais”, destaca Alysson Lima, sócio responsável pela área de câmbio da gestora Blue Line.

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No ano até setembro, o dólar acumulava alta de 7,5%, ante avanço de 19,2% do Ibovespa e variação de 4,7% do CDI.

Neste cenário, enquanto alguns gestores de fundos multimercados seguem com o pé no freio, optando por uma posição zerada (sem compra ou venda) na moeda americana, outros avaliam que o momento é de aumentar proteções, comprando dólar. Nenhum dos consultados aposta na queda do dólar, com uma preferência que tem recaído sobre posições em juros e Bolsa, em meio a uma visão ainda positiva sobre a economia local.

Juros em queda = pressão cambial

Na Mauá Capital, o portfólio contava até a primeira metade de setembro com pequenas posições compradas em dólar, por meio de opções. Com o movimento mais forte do que o esperado de substituição do endividamento das empresas, os gestores da casa optaram por zerar a estratégia e hoje estão com uma posição neutra na moeda americana.

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Juros mais baixos no Brasil têm favorecido uma mudança no perfil da dívida. “Com a expansão e o desenvolvimento do mercado de crédito local, ficou mais barato para as empresas captarem dívidas no mercado brasileiro, então elas estão pagando as dívidas lá fora e emitindo aqui dentro, em reais”, destaca Damont Carvalho, diretor da área macroeconômica da Claritas Investimentos, reforçando que o movimento contribui para uma pressão compradora de dólar.

A Claritas tem apostado em uma seleção de moedas como proteção das posições mais otimistas montadas na curva de juros intermediária e na Bolsa brasileiras. A casa está vendida em divisas emergentes e comprada em dólar.

O Opportunity, por sua vez, diz vir trabalhando de maneira tática na moeda e atualmente possui posição comprada. “Houve uma piora nas últimas semanas e achamos que ainda tem espaço para subir um pouco mais”, afirma Marcos Mollica, gestor do Opportunity.

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Rodrigo Azevedo, da Ibiuna, também disse, em entrevista recente ao InfoMoney, que não vê boas oportunidades de investimento em dólar no momento. Segundo ele, para que a moeda volte para a casa dos R$ 3,80, ou o dólar teria que perder força no mercado internacional ou os juros teriam que subir no Brasil.

“O real está pouco atrativo para o carry trade, possui uma volatilidade mais alta em relação a pares emergentes e tem menos yield. Em termos de atratividade, é preferível estar alocado em [moedas de] outros países do que no Brasil”, diz Ricardo Kazan, responsável pelo mercado de moedas, juros globais e commodities da Novus Capital.

De toda forma, dentre os fatores que podem aliviar a pressão sobre a moeda brasileira, Luis Garcia, CIO da área de macro da Mauá, menciona o leilão da cessão onerosa, que vai ofertar barris de petróleo excedentes da área do pré-sal e poderá atrair um grande fluxo de capital estrangeiro. Segundo ele, o mercado já deve precificar o movimento na segunda metade de outubro.

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A cessão onerosa também é aguardada pela Blue Line, que diz enxergar o dólar muito apreciado. Para fazer hedge, a gestora tem preferido a venda de euro contra dólar e uma posição “comprada”, isto é, com aposta na valorização do iene contra dólar, como proteção em meio à guerra comercial.

A incerteza aumentou

Um dos principais motivos de preocupação do mercado, que tem contribuído para o ambiente de incerteza e de maior cautela, reside na desaceleração das economias mundiais. Com mercados mais fracos ao redor do mundo, a dúvida recai sobre até que ponto será possível evitar uma recessão.

Em maio, a gestora americana Pimco, que tem US$ 1,8 trilhão em ativos sob gestão, afirmou que as chances de uma recessão global superavam os 50%, analisando um horizonte de três a cinco anos.

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Dados divulgados na quinta-feira (2) mostram que a atividade industrial dos EUA teve, em setembro, o pior desempenho desde 2009. A notícia impactou negativamente as bolsas mundiais, aumentando o receio com relação a uma nova crise. Por ora, pelo menos, nenhum dos gestores consultados trabalha com um cenário de recessão.

“O setor de serviços nos EUA representa 80% da economia e está bem robusto, e o mercado de trabalho, aquecido. É claro que a indústria tem sofrido com as questões comerciais, mas a expectativa é de que a escalada protecionista não avance mais. Alguma trégua deve surgir para evitar novas medidas restritivas e escaparmos de um quadro negativo de recessão”, afirma o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria.

Na Alemanha, que está sob o holofote dos investidores na zona do euro por conta dos dados econômicos enfraquecidos, o governo cortou em agosto sua previsão para o crescimento pela segunda vez em três meses. No segundo trimestre, o PIB alemão contraiu 0,1%, ante expansão de 0,4% nos primeiros três meses do ano.

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O ritmo também está mais lento na China, um dos principais motores da economia global. Carvalho, da Claritas, destaca que o “novo normal” de crescimento para o país, que antes estava na casa dos 7% e 8% ao ano, está hoje entre 6% e 6,5% ao ano.

E com um menor crescimento de grandes países, há uma piora do ambiente para a tomada de risco por parte dos investidores, que preferem alocar os recursos em economias mais seguras, como a dos EUA, adicionando ainda mais pressão sobre as moedas de emergentes.

“Os Estados Unidos, que continuam sendo um porto seguro para investimentos, estão pagando mais aos investidores. Num mundo em que muitos papéis operam com taxa de juros nominais negativas, o título público americano (Treasury) de dez anos paga 1,7% ao ano – positivo”, afirmou Azevedo, da Ibiuna.

Mollica, do Opportunity, afirma que a grande dificuldade hoje para o Brasil se deve à posição de contrafluxo. “Os mercados lá fora estão em um ciclo bem diferente de Brasil. Enquanto aqui estamos no começo de uma recuperação, o mundo está no fim de uma expansão”, destaca.

Se não bastasse a guerra comercial entre os EUA e a China, que ocupa o noticiário quase que diariamente, o recente processo de impeachment contra o presidente dos EUA, Donald Trump, tem trazido maior insegurança. Na opinião de Garcia, da Mauá, o caso não deve ser um problema no médio e longo prazo e “deve sumir logo das manchetes”, mas está fazendo preço no curto prazo.

Brasil x Mundo

No ambiente doméstico, a continuidade do corte da taxa básica de juros também dá mais razões para o fortalecimento do dólar. O relatório Focus aponta a Selic em 4,75% ao ano até dezembro e há quem veja cortes ainda mais agressivos da taxa. No Opportunity, a expectativa é de mais duas reduções nos juros até o fim do ano, para 4,5% ao ano.

Além de destacar a troca do endividamento das empresas brasileiras, Carvalho, da Claritas, avalia que as revisões constantes para o crescimento brasileiro desde o começo do ano e juros mais baixos fazem com que o Brasil fique ainda menos atrativo aos olhos dos estrangeiros, aponta o executivo. “O real virou uma moeda que é ligada ao crescimento, mas que não está mostrando crescimento, então não está atrativa”, diz.

Na América Latina, o Brasil se destacou por muito tempo entre os estrangeiros, com suas elevadas taxas de juros. “No mercado de emergentes e latino-americanos, existem poucas moedas com liquidez e profundidade para grandes posições ou para acomodar grandes fluxos. E dentre esses poucos mercados, o Brasil sempre foi um player muito relevante, com uma posição contrária à do peso mexicano, por termos taxas de juros maiores”, destaca Garcia.

Hoje, com a taxa básica de juros de 5,5% ao ano, entretanto, o país perde espaço quando comparado ao México, que oferece juros anuais de 8%.

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