Novatas aproveitam “boom” de debêntures para emitir pela 1ª vez – e fisgam investidores diante de Selic alta

Estreantes no mercado de debêntures captaram quase R$ 50 bi de janeiro a outubro; cresce presença de empresas de telecomunicações, petróleo e gás

Bruna Furlani

(Shutterstock)

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O aumento da demanda por produtos de renda fixa, o fechamento da janela de aberturas de capital (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa brasileira ao longo de 2022, além da piora do cenário externo para captação, ajudaram a impulsionar a entrada de novas empresas interessadas em se capitalizar via dívida no Brasil neste ano.

As estreantes nas emissões de debêntures captaram R$ 49,7 bilhões entre janeiro e outubro, em 127 operações de empresas não financeiras, o que representa cerca de 26% do total emitido no mercado primário desses títulos. Os dados foram compilados pelo Bradesco BBI. Todas as captações envolvem emissões do tipo CVM 476, voltadas para um grupo restrito de investidores.

Para chegar aos números, a casa considerou emissões que não possuem série emitida ou registrada como excluída pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) desde 1990. Também não entraram na conta emissões de securitizadoras e de empresas do setor financeiro. Foi considerada a emissão de empresas que captaram via subsidiárias com estoque de debêntures agora ou no passado.

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Chama atenção o aumento da presença de alguns setores que eram menos relevantes nas emissões de títulos, como o de Tecnologia da Informação (TI) e de telecomunicações – que responderam por 15% das captações de estreantes entre janeiro e outubro deste ano.

Em termos percentuais, tal segmento ficou atrás apenas do setor de energia elétrica, tradicionalmente conhecido pelo alto volume de emissões de debêntures, com 27% das captações feitas durante o período, e de outros setores agregados (19%).

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Antônio Pedro Leão Teixeira, sócio da área de crédito da JGP Asset, explica que o setor de telecomunicações passa por um período de forte consolidação, com muitas empresas em busca de financiamento. “O mercado fechou para IPO e elas optaram por emitir dívida”, destaca.

Ao mesmo tempo em que há mais oportunidades disponíveis dentro do setor, Teixeira alerta para os riscos de alocar em um segmento com planos de expansão mais agressivos e que costuma oferecer spreads (juros acima dos oferecidos nos títulos públicos) mais altos do que os dos setores de saneamento e energia.

Artur Nehmi, sócio e gestor de renda fixa da Sparta, vai na mesma linha. “É um setor que embute mais risco. Tem uma regulação que não dá exclusividade de monopólio. Além do que existe uma competição maior entre as empresas, o que leva a margens mais baixas. Na prática, tem que olhar caso a caso”, pondera.

Na carteira dos fundos da casa, a gestora possui hoje papéis de empresas como Brisanet, Desktop e Algar Telecom, por exemplo. O olhar mais detalhista também está ligado ao fato de que o segmento possui maior risco de inadimplência, o que tende a se intensificar em um cenário com juros acima de dois dígitos por mais tempo, afirma Nehmi.

A Journey Capital, por outro lado, não possui alocação em debêntures do setor. “Os prêmios pagos não eram suficientes versus o prêmio que outras empresas fora do setor ofereciam”, diz. Ele também afirma que é comum que a estrutura de capital de companhias do setor tenha menos capital próprio e mais dívida, o que pode pesar sobre a relação entre risco e retorno do papel.

Junior oils também emitem debêntures

O estudo do Bradesco BBI também ressalta o volume captado por empresas do segmento de petróleo e gás, que respondeu por 9% de todo o volume emitido por estreantes ao longo deste ano.

O destaque está nas emissões feitas por Prio, antiga PetroRio (PRIO3), 3R Petroleum (RRRP3) e Açu Petróleo, no valor de R$ 4,2 bilhões. Teixeira, da JGP, afirma que tais empresas costumavam acessar o mercado externo para emitir dívida, mas se viram sem alternativa com a piora do cenário internacional neste ano.

“O mercado offshore [externo] para dívida estava fechado. O mercado local tem crescido e esteve aberto ao longo deste ano. As empresas que precisaram se refinanciar e investir optaram por captar aqui”, observa o sócio da JGP.

Nikolau Müller, sócio e responsável pelas análises offshore na JGP Asset, lembra que este ano foi marcado pelo risco macroeconômico de subida de juros no exterior, o que tornou a captação de dívida mais cara lá fora. Tal movimento também impulsionou mudanças nas carteiras, com a saída do risco e a busca por produtos de maior segurança em um movimento conhecido como fly to quality (busca por qualidade, na tradução livre).

“Investidores saem dos ativos mais arriscados como bonds [títulos de dívida] de países emergentes e vão para os de países mais seguros”, completa Müller.

Embora os papéis do setor de óleo e gás nacional ofereçam spreads menores do que os concorrentes estrangeiros, o profissional argumenta que as taxas pareciam interessantes em algumas empresas na comparação com outras companhias nacionais. Por essa razão, a JGP entrou na emissão da Prio, com uma alocação não muito grande.

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A casa não foi a única. A Journey Capital também aproveitou a emissão para adquirir debêntures da empresa. Lara explica que a petroleira é uma companhia que passou por um processo de reestruturação em 2014, ganhou novos sócios e vem gerando um bom fluxo de caixa.

O executivo, no entanto, não esconde os riscos em torno do setor, já que todas as empresas de petróleo possuem o seu negócio diretamente ligado ao preço do petróleo. Quanto mais alta a cotação da commodity, mais alta é a margem da companhia – mas o contrário também é verdadeiro.

“Temos um cenário em que é esperada uma desaceleração global. A China não deve crescer mais como antigamente. O mercado também precifica uma recessão nos Estados Unidos e na Europa”, observa. “Isso requer um acompanhamento constante por parte do investidor de como está oscilando o preço do petróleo”.

Nehmi, da Sparta, também chama atenção para o risco de mercado envolvendo petroleiras. A casa participou da oferta da Prio e da 3R. Para ele, o grande detalhe é que é possível estimar a produção das empresas, mas é impossível saber qual será o preço.

Embora haja riscos no investimento, o diferencial de alocar em papéis do setor pode estar na diversificação e na possibilidade de montar posição em títulos menos afetados pela conjuntura doméstica, como a alta da inadimplência e o juro elevado.

Trata-se de um setor dolarizado, o que tende a ser visto como um aspecto positivo, já que a perspectiva é de a moeda americana se manter elevada nos próximos meses, com o aperto monetário realizado pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano).

Oportunidade nas debêntures atreladas à inflação

Além de destacar a presença de estreantes no mercado primário de emissão de debêntures, gestores apontaram para uma mudança no mercado de dívidas nos últimos meses. Antônio, da JGP, observa que os spreads oferecidos por títulos atrelados ao CDI (taxa de referência da renda fixa) se mantiveram estáveis ao longo deste ano.

Em janeiro de 2022, por exemplo, essas debêntures ofereciam, em média, o CDI acrescido de uma taxa de 1,8% ao ano. É o mesmo percentual encontrado no mês passado, o que demostra estabilidade nos spreads dos títulos indexados ao CDI. Os números foram colhidos a partir do índice criado pela casa, que acompanha uma cesta de debêntures mais líquidas (Idex-CDI).

Ao mesmo tempo, o spread oferecido pelas debêntures atreladas à inflação passou de uma média de 39 pontos-base (0,39 ponto percentual) sobre a NTN-B de referência (título público de inflação de mesmo prazo) em janeiro para 100 pontos-base (1,00 ponto percentual) em outubro. Os dados são do Idex-Infra, que acompanha uma cesta de debêntures de infraestrutura indexadas ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

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A explicação para esse fenômeno, segundo Nehmi, da Sparta, está na relação entre a oferta e a demanda. O gestor pondera que houve uma oferta muito grande de debêntures atreladas à inflação no mercado primário, mas o trimestre de deflação – com o IPCA negativo entre julho e setembro – machucou o retorno. Com isso, houve pressão de venda.

Lara, da Journey, também acredita que a distorção é fruto de um movimento técnico que diminuiu a demanda de investidores por ativos indexados ao IPCA, especialmente pessoas físicas que optaram por vender os papéis devido aos retornos negativos que eles passaram a apresentar temporariamente.

No caso de ativos atrelados ao CDI, a situação foi diferente. O executivo da Journey explica que a demanda por papéis indexados a essa taxa se manteve forte ao longo dos últimos meses, com a Selic saindo de 2% no ano passado para os atuais 13,75% ao ano. O CDI está em 13,65% ao ano, já que acompanha de perto o retorno da taxa básica de juros.

Para ele, o momento parece bom para adquirir debêntures atreladas à inflação. Lara reforça que o País está diante de um governo com caráter expansionista, do ponto de vista fiscal, o que tende a pressionar a inflação e fazer com que ela se mantenha mais alta por mais tempo.

“Para o investidor, continua a ser a melhor maneira de se proteger de governos ‘gastões’. Pode até sofrer na marcação a mercado, mas o papel está carregando uma inflação que deve ser maior por causa do aumento de gastos”, observa.

De olho na marcação a mercado

Nehmi, da Sparta, também defende que o momento é bom para comprar títulos, mas alerta que é preciso se preparar porque o mercado deve passar por forte volatilidade em 2023. A explicação está na chamada marcação a mercado, que vai passar a valer para debêntures, incentivadas ou não, a partir de janeiro.

Atualmente, as debêntures são marcadas na curva. Ou seja, os papéis têm seu valor atualizado todo dia pela mesma taxa contratada pelo investidor no momento da aquisição do papel.

Agora, com a marcação a mercado, o movimento será diferente: a atualização do valor do papel será realizada a partir da taxa que estiver sendo negociada no mercado para aquele investimento no dia. O objetivo é que o investidor entenda melhor quanto vale hoje o título que ele comprou no passado.

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A preocupação do gestor é que a marcação a mercado mantenha o fluxo vendedor de pessoas físicas elevado no começo do ano que vem. A razão é que as taxas oferecidas pelos títulos públicos atrelados à inflação (NTN-Bs) estão em níveis muito elevados, acima de 6,10% ao ano. Nesse caso, a tendência é que os preços dos papéis recue, o que deve fazer com os títulos se desvalorizem.

Nesse sentido, Nehmi afirma que, ao longo do começo do ano que vem, o investidor precisa ter consciência de que – provisoriamente – a aplicação em um título atrelado à inflação pode oferecer uma remuneração abaixo do retorno do CDI, por causa da marcação a mercado.

Isso porque a taxa atual do CDI está em 13,75% e há um processo de desinflação em curso, que deve deixar a inflação em patamar elevado, mas em menor grau do que o visto ao longo deste ano.

Embora projete solavancos no mercado ao longo do ano que vem, o gestor acredita que títulos com retornos que oferecem o IPCA acrescido de taxas de 7% a 8% ao ano representam boas oportunidades, especialmente os isentos, caso das debêntures incentivadas para pessoas físicas.

Para ele, o movimento vendedor que deve ser visto no começo de 2023 pode ser favorável para manter os spreads mais altos nos ativos atrelados à inflação. “Não tem muito espaço para fechar [cair] o spread. Vai ter fluxo vendedor por mais um tempo”, diz. “Não tem porque o comprador melhorar preço, a não ser que o fluxo de vendas cesse”, completa.

A JGP também avalia que é possível que os próximos meses sejam marcados por uma onda vendedora de pessoas físicas e por um movimento comprador por parte de fundos. “Não é tão claro que possa abrir [subir], mas pode ser uma oportunidade para os fundos. Pode ser que a gente compre”, defende. “Já teve um movimento forte de abertura, mas pode ser abra mais”.

Leandro Minoru, sócio e head de estruturações de ativos na Empírica, também alerta para a volatilidade que a marcação a mercado pode criar em termos de captação dentro dos fundos.

Atualmente, fundos de crédito já têm a obrigação de fazer a marcação a mercado. Ou seja, o investidor consegue visualizar se as suas cotas ganharam ou perderam valor. Na visão de Minoru, a marcação a mercado em ativos que antes eram marcados na curva pode impulsionar fluxos de resgate ou de aportes para fundos de crédito, à medida em que investidores optarem por se desfazer de outros títulos de renda fixa que podem estar com retorno negativo.