Por que 330 mil brasileiros pagam taxas 11.000% maiores para investir em ações?

A maior pegadinha do mercado para quem quer ter exposição em Bolsa são os fundos de uma ação só  

Diego Lazzaris Borges

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SÃO PAULO – Você provavelmente já pediu uma pizza para entrega em sua casa e pagou R$ 30, R$ 40 ou R$ 50 pela comida, certo? Agora imagine que ao invés de cobrar esse valor, o motoboy chegasse com uma conta de R$ 4.000. Você imediatamente acharia que trata-se de uma piada de mau gosto ou de um erro grotesco do disk-pizza, correto? Mas saiba que, no setor financeiro, tem muita gente pagando R$ 4.000 por ano para consumir um item tão trivial que não deveria custar mais que R$ 40 ou R$ 50.

Duvida? Então veja o absurdo desses exemplos. Os fundos Santander FIC FI Petrobras 2 e o Santander Vale FI 2 são geridos e distribuídos pela Santander Asset Management e têm milhares de cotistas. O trabalho diário da gestora do fundo é extremamente simples: fazer a conta do saldo líquido de aplicações e resgates no fundo e usar esse valor para comprar (em caso de saldo positivo) ou vender (em caso de saldo negativo) ações da Petrobras ou da Vale na Bolsa.

Agora por que esses fundos são a maior pegadinha do mercado de ações? Porque o gestor cobra como taxa de administração uma parte do valor que você aplica no fundo. Esse valor está expresso em um percentual que muitas vezes pode parecer bem pequeno – como 1%, 2%, 3% ou 4% ao ano – mas que na verdade vai comer boa parte do lucro do investidor.

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Imagine que você tem R$ 100.000 em um desses dois fundos do Santander, que cobram taxa de administração de 4% ao ano. Apenas para um exercício de cálculo vamos considerar que o fundo teve rentabilidade zero por um período de 12 meses. Ao final desse período, você terá pago ao Santander R$ 4.000 em taxa de administração – ainda que não tenha percebido porque a taxa é cobrada diariamente em valores muito pequenos e o investidor não é informado com clareza sobre essa cobrança.

E o pior: você pagou R$ 4.000 em troca de um trabalho que pode ser realizado por qualquer estagiário, algo tão trivial quanto assar massa coberta com molho de tomate, queijo e mais dois ou três ingredientes.

Mas qual é o preço justo a ser cobrado por esse serviço? A resposta está no mercado. A opção mais barata é o investidor abrir conta na Clear Corretora, transferir esses R$ 100.000 para lá e comprar tudo diretamente em ações da Petrobras ou Vale usando o home broker da instituição.

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É um trabalho que vai durar cerca de um minuto. Você vai gastar 30 segundos para transferir seu dinheiro do banco para a corretora. E depois vai gastar mais uns 30 segundos para abrir o home broker e colocar uma ordem de compra de cerca de 4.500 ações da Petrobras ou de 2.300 ações da Vale pelo valor de mercado.

E quanto você vai ter que pagar? Nesse caso você não vai gastar R$ 4.000. Nem R$ 1.000. Nem R$ 500. Nem R$ 100. Nem mesmo R$ 50. Você vai gastar exatamente R$ 33,38 sendo R$ R$ 32,50 em emolumentos e taxa de liquidação cobrados pela Bolsa, mais R$ 0,80 em corretagem a serem pagos à Clear e R$ 0,08 em tributos como ISS, PIS e Cofins. Se ficar com a ação durante anos e anos, você não pagará mais nada além disso até vendê-la. Não há custódia mensal e nenhuma outra tarifa. Já no fundo do Santander, a cada ano você vai precisar pagar para o gestor R$ 4.000 (ou até mais) apenas para ele manter os papéis da Petrobras dentro do fundo.

Agora vamos fazer uma outra conta, um pouquinho maior. Uma das primeiras lições de quem entra no mercado acionário não é justamente fazer investimentos com visão de longo prazo? Então suponha que você aprendeu direitinho esse ensinamento e resolveu comprar essas ações da Petrobras para a sua aposentadoria, mas por meio do fundo do Santander. Digamos que você compre R$ 100.000 em cotas desse fundo aos 35 anos e que os papéis da Petrobras se valorizem em média 10% ao ano durante as próximas duas décadas. Quando você for resgatar o dinheiro, já terá pago nada menos do que R$ 147.142 para o banco, e vai resgatar R$ 302.560.

Já seu vizinho que investiu R$ 100.000 direto nas ações da Petrobras pagou R$ 33,38 para a Clear, segurou a ação pelos mesmos 20 anos e garantiu o direito de resgatar R$ 611.590, mais que o dobro que você. Para não seremos injustos, na hora de vender as ações para se aposentar o vizinho pagou R$ 33,38 novamente para a Bolsa, a corretora e a Receita e o valor resgatado caiu para R$ 611.556. Então enquanto você doa R$ 147.000 do seu dinheiro da aposentadoria para o banqueiro, o seu vizinho paga R$ 66,76 em taxas e nada a mais em 20 anos. É até covardia fazer a conta, mas quem optou pelo fundo monoação pagou 220.092% a mais em taxas. Percebeu a diferença?

Talvez você ache que, devido às taxas extremamente elevadas, ninguém invista nesses fundos de uma ação só. Mas a verdade é que são centenas de milhares de brasileiros. Um levantamento feito pelo InfoMoney a partir da base de dados da Anbima e da CVM mostra que 330 mil brasileiros investem em 48 fundos que aplicam em uma única ação. É mais da metade do número de 633 mil investidores que compram ações diretamente na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo.

Veja abaixo a lista dos 12 fundos monoação que cobram as maiores taxas (lembrando que mesmo que o fundo cobre uma taxa baixa, nunca valerá a pena investir em fundos desse tipo)

Fundo PL (x1.000) Cotistas Tx de adm
ITAU ACOES ITAU UNIBANCO FI 227.890,13          6.915 3%
ITAU ACOES PETROBRAS FI 342.877,53        28.535 3%
ITAU ACOES VALE FUNDO DE INVESTIMENTO 445.435,40        26.326 3%
SAFRA PETROBRAS FIC AÇÕES 28.706,46             763 3%
SAFRA VALE DO RIO DOCE  FIC AÇÕES 41.703,03             707 3%
SANTANDER FC FI VALE PLUS AÇÕES 31.738,67             537 3%
SANTANDER FIC FI PETROBRAS PLUS ACOES 45.329,66          1.697 3%
BNY MELLON FI DE AÇÕES PETROBRÁS 3.731,07               – 3,5%
BNY MELLON FI EM AÇÕES VALE DO RIO DOCE 3.653,08               – 3,5%
SAFRA PETROBRAS 2 FIC FI ACOES 2.694,54               53 3,5%
SANTANDER FI VALE 2 ACOES 42.708,64          4.590 4%
SANTANDER FIC FI PETROBRAS 2 ACOES 41.359,21          5.173 4%

Entendendo o fenômeno

Os 48 fundos monoação distribuídos no Brasil possuem um patrimônio de quase R$ 6 bilhões e geram uma receita anual de cerca de R$ 113 milhões para as instituições que os distribuem. São, portanto, uma máquina de fazer dinheiro fácil para os bancos. “É um produto sem absolutamente nenhuma inteligência de gestão e, mesmo assim, o banco cobra taxas absurdas”, diz Charles Susskind, assessor de investimentos com CFP® e sócio do escritório CMS Invest.

Então fica a pergunta: por que tantos brasileiros preferem pagar taxas de R$ 4.000 ao banco para comer uma simples pizza?

Talvez uma das respostas esteja na estratégia do banco, de distribuir esses fundos para clientes com pouca instrução – justamente aqueles que não fazem ideia de como comprar uma ação diretamente na corretora nem fazem questão de aprender. “O custo da comodidade é extremamente punitivo. É algo que o brasileiro está acostumado a pagar e não reclama por isso”, critica Susskind.

  Banco alega gastos

InfoMoney entrou em contato com as gestoras que cobram as maiores taxas de administração em fundos monoativos, mas apenas o Banco do Brasil e o Santander responderam ao contato.

O gerente executivo da área de fundos do BB, Jorge Ricca, justificou as taxas cobradas com gastos com equipe, que precisa escolher entre a compra de ações ordinárias ou preferenciais da mesma empresa. Ele também afirmou que sua equipe participa de assembleias das empresas para defender os interesses dos cotistas, o que demanda gastos com deslocamento, e inteligência para analisar currículos dos candidatos às cadeiras do conselho. Além disso, ele disse que a equipe tem o trabalho de decidir qual o valor do fundo que ficará em caixa – lembrando que só 5% do patrimônio pode ser investido em algo diferente da ação da empresa que dá nome ao fundo.

Um gestor de um dos maiores fundos de ações ativos do país, que possui 20 anos de experiência do mercado, questiona. “A votação em assembleia não precisa ser in-loco. Ainda que ele queira ir em todas as assembleias, geralmente não são mais do que 4 em um ano. Quanto se gasta com passagem para isso?”. Só para lembrar, o BB tem uma receita de cerca de R$ 31 milhões por ano com seus 4 fundos que investem em apenas uma empresa.  

Já o Santander disse, por meio de nota, os fundos de investimento citados na reportagem não fazem parte da oferta atual de produtos da gestora. “A SAM (Santander Asset Management) acrescenta que oferece fundos que investem em ações de empresas com alto potencial de valorização no longo prazo, que buscam entregar valor agregado ao investidor.”

É importante lembrar que mesmo que não sejam mais comercializados, os dois fundos do Santander têm somados quase 10 mil cotistas.  

O Itaú Unibanco informou, por meio de nota, que oferece “uma prateleira completa de produtos a seus clientes para que eles decidam o que melhor atende às suas necessidades”. Segundo o banco, para aqueles que optam por fazer a gestão direta de suas carteiras, é recomendado sempre a compra de ações. “Porém, há muitos clientes que preferem que a gestão seja feita por um especialista e, neste caso, recomendamos o fundo de ações”, justificam.

A única conclusão possível é que estes são produtos com margens de lucro altíssimas que geram uma concentração de renda extrema, já que o dinheiro sai do bolso de brasileiros com pouco conhecimento para engordar o lucro dos grandes bancos.

Diego Lazzaris Borges

Coordenador de conteúdo educacional do InfoMoney, ganhou 3 vezes o prêmio de jornalismo da Abecip