EDP quer crescer: CEO reafirma interesse em ativos da Eletrobras e aposta em novos setores

CEO da empresa de energia portuguesa reafirma interesse nos ativos da Eletrobras e aposta em transmissão e geração solar distribuída

Equipe InfoMoney

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Depois de dez anos vivendo no País, o português Miguel Setas, presidente da EDP Brasil, acostumou-se com as oscilações na economia. Com 22 anos em nosso território, a empresa de energia portuguesa já atravessou várias fases que refletiram momentos de euforia econômica e até recessão. Começou seu desenvolvimento local participando das privatizações dos anos FHC, quando adquiriu as distribuidoras de energia Bandeirante, em São Paulo, e Escelsa, no Espírito Santo – rebatizadas de EDP São Paulo e EDP Espírito Santo.

Depois da consolidação, abriu seu capital em 2005. Presente hoje em 12 estados, atua em distribuição, comercialização e geração, área na qual conclui um ciclo de investimentos com a construção de três hidrelétricas de médio porte na região amazônica. “Agora estamos nos preparando para uma nova fase de crescimento”, diz Setas, que está desde 2014 na presidência da empresa.

A nova virada da EDP tem a ver com a entrada no segmento de transmissão. Setas ainda comemora o resultado do leilão realizado em abril pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), quando a companhia arrematou quatro lotes de linhas de transmissão e foi a grande vencedora em volume de investimentos. Comprometeu- se com R$ 3 bilhões em obras para adicionar 1,2 mil km de redes transmissoras em cinco estados, incluindo São Paulo e Minas Gerais. “Abriu-se uma avenida de crescimento para os próximos anos”, afirma Setas. A nova aposta acontece num momento de inflexão na economia, acredita o executivo. “Acho que estamos assistindo hoje a uma dissociação entre aquilo que é a agenda de política econômica do governo e aquilo que é turbulência política do momento. Temos uma perspectiva bastante otimista sobre o próximo ano.”

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O setor de energia é um dos que mais sofrerão transformações no curto prazo. Está em polvorosa com a decisão do governo Temer de privatizar a Eletrobras, anunciada no final de agosto. Apesar de ter se tornado uma das primeiras vozes na imprensa a defender a iniciativa após a sua divulgação, além de reafirmar o interesse da EDP, Setas é cauteloso. Já manifestou publicamente interesse em aumentar a participação nas hidrelétricas em sociedade com a Eletrobras (São Manoel, Lajeado e Enerpeixe), mas acha que é preciso esperar o desenho do processo. “A EDP assume-se como um operador estratégico. Portanto, nunca estará disponível, julgo eu, para uma posição financeira num grande conglomerado. Entramos em investimentos estruturantes para ter um papel efetivo na gestão desses investimentos.”

Para a EDP, a privatização da Eletrobras tem um significado próprio que remete à sua própria história. A EDP era a grande estatal portuguesa de energia e iniciou seu processo de privatização em 1997. Ele só foi concluído em 2012, quando a última parcela de capital que estava com o Estado português, de 25%, foi leiloado.

Na ocasião, a China Three Goorges (CTG), gigante chinesa que já é a maior geradora privada do Brasil, adquiriu 21,35% da companhia portuguesa, em disputa com a alemã E.ON e com a própria Eletrobras, tornando-se uma de suas controladoras. Com a privatização da Eletrobras, ironicamente, é a EDP que pode participar do leilão dos ativos da estatal brasileira. A EDP era uma empresa deficitária e se consolidou a partir da privatização com uma estratégia de internacionalização.

Maior grupo industrial português, é também uma das maiores empresas energéticas europeias. Seu braço de energia limpa, a EDP Renováveis, com sede em Madri, é hoje a terceira maior empresa eólica do mundo. “A EDP é uma empresa de vanguarda em inovação, em sustentabilidade, com uma governança muito robusta, uma história de sucesso. Acho que isso é uma coisa que pode inspirar efetivamente uma repaginação da Eletrobras”, argumenta Setas. O executivo considera que a privatização da Eletrobras, no entanto, será demorada. “Em Portugal ocorreu um período muito longo de maturação e várias fases. Acho que temos de estar preparados para uma solução gradual, com vários momentos.”

A EDP Brasil já é o quinto maior grupo privado do país em geração de energia. Em distribuição, ocupa a sexta posição. Além da área de transmissão, outro foco de crescimento atual é a energia fotovoltaica distribuída – não confundir com a dos parques de energia solar, que ficam a cargo da EDP Renováveis. A EDP Solar implementa painéis fotovoltaicos para os clientes (como residências, clubes e indústrias) ou aluga cotas de energia em sistema instalado em terreno da EDP. Trata-se de uma aposta, já que essa modalidade deve representar 5% da capacidade instalada no Brasil até 2024 – hoje é de 1% –, segundo estimativa do Boston Consulting Group (BCG). “Servimos milhões de pessoas em nosso negócio de distribuição, aqui em São Paulo e no Espírito Santo. Com energia solar distribuída estamos entrando em vários estados onde não temos distribuição. Temos uma estratégia de cobertura nacional de instalar painéis onde as tarifas elétricas são mais altas e as condições de insolação solar são melhores”, diz Setas.

À espera do crescimento, a EDP tem mostrado resultados positivos, ainda que a recuperação da economia não tenha se refletido no setor. No segundo trimestre, a empresa ampliou sua margem bruta em 7,8%, em relação ao mesmo período do ano passado. No período, o consumo de energia no País caiu 0,95%, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). As distribuidoras ainda têm sido afetadas pela migração de empresas de uso intensivo de energia para o mercado livre. O mercado cativo das distribuidoras exibiu redução de 6,5% em 12 meses, segundo dados de julho passado, enquanto o consumo livre aumentou 18,3%. E é nesse segmento que a EDP conseguiu bons resultados – em 2016 se consolidou como o quarto maior comercializador privado do País.

Os resultados positivos também refletem a estratégia de gestão. A EDP adota em seu planejamento o chamado Orçamento Base Zero (OBZ), que visa reduzir custos. Inovação é outro foco de seu presidente e faz parte de sua trajetória. Setas tem passagem pela Singularity University, na Califórnia, que discute o futuro da tecnologia. “Senti a necessidade de me atualizar. Eles falam das chamadas tecnologias exponenciais que vão ter um rápido desenvolvimento, como nanotecnologia, big data e drones. Utilizamos algumas delas como robótica, inteligência artificial e analytics. O grupo EDP quer estar na frente dessa transformação digital.”

Setas liderou a implantação do primeiro laboratório da América Latina de redes inteligentes, no campus da Universidade de São Paulo (USP) – aberto para qualquer entidade. Também criou no primeiro semestre um Centro de Excelência em Robotização (CER). “É uma iniciativa pioneira no Brasil e na EDP também. São 20 pessoas formadas, treinadas para serem programadores de robôs, profissões que não tínhamos antes. Temos um plano de 150 robôs nos próximos dois anos”, acrescenta Setas. A empresa também lançou em junho uma incubadora de startups, o EDP Starter. Depois de uma triagem inicial, cinco startups foram selecionadas em áreas como realidade virtual e aumentada.

O executivo desde 2015 integra o Conselho de Administração Executivo da EDP em Portugal e, em São Paulo, preside a Câmara Portuguesa de Comércio. Como líder da maior empresa portuguesa no Brasil, ele assumiu o compromisso de investir R$ 20 milhões no projeto de reconstrução do Museu da Língua Portuguesa, que terá um orçamento total de R$ 65 milhões até 2019. “Sou muito grato pelos anos que vivi aqui. Acho que o Brasil tem muito a dar a Portugal. Sinto muito essa confluência de culturas na empresa. A junção desses dois traços é uma vantagem competitiva que a EDP tem no Brasil.”

*Esta reportagem foi originalmente publicada na edição de número 64 da revista LIDE, em 09/10/2017.