As perguntas que tomadores de decisão têm agora não são as mesmas do passado, diz especialista em futurismo

O especialista em futurismo Roger Spitz lança, nesta terça-feira (29), o primeiro livro de uma série que promete desvendar o caminho até a inovação

Wesley Santana

Roger Spitz lança série de livros sobre futurismo escrito com Lidia Zuin. Foto: Divulgação

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Depois de atuar por 20 anos no mercado financeiro, o futurista Roger Spitz resolveu se lançar no mundo da inovação e disrupção. De origem sul-africana, o profissional fez carreira em terras bem distantes, do Reino Unido aos Estados Unidos, sempre de olho em novos negócios que surgiam no cenário internacional

“Quando vim para São Francisco, [nos EUA], fiquei extremamente interessado em mudanças e rupturas no sentido mais amplo, não apenas de tecnologia ou Vale do Silício. Pude ver que, para os pesquisadores e tomadores de decisão, as perguntas que eles tinham todos os dias não eram as mesmas do passado. Era como se algo estivesse mudando”, diz ele em entrevista exclusiva ao InfoMoney.

Com os aprendizados que construiu nos últimos anos, o especialista lança, nesta terça-feira (29), o primeiro livro de uma série que promete desvendar o caminho até a inovação. The Definitive Guide to Thriving on Disruption (O guia definitivo para prosperar na disrupção, em português) é composto por quatro volumes, todos escritos a quatro mãos, em parceria com a jornalista e futuróloga brasileira Lídia Zuin.

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A obra surgiu a partir de uma inquietação dos autores, que viam tanto as empresas quanto os indivíduos perdidos em relação ao futuro e como agir diante do desconhecido. No livro, os escritores tentam conectar alguns tópicos que permeiam as novas tecnologias e o futurismo. 

“[Escrevemos] para não apenas dar uma compreensão ao leitor do que está acontecendo no mundo, mas trazer seus significados e mostrar as ferramentas para lidar com isso”, pontua. “Não estamos olhando apenas para os líderes de negócios ou país, ou a uma tecnologia em particular, estamos olhando para a população”.

Casado com uma brasileira, Roger acredita que o país latino-americano tem seu papel no cenário internacional das tecnologias, sobretudo pelo seu tamanho, volume da população e por encabeçar algumas das principais disrupções dos novos tempos.

“O Brasil fez um trabalho incrível para ser quase o número 1 em muitos segmentos, como o energético. Se você pensar nos desafios climáticos e na transição energética, o potencial ainda é enorme”, avalia.

Leia, a seguir, a entrevista completa com Roger Spitz.

InfoMoney: Como o tema ‘futurismo’ virou pauta para você?

Roger Spitz: Eu nasci e vivi na África do Sul. Vivi lá no início da minha vida, mas viajei bastante quando criança. Já adulto, passei a maior parte dos meus estudos em Londres, onde comecei a trabalhar em um banco de investimentos. Durante 20 anos, fui chefe global de fusões e aquisições em um dos bancos europeus que assessoram em transações de empresas de tecnologia, inclusive fiz muitas transações para o Brasil.

Há sete anos, nosso CEO me pediu para passar mais tempo em São Francisco para desenvolver o negócio por lá. Quando eu vim, fiquei extremamente interessado em disrupção no sentido mais amplo, não apenas tecnologia ou Vale do Silício. Pude ver que para os CEOs e os tomadores de decisão, as perguntas que eles tinham todos os dias não eram as mesmas do passado. Era como se algo estivesse mudando.

Então decidi fazer imersões no pensamento de sistemas complexos em escolas como o Santa Fe Institute, entendendo e estudando o futuro profissionalmente. Passei um tempo em Stanford na escola de design thinking e no MIT, fazendo cursos de inteligência artificial tentando aprender e reaprender. Há três anos, então, decidi que queria fazer uma pausa na minha carreira de 20 anos no banco e estabelecer a prática com foco no futuro e na previsão, escrever um livro e construir conteúdo educacional.

IM: A tecnologia sempre está atrelada a tendências – algumas delas acabam se confirmando e mudando o mundo de uma maneira mais dramática, outras não. Quais são as tendências que você enxerga nesta década?

Roger: A maneira como olhamos para o metaverso ou qualquer tecnologia, é realmente para pensar sobre quais são as características subjacentes e como elas podem mudar o mundo em um período de tempo mais longo. O metaverso, para mim, por exemplo, não é tão importante no sentido de como você vai o chamar em 2028, seja Facebook ou qualquer outra coisa. Para mim, ele é uma continuação da imersão, onde tudo pode ser virtualizado, digitalizado e descentralizado.

Quer você esteja imprimindo um órgão para o corpo ou corações em miniatura como em Israel, quer esteja imprimindo comida ou algum componente para um ônibus espacial, esse aspecto da imersão contínua, a virtualização e a digitalização continuará e o metaverso será uma manifestação daquele mundo duplo imersivo.

Acho que uma das grandes considerações para mim quando olhamos para as tecnologias é não vê-las separadamente, mas olhar para o que está alimentando e construindo umas às outras. Acho que não dá mais para separar as tecnologias individuais, mas também não acho que dá para separar a tecnologia da humanidade.

IM: Muitos executivos já falaram sobre como o fechamento de escritórios e pontos físicos provocado pela pandemia teve um impacto, de certa forma, positivo para acelerar a inovação. O senhor concorda com isso? 

Roger: Acho que muito do que aconteceu na pandemia já estava acontecendo, mas não em todos os lugares. Não estava ocorrendo igualmente para todas as indústrias e nem estava necessariamente sendo adotado por todos. Mas a ideia de virtualização, de digitalização, de descentralização, de comunicação com IA, tornando a tecnologia mais inteligente, já estava acontecendo. 

Pegue, por exemplo, o aplicativo Zoom, que se tornou muito importante quando todos estavam isolados na pandemia, qualquer empresa deveria ter pensado em se preparar para isso. […] Se você pensar nos outros, o Google Meet ou Teams, eles simplesmente não eram tão fáceis de usar, então é interessante que teve uma empresa menor chamada Zoom que era resiliente, antifrágil e inovadora o suficiente com capacidade de deixar dez, cem ou mil pessoas reunidas em uma videoconferência. Isso teve problemas inicialmente com hackers e privacidade, mas houve correção rápida.

IM: Qual é a posição do Brasil diante do cenário mundial quando os assuntos são disrupção e inovação?

Roger: Eu diria que acho que o Brasil realmente tem os ingredientes para ser muito, muito forte. Eu sei que corre uma piada -e acho um pouco triste- sobre o Brasil de amanhã, esse amanhã nunca chega. Existem algumas características que eu acho que o Brasil tem em termos de DNA e cultura, que poderia aproveitar ainda mais positivamente.

Em Israel, existe uma palavra chamada “balagan”, que é como o caos, mas com o caminho da oportunidade para a criatividade, para a inovação e para o empreendedorismo. E o Brasil é muito engenhoso, sempre dando um jeito de fazer as coisas, não tirando só a autoridade de comando e controle. Mas você precisa de inovação e novas ideias. Você não pode simplesmente seguir o que as pessoas dizem, você precisa desafiar.

Se você comparar com um país como Israel, não só tem 200 milhões de pessoas em vez de oito ou nove milhões, mas tem muitos outros fatores: capital humano, energia, recursos naturais. É um país muito, muito poderoso. E então eu acho que se o Brasil aproveitasse ainda mais isso, poderia continuar a se tornar ainda mais forte nas áreas onde já é forte, mas mais amplas do que isso.

O Brasil fez um trabalho incrível para ser quase o número um em muitos segmentos, como o energético. Se você pensar nos desafios climáticos e na transição energética, o potencial é enorme. As fintech inovaram o burocrático sistema bancário, com CPF, cupom fiscal e outras coisas. Essa desenvoltura significa que havia algumas empresas extraordinariamente inovadoras em fintech, é que isso poderia até ir para o próximo nível.

Se você pensar em inteligência artificial, acho que um dos desafios é que o Brasil não tem engenheiros suficientes. E não estou dizendo que engenheiros são tudo, mas são importantes. Se você pensar em 200 milhões de pessoas, a IA depende de pessoas, dados e informações.

IM: A qual caminho seus livros pretendem guiar os leitores?

Roger: Tenho ministrado diversos cursos sobre futurismo, ora no Brasil, ora no Vale do Silício, e, então, decidimos colocar tudo isso em volumes completos. O volume 1 traz os fundamentos do tema, mostrando como você pode reformular e navegar pela disrupção, que é como você faz sentido e entende o mundo como ele é. E olhamos para as muitas facetas dessa tecnologia, dos condutores de desinformação da mudança climática, ao risco existencial, é muito amplo. Portanto, essas são as bases, uma vez que você entende como entender nosso volume mundial complexo, não linear e imprevisível.

O volume dois se destina a fornecer as estruturas e as ferramentas para lidar com isso. Portanto, é realmente para quem é um indivíduo, uma organização de negócios ou um formulador de políticas. Eu entendo melhor sobre a natureza do mundo e quais são as ferramentas à minha disposição. Basicamente, tomar decisões e operar no mundo imprevisível, complexo e não linear.

O volume três é o meu favorito, e o mais importante, eu acho, que é para indivíduos. Se você é um ser indivíduo, você está pensando em seus filhos, em sua carreira, no que vai estudar, em se aposentar. Você está pensando em trabalho, dinheiro, o que é do ser humano. Então ele é realmente focado no indivíduo, em quem está neste mundo que não é previsível, é complexo e não linear. Então, é realmente como você melhora sua vida.

Já o volume final, o 4, está realmente pensando em disrupção como uma alavanca para a criação de valor sustentável. Então é focar no negócio como deve ser, pensando em criar valor e usar a disrupção de forma positiva. Mas entender que você precisa fazer isso de uma forma adequada para a sociedade de hoje, de forma sustentável, ética, etc. Então falamos de governança, falamos de disrupção digital, de conversão, interseção de setores, sobre espaço, falamos sobre os futuros centros de gravidade, que serão a Ásia e a China, em oposição ao Ocidente. Eu espero que o Brasil esteja no meio e indo muito bem também.