Liberação de saque do FGTS pode prejudicar trabalhador, alerta especialista

Bancos serão os mais beneficiados pela proposta, que deveria vir acompanhada de educação financeira, de acordo com professora da FGV

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – A mudança na regra de saque de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) definitivamente injeta fundos na economia, mas não necessariamente será positiva para o cidadão. A análise é da professora dos MBAs da FGV, Myrian Lund.

Para ela, este pode ser mais um capítulo de uma “mesma história: o governo preocupado em desenvolvimento, mas sem aumentar seus gastos. E os bancos por sua vez adorando”. Os males virão, de acordo com a sua experiência com finanças pessoais, para o povo.

“Não tenho dúvida de que o consumo é uma forma de fazer o país crescer e que pessoas inadimplentes consomem menos”, disse a professora em entrevista ao InfoMoney, mas ressalva: sem educação financeira, os resultados porem ser negativos.

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O saque deste fundo para o pagamento de dívidas, intenção anunciada pelo governo, muito provavelmente significará mau uso dos recursos e desamparo no futuro. A primeira razão é simples: os bancos tendem a cobrar juros mais altos daqueles que podem paga-los e renegociar dívidas dos que não podem.

Quando o cliente tiver a opção de sacar o FGTS, portanto, o banco não vai oferecer a redução do montante de juros. “Digamos que você tenha um cheque de mil reais que com os juros virou uma dívida de 5 mil. O cliente deveria renegociar essa dívida para pagar o valor mais próximo desses mil iniciais que conseguir”, ensina ela, mas com a disponibilidade do saque do fundo, o beneficiário provavelmente entrará na zona de conforto e cederá aos pedidos de pagamento total dos juros “abusivos”.

Além disso, para a economista, as instituições financeiras podem passar a pedir o FGTS como garantia usando atrativos como taxas mais baixas, a exemplo do crédito consignado. Isso pode ser uma emboscada. 

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Ela alerta que o cidadão ficaria, nesse caso, sem um fundo que poderia ser usado no desemprego, na compra de um imóvel ou futuramente, para acrescentar à aposentadoria. “É a redução do patrimônio daquela pessoa”, clarifica. “O brasileiro não tem educação financeira suficiente para saber gerenciar esse dinheiro, e também não existe um programa do governo para promover essa educação”.

Pague, mas cuidado

O posicionamento da especialista não significa uma ojeriza ao pagamento de dívidas. Para ela, as dívidas com certeza devem ser liquidadas, mas se o FGTS for usado para esse pagamento, deve haver a renegociação e muita cautela.

“O que a gente recomenda é que as pessoas que forem liquidar dívidas dessa forma, que liquide de uma vez e com desconto”, ensina. Caso contrário, é mais vantajoso garantir que exista um fundo para ser usado no futuro.

Outra questão a ser considerada é o tipo de dívida ao qual aquele dinheiro será destinado. Diz a professora: “poucas pessoas tomam decisões racionais, elas tomam normalmente por emoção. Acho provável que as pessoas acabem fazendo dívidas de consumo de coisas que elas não precisam pela garantia dos recursos do FGTS”, em vez de pensar no longo prazo.

Especialistas em investimentos acreditam que o contribuinte deve aplicar esse dinheiro, caso apto a saca-lo

Contexto

O governo Temer anunciou nesta quinta-feira que permitirá o saque do montante total em determinados casos. Poderão usufruir do dinheiro trabalhadores detentores de contas inativas até dezembro de 2015 – até então, só poderia sacar o FGTS aquele que estivesse desempregado há mais de 3 anos.

A expectativa do governo é que essa medida injete R$ 30 bilhões na economia a partir de contas de 10,2 milhões – cerca de 86% das contas inativas têm saldo inferior a um salário mínimo, disse Temer.

No pronunciamento do governo foi ressaltado que a medida permitirá que os brasileiros paguem suas dívidas. O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, chegou a dizer que é “natural” que o montante seja realizado para este fim.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney