Injustiça tributária e a crise dos combustíveis andam juntas

Ricardo Vieira, ex-colaborador InfoMoney, analisa como a situação dos combustíveis está relacionada à tributação brasileira 

Equipe InfoMoney

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Autor:Ricardo Vieira, Private Equity Associate na VBI Real Estate e ex-colaborador InfoMoney

Pela enésima vez o Brasil se debruça sobre ser papel ou não da Petrobras fazer políticas públicas através do controle de preços e subsídios. O tema pode ensejar opiniões bem construídas ou boçais de todos os espectros ideológicos, mas que tal deixarmos em segundo plano o papel ou a existência de uma estatal e descermos para o estrutural?

Desde o ano passado, a Petro adotou uma nova estratégia de preços flutuantes que basicamente acompanham a cotação do dólar e do barril de petróleo – o que é, a grosso modo, seu custo. A mudança aconteceu como um contraponto ao controle de preços que entre 2013 e 2016 serviu para amenizar a pressão inflacionária, mas destruiu o balanço da empresa – novamente, não estou expondo juízo de valor quanto a isso.

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No entanto, todo esse debate sobre a Petro repassar ao consumidor as variações no seu custo tem impacto apenas sobre metade da formação do preço final dos combustíveis. Todo o restante são impostos/taxas/contribuições, tanto estaduais como federais.

Não adianta culpar a política de preços da Petro ou ficar só discutindo se ela deveria ser privada ou estatal e ignorar o maior fator de peso no preço dos combustíveis – impostos.

Para ilustrar, um litro de gasolina vendido em SP a R$ 4,00 tem embutidos R$ 1,89 (47%) de impostos (ICMS, CIDE e PIS/COFINS). Dessa forma, o preço do litro ex. impostos (já com as margens do distribuidor e dos postos) seria próximo a R$ 2,11 – ou seja, os mesmos R$ 1,89 de impostos representam aproximadamente 90% sobre o valor ex. impostos. Obviamente a metodologia de cálculo é um pouco mais complexa do que isso mas, de uma forma grosseira, os números são esses.

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Ou seja, se tivéssemos uma alíquota ao redor de 30% sobre esse valor na bomba (R$ 2,11), o que já não seria baixo, o preço do litro de gasolina poderia estar ao redor de R$ 2,75. Em dólar, esse valor seria US$ 0,75, em linha com os preços praticados em países como México (US$ 0,82), EUA (US$ 0,62), Rússia (US$ 0,66) e muito abaixo dos US$ 1,10 praticados hoje no Brasil (leia-se até semana passada).

E os combustíveis são uma exceção? Não! Os combustíveis são simplesmente um símbolo do modelo de tributação adotado no Brasil, o qual é um fator significativo para reforçar desigualdade social. Nosso modelo, focado em altos impostos indiretos (consumo) em detrimento de impostos diretos (renda), afeta muito mais as faixas mais pobres da população. Em resumo, os altos impostos sobre combustíveis, também são vistos em percentuais similares em alimentos, vestuário, produtos de higiene e etc.

Meu ponto é, portanto, usar a crise dos combustíveis para estimular uma reflexão estrutural: nós simplesmente ignoramos o peso dos impostos indiretos no Brasil e isso afeta muito os mais pobres. Pessoas com renda mais baixa têm seus salários integralmente destinado a consumo e, consequentemente, abrem mão de uma parte de seu consumo diário de proteínas, por exemplo, para pagar altos impostos sobre a carne vermelha.

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Exatamente um ano atrás, fiz uma curta apresentação no Programa ProLíder sobre esse tema, mostrando como nosso modelo tributário atinge especialmente a camada mais vulnerável da população e como há diferenças brutais entre nós e o resto do mundo.

Sociedades tradicionalmente mais liberais, como os EUA, tem faixas e alíquotas de impostos sobre a renda e a herança muito mais altas do que as nossas em detrimento de impostos menores sobre o consumo – isso não é privilégio só de “paraísos” sociais-democratas.

A crise do combustíveis não pode se limitar à um debate raso sobre uma estatal. É muito maior. É uma chance de engatarmos um debate sobre o modelo tributário brasileiro de forma estrutural.

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No mundo todo há estatais e empresas privadas como players no mercado de petróleo. Acho ótima a discussão sobre qual modelo é mais eficiente sob diversos pontos de vista. Contudo, nosso preço historicamente fora da curva tem um outro componente estrutural que diz muito sobre o que nós, brasileiros, entendemos como justiça social: quem pode menos paga mais.

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