Ao pautar habeas corpus de Lula, Cármen Lúcia incendiou a política e aprofundou tensão no Supremo

Desnecessariamente, o STF assume um desgaste maior ao deslocar o eixo de um mesmo debate: a prisão após condenação em segunda instância

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A cada dia que passa, diminuem as perspectivas de pacificação e previsibilidade no Supremo Tribunal Federal. Com a decisão de, duas semanas atrás, ceder em parte às pressões de colegas, advogados e alguns setores da sociedade em detrimento a outros e pautar em plenário um recurso que tem como pano de fundo a atual jurisprudência que permite o início do cumprimento da pena após decisão por órgão colegiado, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, aumentou ainda mais a temperatura no Judiciário e o nível de tensão na sociedade brasileira.

Ao incluir o pedido de habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na pauta do plenário da Corte, a magistrada potencializou os atritos em uma instituição que vivencia uma profunda divisão entre seus membros. Já havia uma pressão para, ainda que a dois anos da mudança de entendimento da Corte, os ministros revisitarem o tema da prisão após condenação em segunda instância. Membros do STF contrários à jurisprudência em vigor elevavam a pressão para que um novo debate seja promovido em plenário, aproveitando duas ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello, que tratariam da questão sob uma perspectiva geral.

Contudo, em meio à pressão, Cármen Lúcia, que resistia à ideia de pautar novamente esse debate, decidiu pinçar um pedido de HC preventivo feito pela defesa de Lula, cada vez mais próximo da prisão, já que o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) negou por unanimidade os embargos declaratórios do petista. Experiente no Judiciário, a magistrada sabe que a figura do líder petista alimenta paixão e ódio na sociedade e certamente imaginava as consequências de furar a fila da pauta do Supremo com tal questão. Qualquer que seja a saída escolhida pelos ministros, os riscos de a Corte sair diminuída e ainda mais dividida são significativos. Este é mais um episódio da politização do Judiciário.

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É sabida a posição de Cármen Lúcia sobre a prisão após condenação em segunda instância. A magistrada apoia tal entendimento e tem feito de tudo para evitar sua revisão. Para muitos analistas, a resistência a pautar novamente o debate indica uma percepção da ministra de que hoje já não conta mais com o apoio da maioria dos pares para manter a jurisprudência de 2016. Nesse sentido, a decisão de pautar o HC de Lula pode indicar uma movimentação política inteligente de Cármen Lúcia na defesa de suas convicções, mas ruim quando se trata da ação da presidente da instituição. Ao fulanizar o debate no caso de Lula, a magistrada eleva os custos de mudanças de entendimento na Corte.

[O STF] Decidiu escolher um caminho político e, ao meu juízo, equivocadamente passar a ideia de que pode haver um casuísmo. A questão de fundo jurídica é a mesma nos três procedimentos (as ADCs 43 e 44 e este HC): a observância do princípio da presunção de inocência e o impedimento de execução provisória antes do trânsito em julgado. Mas a questão de fundo política é diferente”, observou o advogado Renato Stanziola Vieira, sócio do escritório André Kehdi & Renato Vieira Advogados e diretor do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) em entrevista concedida ao InfoMoney em março.

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Desnecessariamente, o STF assume um desgaste maior ao deslocar o eixo de um mesmo debate: a prisão após condenação em segunda instância. Em termos políticos, esta não deixa de ser uma estratégia da ala favorável à atual jurisprudência de tornar mais “cara” qualquer mudança em um entendimento gerado há menos de dois anos. De todo modo, seus desgastes, independentemente do resultado, são estimados.

O resultado ainda é imprevisível. Hoje, a questão da prisão em segunda instância divide o STF em dois grupos equilibrados. De um lado, os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio defendem a mudança do atual entendimento. De outro, Edson Fachin, Luiz Fux, Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes pedem que o entendimento de 2016 seja mantido.

A dúvida está em como votará a ministra Rosa Weber. Apesar de já ter se manifestado a favor da execução da pena somente após o julgamento no STJ (Superior Tribunal de Justiça), a magistrada tem seguido a jurisprudência. E este é um dos debates que antecedem a sessão da próxima quarta-feira (4). De um lado, os defensores da atual jurisprudência dizem que o julgamento de amanhã trata de um caso específico e não tem poder de alterar o entendimento da Corte. Do outro, há quem defenda que já pode começar a ser alterada a jurisprudência. Vale lembrar que o entendimento da prisão em segunda instância começou com uma decisão sobre HC.

Caso vença a segunda narrativa, crescem as chances de êxito de Lula. Se tal cenário se confirmar, os esforços de Cármen Lúcia em evitar uma derrota não terão se mostrado suficientes. No outro cenário, mesmo que vença, dificilmente o STF sairá mais pacificado. As reviravoltas podem fazer com que a Corte, já criticada pela liminar que impedia a prisão do ex-presidente até que o pedido de HC fosse julgado, saia diminuída. As divisões internas no Supremo não têm hora para acabar. Ao entrar em bolas divididas com enfoques desfavoráveis, o risco de a crise crescer é grande. A imagem de casuísmo pode ser inevitável e é difícil crer que Cármen Lúcia não tenha pensado nisso.

Na noite da última segunda-feira, a presidente do STF fez um pronunciamento demonstrando preocupação com o clima de polarização. Estão marcadas para esta terça, um dia antes do julgamento do HC, manifestações contra e a favor de Lula. “Vivemos tempos de intolerância e de intransigência contra pessoas e instituições. Por isso mesmo, este é um tempo em que se há de pedir serenidade. Serenidade para que as diferenças ideológicas não sejam fonte de desordem social. Serenidade para se romper com o quadro de violência. Violência não é justiça. Violência é vingança e incivilidade. Serenidade há de se pedir para que as pessoas possam expor suas ideias e posições, de forma legítima e pacífica”, disse ela.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.