Qual é o significado de um inédito encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un?

Para tentar responder algumas das perguntas que pairam no ar com a notícia que ganhou destaque na imprensa mundial, ouvimos dois especialistas no assunto; confira

Marcos Mortari

KPA Supreme Commander Kim Jong Un inspects the truce village of Panmunjom. Foto DPR

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SÃO PAULO – Quem acompanhou as tensões nucleares envolvendo Pyongyang e Washington nos últimos anos hoje deve estar se perguntando o que pode ter mudado tão rapidamente na conjuntura internacional para que o líder norte-coreano Kim Jong-un resolvesse convidar o presidente norte-americano Donald Trump para um encontro e o republicano aceitasse. O possível evento inédito para as relações entre Coreia do Norte e Estados Unidos abre a possibilidade de uma aproximação histórica. Mas será que, na prática, isso se confirmará? Quais são as possíveis consequência deste acontecimento que ganhou destaque nos principais jornais do mundo? Como interpretar os fatos novos sem gerar falsas expectativas?

Para tentar responder a essas perguntas, ouvimos dois especialistas na área: Denilde Holzhacker, cientista política, professora do curso de Relações Internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e colunista do blog Penando Política, parceiro do InfoMoney; e Rodrigo Gallo, cientista político e professor de Relações Internacionais da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Veja os destaques:

InfoMoney – Qual é a importância do histórico encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un?

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Denilde Holzhacker – É um passo importantíssimo no processo de desnuclearização da Coreia do Norte e a diminuição do conflito entre os dois países. Durante todo o ano passado, os momentos de tensão e a falta de diálogo entre eles criavam um ambiente de conflito, e, em alguns momentos, com ações que poderiam levar a uma guerra. Estabelecer o diálogo e um canal de negociação pode gerar um novo ambiente na região. No entanto, não significa que as tensões serão resolvidas imediatamente, mas já se tem um começo. A China especialmente ganha, pois [a aproximação] diminui as tensões regionais. Apesar das medidas, as tensões comerciais ente China e Estados Unidos aumentaram depois da decisão de Trump de impor medidas comerciais protecionistas. Outros países da região, como Japão, mostraram maior cautela sobre as intenções da Coreia do Norte e o quanto as negociações poderão reduzir as tensões regionais.

Rodrigo Gallo – É inegável que essa situação é histórica no que diz respeito à divisão das Coreias e ao atual impasse entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos. De certa forma, é preciso reconhecer que o convite representa uma espécie de vitória, mesmo que temporária, por parte de Trump — menos por conta dos exercícios militares e das sucessivas ameaças, e mais pelas sanções econômicas impostas à Coreia do Norte com o apoio chinês, um mercado que absorve boa parte das exportações norte-coreanas. Logo, a China teve um papel decisivo para esse novo cenário, principalmente por conta das questões econômicas. Porém, não creio que haja espaço para muito otimismo neste momento: no passado, outras negociações ocorreram e não prosperaram. Então, trata-se de uma situação complexa, que envolve norte e sul-coreanos, norte-americanos e chineses, pelo menos. Há muitos interesses em jogo, e o próprio histórico conflituoso envolvendo sul e norte pode não levar a uma resolução do problema. Até o momento há muita euforia e expectativa, mas nada concreto — nem mesmo a data e o local da suposta reunião.

IMO que leva os dois lados à aproximação? O que explica o fato de as figuras que mais tensionaram as relações entre os dois países nos últimos anos agora protagonizarem um encontro inédito? Quais pode ser os interesses e o que está em jogo?

Denilde Holzhacker – O primeiro ponto a se destacar é que o convite foi feito pela Coreia do Norte. O presidente Kim Jong-un, desde o início do ano, tem dado demonstrações de disposição em estabelecer diálogo para diminuir as tensões. Um dos objetivos do seu governo, que era ter um programa nuclear, já foi alcançado. No entanto, para levar o programa adiante, o custo econômico foi bastante elevado, as sanções reduziram a capacidade econômica do país. Assim, estabelecer diálogo pode ser parte da estratégia para criar um espaço para rever as sanções. Os norte-americanos já avisaram que as sanções serão mantidas enquanto a Coréia do Norte não iniciar um programa de desnuclearização. Os Estados Unidos buscam, com esta abertura, tentar entender os interesses e intenções dos norte-coreanos. O Governo Trump não está coeso na decisão, tanto que o Secretário de Estado, Rex Tillerson, tinha dado declaração dizendo que o país não estava disposto a negociar com a Coréia do Norte. Como um jogo de xadrez, neste momento, todos estão analisando os movimentos de cada parte, os interesses ainda não estão claros e o que cada um está disposto a ceder.

IMQuais são as expectativas em torno da aproximação? É provável um acordo? Quais tenderiam a ser os itens envolvidos em negociações pela suspensão das atividades nucleares norte-coreanas?

Denilde Holzhacker – O histórico de negociações com a Coréia do Norte mostra uma certa cautela na avaliação dos resultados. No entanto, as expectativas são grandes de que o processo negociador consiga maior estabilidade regional. Os Estados Unidos já indicaram que somente com o fim do programa nuclear iriam negociar a suspensão das sanções econômicas. Já a Coreia do Norte quer o reconhecimento internacional do seu programa. A agenda de negociação deverá se manter na imposição de limites para o programa nuclear e a questão das sanções econômicas.

Rodrigo Gallo – É difícil estimar o que realmente pode ocorrer se o encontro for mesmo realizado. O governo norte-coreano investiu muito em seu programa nuclear, inclusive em propaganda para o público externo. É muito difícil acreditar que agora o país aceitaria entregar ou destruir eventuais artefatos nucleares. Talvez, por outro lado, seja possível imaginar que, dependendo dos interesses norte-coreanos e da flexibilidade norte-americana e sul-coreana, um acordo viável seria a suspensão dos testes de mísseis, que têm gerado tensões no Japão e na Coreia do Sul, principalmente. Ou seja, essa hipótese leva em consideração que o teto máximo para as negociações implicaria na aceitação de ambos os lados que a Coreia do Norte manteria seus artefatos bélicos, mas se comprometeria a suspender as demonstrações. Esta parece ser uma alternativa razoável — e talvez a única possível. Também não acredito que seja viável imaginar a reunificação das Coreias. Pelo menos não em curto ou médio prazo. Há diversas questões pendentes, como a rivalidade histórica desde 1950 e as diferenças socioculturais construídas desde então.

IMComo você interpreta o papel da Coreia do Sul e de seu presidente, Moon Jae-in, no processo?

Denilde Holzhacker – A aproximação durante as Olímpiadas de Inverno foi essencial para iniciar a normalização das relações entre os dois países. Desde que assumiu o governo, Moon Jae-in tem declarado que estabelecer a negociação com a Coreia do Norte é ponto importante para conseguir trazer estabilidade para a região. No entanto, ainda prevalecem desconfianças em ambos os lados.

Rodrigo Gallo – A Coreia do Sul tem sinalizado, principalmente desde janeiro, que espera manter relações diplomáticas abertas com a Coreia do Norte. Esse é um passo fundamental para que eventualmente ocorram reuniões de cúpula, inclusive com a presença de Trump, que culminem em algum tipo de acordo, seja ele qual for. O presidente sul-coreano vinha reforçando que o principal problema seria o programa nuclear da Coreia do Norte. Essa narrativa, de certa forma, ajuda a criar um cenário um pouco menos ríspido, uma vez que não afirma que a Coreia do Norte é um país problemático, mas sim que seu programa nuclear é incômodo. É uma diferença sutil, mas coloca o foco do problema em uma única questão. Além disso, o mérito da Coreia do Sul foi justamente ter proposto a reabertura do diálogo em função da Olimpíada de Inverno, ou seja, isso desvia o foco exclusivamente de questões político-militares e vincula com o esporte, uma temática menos conflituosa. O governo da Coreia do Sul chegou a afirmar que essa seria a Olimpíada da Paz na península. É, de fato, uma jogada diplomática interessante, embora os resultados também possam ser limitados à participação da Coreia do Norte na competição. Mas é algum avanço.

IMPodemos esperar como consequência do processo uma menor interferência norte-americana na relação entre as Coreias, também considerando o tom “isolacionista” gestão Trump no plano internacional?

Denilde Holzhacker – Um dos pontos que pode ser negociado são os treinos militares conjuntos entre Estados Unidos e Coréia do Sul. Tanto a Coréia do Sul, quanto os Estados Unidos afirmaram que manterão a cooperação militar. A Coreia do Sul continuará sendo aliado importante norte-americano e preserva a sua segurança. Não há indícios que tenha uma mudança da política externa norte-americana para a Ásia, neste sentido. No entanto, pode ser importante para os Estados Unidos diminuir as tensões militares e poder se voltar para a questão comercial, visto que a tensão com a China tende a aumentar com as últimas decisões.

Rodrigo Gallo – Não creio que veremos uma redução da participação norte-americana nos problemas coreanos. A questão é que, em minha análise, o problema em si não será resolvido. Como já mencionei, o máximo que espero é uma suspensão dos testes, mas não a unificação das Coreias e nem a extinção do programa nuclear. Logo, a presença de tropas norte-americanas na Coreia do Sul deve ser mantida, assim como as pressões e embargos devem continuar — ainda mais porque o governo chinês tem sido favorável às sanções.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.