Se tudo der errado, Câmara pode aprovar “melhor dos mundos” para a reforma política

Com a derrota da ameaça do "distritão", mundo político pode focar em aprovar medidas que reduzam número efetivo de partidos; ofensivas pelo fundo eleitoral, contudo, ainda assustam

Marcos Mortari

Brasília - Plenário da Câmara dos Deputados, durante pronunciamento do Presidente Temer. Foto José Cruz/Agência Brasil

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SÃO PAULO – A rejeição da mudança no sistema de eleição para deputados federais e estaduais e vereadores pelo plenário da Câmara na noite da última terça-feira (20) lança dúvidas sobre o que os parlamentares conseguirão aprovar em termos de reforma política, tendo em vista o prazo cada vez mais curto. Até o momento, foi possível aprovar na casa legislativa, apenas em primeiro turno (contudo, sem conclusão sobre os destaques), o relatório da deputada Shéridan (PSDB-RR) para a PEC 282/16, que trata do fim das coligações proporcionais e da criação de uma cláusula de desempenho para os partidos. A medida ainda precisa passar por outra votação com maioria de 3/5 para avançar para o Senado, casa autora do projeto que revisará as mudanças propostas pela Câmara.

Contudo, não se sabe se, por falta de tempo ou até mesmo por alterações ainda debatidas pelos deputados, as regras, caso aprovadas, valerão para as próximas eleições. Pelo texto até o momento aprovado, estão preservadas as prerrogativas dos partidos para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias (governador, prefeito, senador e presidente da República), “vedada a sua celebração nas eleições proporcionais” (deputados e vereadores). A regra valeria a partir de 2018, mas há destaques tentando adiar tal vedação.

Quanto à cláusula de desempenho, haverá uma transição até 2030 quanto ao índice mínimo de votos obtido nas eleições para a Câmara dos Deputados ou de deputados federais eleitos. Esse índice será exigido para acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de rádio e televisão.

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Do conjunto de propostas que tratavam de alterações no sistema eleitoral, relatado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), apenas um ponto ainda tem alguma chance de vingar. É a polêmica criação de um fundo próprio para financiamento de campanhas, com recursos públicos. Segundo ele, é possível a casa aprovar o fundo de forma infraconstitucional, por lei ordinária (PL 8612/17), e depois aperfeiçoá-lo em PEC. Com a proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais, o mundo político busca alternativas. Na avaliação de muitos deles, os cofres da União seriam a melhor saída.

“A Reforma Política vai virando água: o mais provável é que nos próximos dias deputados e senadores busquem uma forma de viabilizar recursos do orçamento da União para viabilizar as campanhas do ano que vem. Esse será o foco. A PEC do fim das coligações e cláusula de barreira só valerá em 2020 ou 2022, pelo andar da carruagem”, observou a equipe de análise política da XP Investimentos. Com o prazo chegando ao fim — para valer nas próximas eleições, as regras precisam ser aprovadas pelo menos um ano antes do pleito –, o foco passa a ser o financiamento das campanhas.

Uma opção para o caso de a Câmara não avançar com as discussões sobre o fundo tem sido ventilada no Senado. Um projeto de autoria do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) propõe que o horário de propaganda eleitoral gratuita ocorra apenas em emissoras de TV e rádio públicas, o que geraria uma poupança estimada em R$ 1 bilhão. Esses recursos seriam utilizados para cobrir um fundo gerido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para ser usado no financiamento eleitoral dos partidos. Tal ideia ganha força entre os parlamentares na medida em que alternativas começam a ruir.

Fim das coligações: dentro do possível, o melhor dos mundos

O fracasso nas tentativas de alterar o sistema eleitoral para deputados e vereadores do modelo proporcional para o “distritão” provocou alívio de muitos especialistas. Conforme mostrou o cientista político Jairo Pimentel, professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), não é tarefa fácil encontrar na academia um defensor do modelo que os deputados discutiam. Na avaliação do também cientista político Vítor Oliveira, diretor da consultoria Pulso Público, ao contrário do que se pode imaginar, o sistema eleitoral brasileiro tem importantes virtudes, sobretudo no que diz respeito ao favorecimento da renovação em caso de eleições proporcionais. Em termos de representatividade e fortalecimento dos partidos, o modelo também apresenta qualidades, a despeito das críticas por ser considerado caro.

“Culpamos nosso sistema eleitoral por problemas que não são dele. Pelo contrário: acho difícil pensar em um arranjo que favoreça mais a renovação, dentro desse quadro que temos de governo representativo e instituições, do que temos no Brasil. Distritos grandes, sistema proporcional, lista aberta, financiamento privado de alguma forma. Se a renovação não acontece do jeito e da forma como queremos é porque talvez exista outro problema”, criticou Oliveira durante o programa InfoMoney/UM BRASIL. “Nosso sistema eleitoral é bom: os caras estão com medo de perder o lugar lá. De alguma forma, nosso sistema eleitoral proporcional de lista aberta funciona para tirar quem é corrupto de lá. E eles sabem que o sistema é assim”.

No mesmo sentido, o cientista político e professor Humberto Dantas, que também participou do programa, lembrou que, na Câmara dos Deputados, a taxa de renovação costuma ser na faixa de 40% a 50% a cada eleição, o que não ocorre em disputas para cargos no Executivo ou no Senado Federal. Para ele, a solução está em reaproximar partidos políticos e sociedade. “Quando os partidos políticos vão se aproximar da sociedade entender que é nela que está a solução? Quando a sociedade vai se convencer de que partido é alguma coisa razoável em termos daquilo que chamamos de democracia representativa?”, questionou.

Para Oliveira, somente o fim das coligações para eleições proporcionais já provocaria uma mudança importante para a política brasileira. A medida poderia reduzir o número de partidos efetivos e a fragmentação na Câmara, facilitando a governabilidade e negociações em torno de matérias.

Nem tudo são flores: o fundo partidário

Não será fácil para os deputados aprovar o repasse de recursos público para o financiamento eleições, após as fortes críticas a ele feitas. A ideia de se instituir um fundo de 0,5% da recente corrente líquida — que corresponderia a cerca de R$ 3,6 bilhões em 2018 — provocou indignação na sociedade, em um momento de ajuste fiscal, e os parlamentares recuaram. Mesmo assim, Oliveira diz que há outras saídas para o mundo político caso o novo “fundão” não vingue.

“Eles não precisam de um novo fundo eleitoral para resolver esse problema. Eles não precisam, inclusive, respeitar a anterioridade de um ano [antes das eleições para as mudanças vigorarem no próximo pleito], basta inchar o fundo partidário. Eles fariam campanha por meio de dívida e, depois, pagariam com recursos do fundo partidário [já existente]. O fato de eles terem certeza desse recurso futuro já faz com que fiquem tranquilos para organizar a campanha”, complementou.

Levando-se em consideração os valores propostos pelo governo para o fundo partidário ao longo do ano, observa-se uma disparada de R$ 264,3 milhões no último ano de eleições gerais (2014) para R$ 888,7 milhões em 2018, ou 236,2%. Do ponto de vista dos valores aprovados pelo Congresso, o salto foi de R$ 371,9 milhões em 2014 para R$ 819,1 milhões em 2017, ou 120,2%.

Se tudo der errado, comemore

Quando o risco de derrota é iminente, o empate pode ser motivo de festa. Se as articulações em torno do vultoso fundo eleitoral tiverem o mesmo destino que a ofensiva em torno do “distritão”, os principais fantasmas da reforma política em discussão poderão ter sido dissipados. Se tudo permanecer como está, pode não ser má notícia.

Além disso, levando-se em consideração que as chances de aprovação da PEC 282/16, é possível que o melhor cenário dentro do possível oferecido pela atual reforma política seja aprovado. Sem um fundo enorme de recursos públicos para financiar as eleições, sem distritão, mas com o fim das coligações.

(com Agência Câmara)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.