Nova denúncia de Rodrigo Janot só tem um grande prejudicado (e não é Michel Temer)

Mundo político entra em compasso de espera até sessão decisiva no Supremo Tribunal Federal

Marcos Mortari

Publicidade

SÃO PAULO – A última flecha lançada por Rodrigo Janot antes de deixar o cargo de procurador-geral da República deve ter efeitos limitados sobre o mundo político. Ao contrário do que foi visto na primeira denúncia, apresentada há pouco menos de três meses, a nova peça não ameaça a sobrevivência política do presidente Michel Temer, embora especialistas vejam nela maior consistência jurídica. O peemedebista é acusado de obstrução à Justiça e de liderar uma organização criminosa que operou um esquema de recebimento de propinas de mais de R$ 500 milhões.

“Essa denúncia faz uma narrativa muito diferente. Enquanto a primeira era um fato pontual de corrupção com R$ 500 mil, Janot agora narra 15 anos de um vandalismo político que envolve R$ 500 milhões concentrados na cúpula do PMDB da Câmara e que joga junto com o PT. Ele diz que o sistema montado pelo PT em 2002, do qual se aproveita o PMDB desde então, cresce em 2007, e em 2016 passa a ser liderado pelo Michel Temer”, observou Rubens Gelezer, professor da Escola de Direito da FGV-SP e coordenador do Supremo em Pauta, na última edição do programa Conexão Brasília, pela InfoMoneyTV.

“A narrativa que ele (Janot) oferece para explicar o que aconteceu nos últimos 15 anos, além de ter mais força, tem uma repercussão grande com a população e aumenta o custo político de apoio para Temer neste momento”, complementou o especialista. Para ele, deu força política à peça a decisão tomada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, na última semana, de chancelar a reputação e a atuação de Rodrigo Janot. “Quando a defesa de Michel Temer pediu para que ele, de alguma maneira, fosse julgado suspeito e estava querendo minar sua credibilidade, o Supremo não fez somente dizer que essa era uma suspeita infundada, ele protegeu, dando fôlego a essa denúncia. O STF protegeu Janot e sinalizou a Raquel Dodge que essa é uma postura que ele vai chancelar na Lava Jato”, disse.

Continua depois da publicidade

A despeito da maior consistência jurídica, com provas mais robustas e depoimentos que vão além dos próprios executivos do grupo J&F, mas também o próprio operador financeiro do núcleo político do PMDB na Câmara dos Deputados, as expectativas são de que o presidente não enfrente grandes dificuldades para derrubar essa segunda denúncia no plenário da casa legislativa. “A denúncia não terá um juízo jurídico na Câmara, será um juízo político. O presidente Michel Temer vai usar dos mesmos instrumentos que usou na primeira denúncia, vai fazer uma liberação de emendas, vai destravar a nomeação para cargos, que é o jogo que eles sabem jogar nessa relação com o Congresso, e deve se livrar dela também”, observou o analista político Richard Back, da XP Investimentos, também durante o último programa Conexão Brasília.

Outro fator que pode ajudar o presidente está no próprio despacho do ministro Edson Fachin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, que decidiu aguardar o julgamento da suspensão do envio da denúncia feito pela defesa de Temer para somente depois enviar a peça à Câmara dos Deputados. O magistrado submeteu o encaminhamento do texto a avaliação do Pleno da Corte. “Quanto mais tempo essa denúncia ficar no Supremo, mais manobra pode ter na Corte por parte de outros ministros, e mais espancada ela chega na Câmara. Politicamente, ela chega mais fraca, porque os aliados vão dizer que o Supremo não quer liberá-la porque tem dúvidas, e, se tem dúvidas, o presidente é vítima, e não ator dessa coisa toda. E todo esse ambiente criado com a controvérsia com a delação da JBS vai acabar ajudando quem, no Congresso, vai defender o presidente Michel Temer por essa linha”, observou Back.

Por outro lado, a decisão de Fachin traz ainda mais incertezas ao mundo político, uma vez que qualquer ministro pode pedir vistas sobre o processo ou a sessão pode durar mais do que o previsto e não ser concluída na data esperada. Se de uma forma, evita-se que a denúncia chegue à Camara, também não se sabe em que momento isso poderia acontecer (caso aconteça). Observando-se que o peemedebista hoje conta com o apoio necessário para derrubar a denúncia sem sustos, uma demora em seu envio pode jogar contra o governo. “Para o presidente Temer, há um lado negativo, que é o de atrasar o envio da denúncia e também atrasar sua tramitação na Câmara, que deve ser rápida”, explicou o analista da XP. Para ele, a decisão de Fachin não tem lastro, e a única coisa que lhe cabia nessa situação era receber a peça e encaminhá-la à casa legislativa. “O Supremo não tem instrumentos legais, a não ser jabuticabas, para segurar isso”. Portanto, pode ser uma manobra favorável ao presidente, como também pode prejudicá-lo, tendo em vista as incertezas abertas e a possibilidade de envio da peça em um momento pior para ele.

Caso a denúncia não conte com novos atrasos no STF, ela será enviada para a Câmara e deverá atrasar a tramitação da agenda de reformas do governo. Se Michel Temer não corre grandes riscos com a denúncia, a PEC 287/2016, que trata da reforma da Previdência pode sofrer novos atrasos — o que naturalmente reduz suas chances de aprovação. Em uma tentativa de dissipar a preocupação do mercado com esse cenário, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou, na última semana, que o calendário para a proposta se manteria mesmo com a denúncia. Ou seja, ela seria votada em outubro pelo plenário da Câmara.

“Esse é um desejo grande do Meirelles e do Planalto, mas a gente sabe que a prática não funciona desse jeito. O Planalto até fala, de alguma maneira, em tentar fazer com que coexistam a denúncia e a negociação para a Previdência, mas a Câmara deu exemplo, há poucas semanas, quando estava discutindo a Reforma Política, de que não consegue se concentrar em duas coisas grandes ao mesmo tempo. A TLP foi um sufoco para conseguir votar durante a tramitação da Reforma Política. Com as reformas, parece que vai acontecer a mesma coisa. O governo agora vai ter que deixar um pouco de falar em Previdência e começar a se concentrar em salvar o próprio pescoço”, avaliou Paulo Gama, analista político da XP Investimentos durante o programa Conexão Brasília da última sexta-feira.

“Talvez até faça sentido para o governo continuar falando na Reforma da Previdência, colocá-la como objetivo possível, porque isso mostra que ele continua com agenda e que não está refém dessa denúncia, mas, na negociação, na hora de a Casa Civil e a Secretaria de Governo sentarem com os deputados, eles terão de falar primeiro na denúncia, depois na Previdência”, complementou o especialista. Segundo ele, as coisas deverão ficar em suspenso no parlamento até meados desta semana, quando ocorrerá a sessão no Supremo que decidirá os rumos da denúncia. Neste caso, há dois cenários possíveis:

1) Se a denúncia for encaminhada à Câmara, a Previdência volta a ser congelada temporariamente para que o governo concentre esforços em derrubá-la e salvar o pescoço de Michel Temer, mesmo que a vitória seja dada como altamente provável para ele;

2) Se a denúncia não chegar à casa legislativa, seja porque um ministro do Supremo pediu vistas ou a Corte decidiu aguardar por uma avaliação mais cautelosa sobre a validade das provas obtidas no acordo com os executivos da J&F, um outro ritmo de expectativas se forma, com a possibilidade de avanços nas negociações da Previdência.

Enquanto isso não acontecer, tudo parado em Brasília e muita especulação no mercado.

* O programa Conexão Brasília vai ao ar às sextas-feiras, a partir das 14h45 (horário de Brasília)

Newsletter

Infomorning

Receba no seu e-mail logo pela manhã as notícias que vão mexer com os mercados, com os seus investimentos e o seu bolso durante o dia

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.