Hedge político: como uma estratégia tão comum no mercado pode ‘salvar vidas’ em Brasília?

Na prática, o mundo político busca a garantia da sobrevivência em meio a um inverno rigoroso, construindo regras mais favoráveis ao êxito em 2018

Marcos Mortari

Brasília - Plenário da Câmara dos Deputados, durante pronunciamento do Presidente Temer. Foto José Cruz/Agência Brasil

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SÃO PAULO – Nos últimos dias, a Câmara dos Deputados intensificou as discussões do que ficou equivocadamente classificado como uma “reforma política”. Embora o nome sugira um debate sobre questões mais amplas, na verdade, a maior parte dos pontos tratados se restringe a mudanças nas regras eleitorais, o que faz com que, para valerem no próximo pleito, tenham que ser sancionadas até outubro. Entre diversas propostas, o texto que poderá ser analisado em plenário ainda nesta quarta-feira traz três mecanismos principais, que tendem a ser úteis para a sobrevivência política de diversos parlamentares, em tempos de cerco com investigações, medidas impopulares em deliberação e a crescente desconexão entre representantes e representados. A tríade da salvação será destrinchada mais adiante. 

Na prática, o mundo político busca a garantia da sobrevivência em meio a um inverno rigoroso. A ideia seria construir regras que o favoreça na disputa pela reeleição ou candidatura a outros cargos eletivos em 2018. Na linguagem do mercado financeiro, o que se está costurando nada mais seria do que um hedge: a busca por proteção contra a volatilidade nos preços, estratégia muito adotada nos mercados de commodities e câmbio. Pois bem, é estabilidade que busca o establishment em Brasília. Seria difícil imaginar que parlamentares eleitos escolheriam um sistema que os prejudicasse em disputas futuras. É nesse contexto em que se insere a atual reforma política.

Para entender como isso se aplica à prática, debrucemo-nos ao que anteriormente chamamos de tríade da salvação:

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1) O “distritão”

Na semana passada, foi aprovada em comissão especial uma emenda que propõe o fim do atual sistema proporcional para a eleição de deputados federais e estaduais e vereadores. A ideia seria instituir o chamado “distritão” — ou seja, são eleitos os mais votados por região –, como uma espécie de transição para o modelo distrital misto, que poderá entrar em vigor a partir de 2022. Pelo distrital misto, metade dos eleitos seria selecionada pelo sistema de listas ou o atual modelo proporcional, e metade pelo voto majoritário em cada distrito previamente definido.

A grande maioria dos analistas políticos rejeita o sistema “distritão”, por entender que ele promove o personalismo e reduz o papel dos partidos, além de estabelecer uma fragmentação ainda maior ao Legislativo com custos de negociações ainda maiores aos governantes. Além disso, a medida amplia a importância do dinheiro nas campanhas, em um momento em que contribuições de empresas estão proibidas. A possível mudança também reduziria o cardápio de candidatos oferecidos pelos partidos aos eleitores e favoreceria a maior oferta de celebridades, ex-jogadores de futebol e líderes religiosos no mercado político.

No entanto, uma das grandes expectativas do establishment com tal sistema eleitoral é que o ingresso de novas lideranças seja dificultado. Isso porque os partidos tenderão a reduzir o número de candidatos, visto que a competição entre nomes da própria legenda a prejudicaria no pleito. Como o financiamento privado só é permitido a pessoas físicas e essa não é uma tradição nacional, a dependência dos candidatos na distribuição de recursos do fundo partidário e do fundo que deve ser criado para financiar exclusivamente as eleições tende a crescer. Contudo, os postulantes ficam à mercê das decisões das cúpulas partidárias sobre como a distribuição do dinheiro será feita. Se falta democracia interna nas legendas, os caciques triunfam ao passo que os novatos dificilmente encontram espaço para crescer.

Em suma: se só os mais votados são eleitos, menos candidatos serão lançados pelos partidos. Com isso, os recursos tendem a ser cada vez mais concentrados nas reais apostas das siglas, o que coloca em vantagem figuras tradicionais da política ou celebridades. O estrangulamento na renovação é um passo importante para tudo continuar como está.

2) O bilionário fundo eleitoral

Os membros da comissão especial que trata dessa “reforma política” também aprovaram a criação de um fundo de campanha com 0,5% da Receita Corrente Líquida, o que corresponde a cerca de R$ 3,6 bilhões. A ideia é compensar a proibição do financiamento empresarial de campanhas com recursos públicos. Há problemas, no entanto, quanto à distribuição interna nos partidos, com candidatos mais vulneráveis às decisões das cúpulas, normalmente pouco democráticas. Para muitos analistas, isso pode trazer uma oligarquização ainda maior da política brasileira.

Um vultoso fundo eleitoral seria o mundo dos sonhos dos parlamentares. Isso porque eles conseguiriam obstruir — ou ao menos dificultar — o acesso de potenciais novas lideranças à política e estariam livres dos constrangimentos e dificuldades que a busca pelo financiamento empresarial trazia. Mais um ponto para os caciques. Isso sem considerar o fato de não haver garantias que o caixa dois ou quaisquer favorecimentos de pessoas jurídicas estariam, de fato, fora do jogo.

3) Candidaturas casadas

O último pilar do hedge do mundo político para se manter no poder foi aprovado ontem na comissão especial na Câmara. Os deputados membros do colegiado mantiveram no texto a possibilidade de, se adotado o sistema distrital misto em 2022, um candidato disputar mais de um cargo no mesmo pleito – um cargo majoritário e outro proporcional, por meio das listas preeordenadas. Ou seja: o político X pode disputar uma eleição para governador, mas, ao mesmo tempo, tentar ser deputado federal. Se o primeiro plano falhar, ele pode ficar com o segundo. La garantia soy yo.

Vale lembrar que, para entrarem em vigor, as medidas precisam ser aprovadas pelos plenários da Câmara e do Senado. A maior parte das propostas tratadas pelos deputados são emendas constitucionais, o que exige maioria de 3/5 em dois turnos de votação nas duas casas.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.