“A intenção do governo não é reformar a Previdência”, alerta procurador da Fazenda

Em entrevista ao InfoMoney, o procurador Achilles Frias diz que texto defendido pelo governo promoverá um desmonte no sistema previdenciário brasileiro. Ele pede o aprofundamento da discussão e que a agenda seja conduzida pelo próximo presidente eleito

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Promover uma reforma no sistema previdenciário é uma necessidade do país, mas a condução dessa agenda deveria ficar reservada para o próximo governo eleito. Essa é a leitura que faz Achilles Frias, procurador da Fazenda Nacional e presidente do Sinprofaz (Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional), que diz não haver sustentação para o presidente Michel Temer avançar de maneira segura em um tema tão espinhoso. As posições dele se contrapõem a algumas das alegações quase consensuais no mercado.

“Não existe realmente condição política, não existe legitimidade, e agora muito menos condição moral, para o atual governo levar a cabo, neste momento, uma reforma tão drástica para o País. A gente sabe que esse governo está com uma popularidade muito ruim, não tem tido aceitação dos mais variados setores, então talvez fosse mais interessante esperar o início do próximo governo para fazer uma reforma mais séria”, afirmou em entrevista por telefone ao InfoMoney.

O procurador entende que reformar o sistema previdenciário é uma necessidade, como consequência das mudanças na pirâmide demográfica brasileira, com o aumento da expectativa de vida e a tendência de queda nas taxas de natalidade. No entanto, ele refuta a narrativa de que hoje há déficit na seguridade social e sustenta que as medidas propostas pelo governo Michel Temer promovem injustiça social, punindo severamente a camada mais pobre da população.

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“Entendemos que uma reforma é necessária, mas ela não deveria ser feita nos atuais termos. Considero a medida muito injusta com o assalariado, o brasileiro que faz o trabalho pesado. Sabemos que infelizmente no Brasil temos situações diferentes, querer colocar padrões europeus é muito complicado. Se falarmos no Sul, nem tanto, mas, no Nordeste, a expectativa de vida é bem inferior, de modo que, boa parte dos brasileiros, sobretudo os que ganham menos e trabalham em serviços manuais, serão condenados realmente a trabalhar até morrer”, argumentou Frias.

“Hoje não há déficit. Isso é comprovado cabalmente, se levar em conta cota a arrecadação, os tributos e o que realmente é Previdência e o que não é. Agora, tendo em vista o aumento da expectativa de vida, é óbvio que ajustes devem ocorrer. É necessária uma reforma, mas não nos termos draconianos que estão postos, sobretudo no caso dos trabalhadores braçais em regiões menos favorecidas. Teria que ser uma reforma mais bem estudada, mais complexa, para não prejudicar as contas públicas, mas também para permitir que os cidadãos, sobretudo os menos abastados, gozem de seu direito à aposentadoria”, defendeu o procurador da Fazenda Nacional.

Frias estima que, no caso de trabalhos manuais de regiões menos favorecidas, entre 80% e 90% dos trabalhadores ficarão desprotegidos pelo regime que se tenta implementar. “Será uma sorte um trabalhador chegar à idade necessária para aposentadoria com as novas regras no regime geral. Por isso que temos dito que acaba sendo uma extinção da Previdência, e não uma reforma do modo como deveria ser feito”, criticou. “Há um desmonte. Temos dito que a intenção não é reformar a Previdência. Do jeito como foi posta a questão, acabarão extinguindo mesmo o direito do trabalhador à Previdência. Eles vão pagar a vida toda e não usarão o benefício”. O procurador concorda com o mecanismo de correção gradual na idade para obtenção do benefício, mas defende que haja uma ponderação para que se chegue a uma situação mais equilibrada.

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Na avaliação do entrevistado, embora não seja o momento para a votação da medida no atual governo, é possível avançar nas discussões, mas com maturidade e levando em consideração “a análise real das contas [públicas] e um aumento na proporção da idade de aposentadoria”. Ele defende que o processo não se pode dar “no atropelo” e com base na “falsidade dos dados apresentados pelo próprio governo”. “Há uma série de tributos que são arrecadados para a Previdência e o governo acaba não levando em conta de forma correta. Por outro lado, ele coloca algumas despesas como contras da Previdência que não são. Com isso, as projeções também estão erradas, porque levam a mesma base”, confrontou.

Segundo o procurador, a atual crise econômica, que tem prejudicado a arrecadação da União de maneira generalizada, além da alteração na destinação de recursos por meio da Desvinculação de Receitas da União e a própria cultura da sonegação fiscal têm contribuído na distorção da atual situação da Seguridade Social, mesmo que a discussão de uma reforma seja necessária. “Todas essas situações são indicadores de que devemos realmente fazer um estudo sério. O governo, como interessado, isento e honesto, deveria ter muito cuidado ao trazer esses números, ele não pode manipular os dados como está fazendo. O governo não vai quebrar em um ano e meio, porque até hoje o déficit não existe, ele está na iminência de acontecer. Precisamos ajustar, mas temos tempo para isso. Até porque estamos atravessando a maior crise política e econômica do país, a dificuldade é generalizada”, observou.

“Aproveitar uma situação de crise para fazer um terrorismo fiscal e dizer que a coisa precisa ser completamente desfeita, extinguindo mesmo uma instituição, é muito delicada. Nós qualificamos essa reforma da Previdência como oportunista. Se, nos períodos de crise, nós pudermos acabar com todo o sistema anteriormente vigente, todo momento em que houver uma situação excepcional vamos ter que destruir o Estado para depois recriar. O oportunismo da reforma é muito grave e a gente precisa ter muito cuidado para não se deixar levar pelo desespero”, defendeu Frias.

Efeitos na economia

Além da esperada redução no número de trabalhadores que conseguirão cumprir os requisitos exigidos, a nova proposta também pode agravar o quadro recessivo. Enquanto o governo argumenta que uma sinalização de sustentabilidade para as contas públicas deve atrair investimentos e conduzir o país a um crescimento mais consistente, Frias chama atenção para o que pode ser perdido em termos de consumo.

“Há um desespero muito grande por parte dos municípios pequenos, porque eles sobrevivem em uma renda muito baixa dos trabalhadores, muitos deles aposentados. Vai ser dinheiro que vai ser tirado de circulação e vai prejudicar pequenos comerciantes e prestadores de serviço. Há um grande interesse em fazer a economia se recuperar e o governo está colocando medidas que vão gerar ainda mais recessão”, critica o procurador, que defende a protelação da aprovação de alterações no sistema previdenciário para o próximo governo eleito.

A outra ponta do nó

Na avaliação do procurador da Fazenda, existe uma seletividade na narrativa do ajuste fiscal, adotara pelo governo. De um lado, há um discurso duro de seriedade com as contas públicas e controle de gastos, ao passo que, de outro, há frequentes iniciativas de flexibilização tributária e perdão de dívidas dos próprios parlamentares e seus financiadores. “O governo faz um discurso para fora, exigindo que o trabalhador pague a conta com a reforma Previdência, e protege seus parlamentares e seus financiadores, que são grandes devedores”, salienta, em referência ao novo programa de refinanciamento de dívidas (Refis), que pode culminar em um desconto de até 99% em multas e juros de dívidas de empresas.

Para Achilles Frias, está ocorrendo um sucateamento intencional da própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o que prejudica na recuperação da dívida ativa da União, sendo uma parte dela responsável pelo descompasso nas contas da Previdência. Segundo o procurador, cerca de 20% da dívida ativa seria referente à Seguridade Social. “O grosso do estoque da dívida ativa da União e também da sonegação concentra-se nos grandes, nos poderosos, e são esses que financiam as campanhas de quem está no poder. Existe um jogo para proteger, para evitar que essas dívidas sejam cobradas”, alegou.

“A ideia é realmente sucatear para não incomodar os grandes e, mais à frente, privatizar a dívida ativa da União para passar a cobrança para os bancos, que também são grandes devedores. Agora, será que os bancos vão cobrar deles mesmos?”, provocou.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.