Como seriam as regras de uma nova eleição em caso de queda de Michel Temer?

Pelo atual ordenamento jurídico, a saída do presidente seria seguida por eleições indiretas a serem convocadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, mas o processo é marcado por mais dúvidas que certezas

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – As acusações de um suposto envolvimento na compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e o operador Lúcio Funaro colocaram o governo Michel Temer em sua mais grave crise desde seu início, há pouco mais de um ano. Embora o peemedebista tenha sido enfático ao negar a renúncia ao cargo e a divulgação dos áudios tenha sido interpretada como menos comprometedora do que se esperava, a situação ainda é marcada por grande incerteza. Há dúvidas sobre a capacidade de sustentação do atual governo no parlamento e o nível de apoio do mercado, dada a ameaça às condições de se aprovar a agenda de reformas nessa conjuntura. E se Michel Temer cair — seja por renúncia, impeachment ou cassação de chapa –, o que acontece? A seguir, listamos alguns passos que o Direito brasileiro estabelece:

Pelo atual ordenamento jurídico, a saída de Michel Temer seria seguida por eleições indiretas a serem convocadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), primeiro na linha sucessória, em até trinta dias, conforme determina a Constituição Federal:

Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.

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Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

§ 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.

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Apesar disso, dada a situação de crise de legitimidade do Congresso, o que se discute é a pertinência de tal mecanismo. “O grande problema é a instabilidade em que praticamente se tirou a legitimidade de uma eleição indireta”, analisa o advogado de Direito Constitucional Marcones Santos, sócio do escritório Lopes, Leite & Santos Advogados Associados.

De acordo com o especialista, a regulamentação do mecanismo das eleições indiretas é precária, por se tratar de lei anterior à própria Constituição Federal e que reflete outro contexto social e político do país: a lei 4.321, de abril de 1964. Ela prevê (os grifos são desta reportagem):

Art. 2º Para essa eleição, o Congresso Nacional será convocado por quem se encontre no exercício da Presidência do Senado, mediante edital publicado no Diário do Congresso Nacional, com a antecedência de, pelo menos, 48 (quarenta e oito) horas, e do qual deverá constar a data e hora da sessão.

Parágrafo único. A sessão não deixará de ser aberta nem será suspensa, por falta de quorum, devendo prosseguir até que este se verifique, vote, pelo menos, a mencionada maioria e termine o processo de votação, com a proclamação dos eleitos.

Art. 4º A eleição processar-se-á mediante voto secreto e em escrutínios distintos, o primeiro, para Presidente, e o outro, para Vice-Presidente.

Art. 5º Observar-se-á na votação o seguinte:

§ 5º Considerar-se-á eleito o candidato que alcançar o voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional.

§ 6º Não sendo obtida a maioria absoluta, por qualquer dos candidatos, repetir-se-á o escrutínio.

§ 7º Se, após dois escrutínios, nenhum candidato alcançar a maioria absoluta dos sufrágios, considerar-se-á eleito aquele que, no terceiro, obtiver a maioria dos votos apurados, e no caso de empate, o mais idoso.

Ou seja, em eleições indiretas, juntam-se deputados e senadores para a votação e será eleito o candidato que conseguir alcançar os 298 votos correspondentes à maioria absoluta do Congresso — considerando-se os 513 deputados e 81 senadores. Caso em uma primeira ou segunda votações isso não ocorrer, vence o pleito o mais votado em uma terceira votação.

“A constitucionalidade [de tal ordenamento jurídico] é questionável”, diz Marcones Santos. “O Legislativo deveria ter trabalhado nessa questão”, lamenta. “Todo arcabouço que a lei de eleições prevê é para eleição ordinária”, lembra o advogado eleitoral, o que abre grandes espaços para questionamentos jurídicos do processo e demanda um papel legislador do Supremo Tribunal Federal, como foi observado em alguns momentos durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Apesar de toda a incerteza, ele ressalta: a previsão de 30 dias para a convocação de nova eleição é um dos poucos pontos de maior certeza em caso de confirmação do cenário de queda do peemedebista.

QUEM PODE SER CANDIDATO?

A lei complementar nº 64, de maio de 1990, determina que só pode concorrer quem não estiver em cargos no Executivo, Judiciário e Ministério Público pelo menos seis meses antes do pleito. Neste caso, nenhum ministro de Estado, prefeito, governador ou magistrado poderia buscar suceder Michel Temer. Ou seja, nomes como João Doria, Cármen Lúcia ou Sérgio Moro seria inelegíveis por essa regra.

Poderiam se candidatar à presidência da República nesse possível mandato-tampão deputados federais e senadores, assim como qualquer brasileiro com 35 anos de idade ou mais e que seja filiado a um partido político seis meses antes do pleito. Sendo assim, alguns nomes possíveis são: Lula, Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim, Rodrigo Maia etc. No entanto, nem mesmo as definições de desincompatibilização são favas contadas. Na avaliação de Marcones Santos, tudo dá margem a interpretações, já que se trataria de uma eleição programada.

E AS ELEIÇÕES DIRETAS?

Mesmo durante a Constituinte, o tema das eleições indiretas foi por muito tempo preterido em comparação com o voto popular direto. O fator estabilidade e até os custos de um pleito direto extraordinário foram considerados para justificar a vitória do pleito congressual em caso de metade do mandato já ter sido concluída. Para garantir uma estabilidade institucional, optou-se por tal saída, que hoje tende a enfrentar questionamentos sobre a legitimidade do atual parlamento em decidir sobre a liderança responsável por conduzir o país.

“A necessidade de uma eleição é uma questão premente. O melhor cenário seria a realização de eleições diretas”, defende Marcones Santos. Apesar disso, o especialista ressalta que seria necessária edição de uma proposta de emenda constitucional, uma vez que hoje a carta magna fala em eleições indiretas. Segundo ele, nem mesmo interpretação minoritária no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a possibilidade de a “reforma política” aprovada pelo Congresso no ano passado ter aberto espaço para uma interpretação sobre eleições diretas em caso de cassação da chapa.

O advogado especialista em legislação eleitoral, porém, ressalta a dificuldade de se aprovar uma PEC em tempo recorde. “Há um desencontro entre a necessidade e o tempo procedimental que o parlamento demandaria. Existe pressão muito grande para eleição direta, mas o parlamento pode agir com instinto de sobrevivência, porque são sabedores que eleição direta poderia provocar mudança generalizada”, observou. Atualmente há projetos deste teor tramitando no Congresso, mas é importante lembrar que PECs, para serem aprovadas, precisam passar pelas comissões e votações em dois turnos em cada casa, com quórum de 3/5.

Em meio a tantas incertezas, as expectativas são de que, mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal cresça e ocupe lacunas, estabelecendo os marcos do rito, caso o processo se confirme, e deliberando a briga política que for judicializada. “No cenário de hoje, acredito que haverá margem para criação do Supremo muito grande”, conclui Marcones Santos.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.