Polarização, luta de classes e messianismo: socióloga analisa manifestações sobre Lula em Curitiba

O cenário na capital paranaense é de polarização, mas de respeito entre as partes pelo direito de se manifestar, conforme conta Esther Solano

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – As movimentações em torno do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz federal Sergio Moro pela operação Lava Jato nesta quarta-feira (10), em Curitiba, atestam para um evento jurídico que há muito tempo extrapolou a esfera política e assume grandes proporções em nível social. De um lado, grupos de assentados, trabalhadores sindicalizados, militantes e até lideranças políticas se mobilizam em apoio ao comandante petista, enquanto do outro, manifestantes em verde-amarelo, em sua maioria de classe média, pedem sua condenação pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro dos quais Lula é acusado de ter cometido.

O cenário na capital paranaense é de polarização, mas também de respeito entre as partes pelo direito de se manifestar, conforme conta a socióloga Esther Solano, que se deslocou de São Paulo a Curitiba para acompanhar de perto o evento, como pesquisadora que não saiu das ruas desde as jornadas de junho de 2013. “As pessoas estavam pensando que estaria um clima muito hostil, mas não. Me surpreendeu a organização. O clima está tranquilo para o peso do momento”, observou em conversa com o InfoMoney por telefone.

A professora de Relações Internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) transitou pelos dois grandes grupos de manifestantes durante esta quarta-feira. No lado apoiador a Lula, ela chama atenção para a força de um discurso de luta de classes, que associa a imagem do ex-presidente a uma liderança representativa e responsável por mudanças importantes na vida desses grupos de mais baixa renda. Neste caso, a luta vai além do próprio petista, mas da representação de uma camada da sociedade, que se vê ameaçada pelo avanço da exclusão. “Todo mundo [deste grupo manifestante] falava: ‘Lula foi o único que mudou um pouco nossa vida’. Há uma grande identidade com ele”, afirmou a pesquisadora.

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Na avaliação dela, contribui para um acirramento dessas posições o receio de percepção de piora de vida da base da sociedade com o governo Michel Temer e a agenda de reformas. A especialista vê uma situação de desespero e conta que chegou a ouvir o seguinte questionamento de alguns manifestantes: “Se eles prenderem Lula e continuarem com Temer, o que nos sobra?”. As agendas se misturam e é neste caldo de cultura em que também se encontra a narrativa de que Lula e o PT seriam vítimas de uma perseguição do Judiciário. “Essa narrativa do vitimismo está muito forte. As pessoas falavam comigo: ‘Lula está sendo perseguido porque ele representa o povo. Moro e o Judiciário representam a elite, a Globo’. ‘O Moro é a elite e a elite nos odeia’. ‘Se prender Lula, seria uma ofensa. Vamos entrar em guerra’“, contou Solano.

A luta de classes se faz muito presente neste lado da disputa e caminha em conjunto com a crença de inocência do ex-presidente. Para esse grupo de manifestantes, sequer se cogita a hipótese da apresentação de uma prova incontestável contra Lula. “Se houver apresentação de base sólida contra Lula, a narrativa de perseguição política poderá até fortalecer a identidade do movimento”, afirmou a professora. Ela conta que, quando perguntou sobre a possibilidade de houver uma prova incontestável no processo, a resposta que ouviu é que seria um baque muito forte. “Não estamos prontos para uma prova sólida contra Lula”. Essa foi uma das declarações que registrou de um dos assentados presentes na mobilização. Tal crença na inocência do ex-presidente pode ser, juntamente com a sensação de gratidão por uma melhora nas condições de vida, um dos elementos que sustentam a resiliência de Lula nas pesquisas eleitorais, a despeito das denúncias feitas e da exposição negativa diária na imprensa.

Se por um lado, há um messianismo encarnado na figura de Lula na ótica de seus defensores, do outro lado função análoga tem sido ocupada, à sua maneira, pelo juiz Sérgio Moro pelos manifestantes que pedem a prisão do ex-presidente. Nesta quarta-feira, este grupo estava reunido em número menor — também possivelmente por conta do apelo do próprio magistrado para que manifestantes favoráveis à Lava Jato não se reunissem nesta data –, mas contava com diversas manifestações de apoio de carros e transeuntes que passavam pela mobilização. Deste lado, Solano conta que há um predomínio de cidadãos com maior grau de escolaridade e renda. Nos relatos ouvidos pela pesquisadora, destacavam-se os pedidos de prisão do petista e súplicas para que Moro “tire o Brasil a limpo”.

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Entre os vermelhos, o messianismo de Lula. Do lado verde-amarelo, o positivismo acerca do Judiciário, personificado na figura do juiz Moro. Por trás de uma polarização, a racionalidade das narrativas incorpora pontos em comum, embora usados em sentidos opostos. O ponto mais evidente de concordância entre os dois grupos é a descrença nos veículos tradicionais de comunicação. “Ninguém confia na grande imprensa. Há um patamar de deslegitimidade muito grande”, concluiu Solano em breve conversa por telefone com esta reportagem.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.