ENTREVISTA: Temer não é o “super homem” que o mercado pensa, alerta Monica de Bolle

Em entrevista ao InfoMoney, a economista destacou que Temer não é o político certo para comandar as reformas fiscais importantes, mas ressaltou que privatizações podem gerar maior otimismo com economia

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Não espere dias tranquilos para o Brasil agora que Michel Temer deixou de ser interino. Temer seguirá enfrentando muitos desafios para passar as suas pautas de reforma e pouca coisa deve mudar após sair da condição de presidente provisório com o impeachment de Dilma Rousseff. É o que aponta Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, em entrevista exclusiva ao InfoMoney

Espanta-me um pouco que os mercados estejam vendo as coisas de forma muito diferente, achando realmente que será possível fazer coisas que em quaisquer circunstâncias seriam difíceis”, afirma Monica, Sua crítica é pelo fato de Temer ser o “o típico político tradicional, que não bate de frente”, e isso pesa em um momento em que é necessário passar importantes reformas fiscais – ainda mais sobre um governo que sofre de questionamentos sobre a sua legitimidade.

Por isso, a economista faz o alerta: Temer não é “o homem que consegue fazer tudo, o super poderoso que o mercado parece acreditar, e inclusive já deu amplas demonstrações de que não é isso”. Em meio a tantas preocupações, Monica aponta como uma ressalva ao dizer que o novo governo tem uma espécie de “trunfo” na mão que pode ajudar a economia: o programa de privatizações. Fora isso, aponta, é difícil ver grandes avanços.

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Confira a entrevista completa concedida ao InfoMoney:

Monica Baumgarten de Bolle

InfoMoney – Desde que Michel Temer assumiu o governo interinamente, você tem se mostrado pessimista sobre a capacidade dele realizar mudanças, mesmo após ele ser efetivado. Você continua com essa percepção ou acredita que ele possa mudar agora que passou o impeachment?

Monica de Bolle – Estou vendo o pós-impeachment como uma continuidade do que se viu até agora no governo dele, com muitas dificuldades em de fato passarem as reformas que são necessárias. Inclusive, a reforma que mais me preocupa é a da Previdência, porque de fato não houve ainda uma discussão que faça com que a sociedade entenda por que ela é necessária e urgente. Muitas pessoas falam que Temer demonstrou vacilação até agora por ser foi interino, mas não compro muito essas histórias. O que foi demonstrado até agora é que o governo Temer foi de conchavos, como sempre foram governos de conchavos os do PMDB. Então não vejo muita mudança.

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Temer pode até ser um articulador político melhor que a Dilma, uma vez que a capacidade de articulação dela era zero. Mas Temer tem o tipo de histórico do político tradicional, que não bate de frente com ninguém, não tem o tipo de enfrentamento que talvez fosse necessário para passar as reformas necessárias. Isso está muito patente e óbvio nas últimas medidas que foram aceitas, como reajuste para o funcionalismo público, diluição da renegociação da dívida dos estados. Todos esses exemplos que tivemos até agora mostram o tipo de político que o Temer é.

Assim, não é porque o Temer é interino ou não, é porque é assim o estilo dele. 

IM – Mas há razão então para ter algum otimismo com o governo Temer?

MB – Não vejo otimismo com as reformas. Se algo passar, será de forma muito diluída e sem grandes impactos para as contas públicas. A única coisa que vejo com mais otimismo é a possibilidade de um programa sério de privatização. É aí que o governo está apostando algumas fichas importantes. As privatizações não passam pelo Congresso nem pelo sistema político, não precisam de aprovação da população, não precisam de nada disso, o governo tem autonomia para tocar. Se fizerem uma coisa bem feita, podem até conseguir que esse período de otimismo dos mercados prevaleça por um tempo maior. Mas reforma fiscal mesmo, não vejo acontecer.

É importante lembrar que as pressões vão se intensificar por conta dos dois grandes eventos políticos: eleições municipais deste ano e eleições presidenciais de 2018. Com o Congresso muito mobilizado para as eleições deste ano e no ano que vem ele já estará antecipando tudo para as eleições de 2018, a janela do Temer para passar as reformas é curta. Espanta-me que os mercados estejam vendo as coisas de forma muito diferente, achando realmente que será possível fazer coisas que em quaisquer circunstâncias seriam difíceis.

IM – Então você acredita que não passará nenhuma medida de ajuste fiscal?  Até se fala que a PEC do teto de gastos será o grande teste para o governo Temer…

MB – Até a PEC do teto de gastos é meio esquisita, porque depende do que vai passar junto com ela. Passar a PEC do teto sem especificar o que está mudando na Constituição para que os gastos sejam de fato controláveis ao longo prazo é um grande nada. É necessária uma série de alterações para fazer com que o teto seja realmente restritivo ao crescimento de gastos. Por enquanto, as propostas estão muitas soltas e não houve uma discussão muito profunda a população entender de uma forma geral que isso envolve uma perda de benefícios num primeiro momento mas garantirá sustentabilidade no médio prazo. Essas questões estão sendo muito mal encaminhadas com a população. Elas podem até estar bem encaminhadas com os economistas, analistas de mercado e com os formadores de opinião. Ótimo, mas o Congresso Nacional não responde a eles, o Congresso reflete o que a população quer e não está claro para a população o que está sendo proposto.

É neste aspecto que eu não vejo o Temer atuando fortemente. Por exemplo, se houver uma onda contrária muito forte com relação a essas mudanças e a essas perdas de benefício, não vejo como ele vai conseguir enfrentar um Congresso que vai refletir a demanda da população brasileira. Eu não acho que ele seja esse político, o homem que consegue fazer tudo, o super poderoso que o mercado parece acreditar que ele é. Ele já deu amplas demonstrações de que não é isso. É aí que eu esbarro no meu próprio ceticismo e pessimismo em relação à agenda. 

IM – Mas o você deveria ser diferente para as reformas passarem? A economia teria que estar ainda pior, ou Temer deveria ser mais popular…

MB – Não acho que se trate da economia piorar ainda mais, até porque a economia piorou tanto e tanta gente perdeu tanta renda que pensar em pior do que é isso é até criminoso. De maneira alguma. Não precisava sequer ter piorado tanto assim para se ter esse tipo de discussão. O que acontece no Brasil é o seguinte: a reforma da Previdência já é algo difícil de fazer quando se introduz essa ideia numa pauta de campanha eleitoral. Se estivéssemos agora no meio de um processo de eleições para presidente, isso seria com certeza um tema de campanha um tema a ser abordado.

O fato é que a figura do Temer e esse processo muito traumático que o País atravessou não criam boas condições para que se tenha um debate tão sério como é esse da Reforma da Previdência. Vai ter sempre gente achando que esse governo não tem legitimidade para isso. Em qualquer caso de impeachment, por mais necessário que ele seja, sempre será muito doloroso e gera sequelas para o País. Nesse contexto, propor reformas impopulares e mal explicadas à população é temerário.

IM – Então as reformas só devem vingar a partir de 2019, com um governo escolhido pela população?

MB – Exato. Só um governo eleito nas urnas e cuja legitimidade seja dada pelo voto para fazer X, Y, Z, contendo por exemplo neste arcabouço reforma da previdência, terá a capacidade de levar isso a cabo.

IM – Sem as reformas essenciais, como você vê a economia brasileira até o final de 2018, quando ocorrerá a eleição presidencial? 

MB – Há dois cenários. O primeiro é o que eu chamaria de ruim, que é o cenário atual: a economia melhora um pouco, pode estabilizar ou até crescer em 2017 mas não conseguirá reverter a trajetória das contas públicas e nem o suficiente para gerar um sentimento de estabilidade da relação dívida/PIB a médio e longo prazo.

O segundo cenário é um pouco melhor: o governo consegue emplacar um bom programa de privatização, vem dinheiro externo para cá e começa a gerar uma certa movimentação no investimento. Essa movimentação começa a rodar a economia num melhor ritmo, o que daria um quadro até 2018 de que a economia terá um nível de crescimento um pouco melhor, melhorando as contas públicas ainda que não se tenha feito as reformas, deixando-as para o próximo governo eleito em 2018. Esse cenário tem estabilização ou até queda da taxa de desemprego. Porém, a economia melhora mais por conta de privatização e investimentos vindo de um plano de privatização do que porque o governo Temer fez a mágica das reformas que precisam ser feitas. 

IM – Você acha então que o mercado está iludido vendo todo esse potencial de reformas? Acredita que essa lua-de-mel vai acabar em breve?

MB – Depende um pouco do timing, de como as coisas vão andar. Se o governo Temer conseguir anunciar alguma coisa logo depois do impeachment – mesmo que não tenha uma pauta de reformas muito concreta nem perspectiva de muitas reformas passarem no Congresso – ajudará o mercado a manter o atual otimismo que tem prevalecido nas análises.

Do mesmo modo, pode ser que nada disso aconteça e o mercado de repente fique mais pessimista com relação ao governo Temer porque vai passar a enxergar as limitações e as dificuldades para passar essas reformas tão necessárias para o País. Tem um cenário um pouco de bifurcação que depende muito dessa privatização, muito mais do que as reformas em si.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.