Depois de fama de boa gestora, Dilma deixa Planalto com “rótulo” de incompetente

Seis anos depois, afastada por um processo de impeachment, Dilma vê seu mandato corroído mais por acusações de incompetência - especialmente na área econômica

Reuters

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BRASÍLIA (Reuters) – Em 2010, Dilma Rousseff foi eleita presidente da República na onda formada pela enorme popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com a imagem de gestora competente. Seis anos depois, afastada por um processo de impeachment, Dilma vê seu mandato corroído mais por acusações de incompetência –especialmente na área econômica, que seria sua especialidade– do que pela corrupção que assola o governo. 

A presidente surgiu para a política nacional ao ser nomeada por Lula para o Ministério de Minas e Energia. Antes disso, havia sido secretária da mesma área no final do governo de Alceu Collares (PDT) no Rio Grande do Sul e no primeiro mandato do PT, com Olívio Dutra –quando deixou o PDT, seu partido de origem, para aderir ao PT. Ganhou aí a fama de boa gestora, ao conseguir retirar o Estado do racionamento nacional de energia elétrica.

A imagem se consolidou ao longo dos anos no ministério de Lula –depois de Minas e Energia, na Casa Civil– e serviu para ganhar a confiança do presidente, que a escolheu para ser sua candidata à sucessão na Presidência. No entanto, o perfil detalhista e controlador e a pouca paciência com os meandros da política revelaram-se um desastre no dia a dia do governo.

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“Não adianta, ela não gosta de política e não gosta de políticos, muito menos da gente”, diz um senador não petista que pertenceu à base aliada. “Possivelmente Lula não gostava também, mas ele fingia tão bem que a gente até acreditava.”

As diferenças tão acentuadas nos métodos de trabalho chocaram e atrapalharam auxiliares e políticos com quem a presidente tinha de lidar. Lula se movimentava com desenvoltura entre deputados e senadores, driblava pedidos, mas convencia a todos de que receberiam tudo o que queriam, diz um deputado.

Dilma não queria nem ouvir e, especialmente em seus dois primeiros anos de mandato, embalada pela alta popularidade –adquirida especialmente depois de demitir sete ministros sob suspeita de corrupção–, delegava a ministros as negociações com o Congresso, enquanto dissecava cada programa e cada projeto de governo.

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DETALHES
Se Lula atuava como um mediador entre seus próprios ministros –ouvia os dois lados para então decidir– Dilma tinha o hábito de conhecer cada detalhe. Não eram raras as reuniões de horas no Palácio do Planalto ou no Alvorada para “bater” o programa ou projeto, como dizia, analisando cada detalhe e cada número. Um hábito que trouxe da Casa Civil, mas que nunca funcionou na Presidência.

Ela gostava de estar de olho em tudo, mesmo em questões banais como a escolha dos painéis publicitários de programas que seriam lançados pelo governo.

Suas explosões costumavam ser famosas e democráticas: do garçom ao ministro. Ainda em seu primeiro mandato, pelo menos um terço dos titulares do ministério nunca havia despachado com a presidente –em alguns casos, se tinha afinidade com o secretário-executivo, normalmente um técnico, Dilma atropelava o ministro e chamava diretamente seu segundo para reuniões. Os preteridos, no entanto, nem sempre lamentavam.

DIÁLOGO
Entre os auxiliares que a acompanharam na campanha de reeleição, havia a impressão de que a presidente mudaria o tom no segundo mandato.

As manifestações de 2013, quando centenas de milhares foram às ruas protestar contra a qualidade dos serviços públicos, derrubaram sua popularidade à metade e Dilma teria entendido que precisava “se abrir mais, dialogar mais com políticos, movimentos sociais”, de acordo com um ministro que esteve próximo em toda a campanha de 2014.

Mas, apesar do susto, Dilma não mudou tanto quanto seus auxiliares gostariam. Quando a crise econômica começou a corroer a base aliada no Congresso, e as acusações de corrupção se aproximaram perigosamente do Palácio do Planalto, a presidente ainda demorou para cair na realidade. Armada com a certeza da própria honestidade, acreditava que não poderia ser atingida.

Em um gesto para tentar melhorar a articulação política, pediu a seu vice-presidente Michel Temer que assumisse a negociação com deputados que ela não conseguia fazer. No entanto, conta um ex-ministro, tinha dificuldades de delegar e aceitar as negociações.

Em um determinado momento, queixou-se que Temer “achava que era presidente” e passou a boicotar os esforços do vice. De acordo com uma pessoa próxima a Temer –a quem agora Dilma chama de “golpista”– o vice chegou a dizer que poderia ter sido um grande aliado da presidente, mas ela não deixou.

Nas últimas semanas antes da votação do impeachment, Dilma tentou deixar as dificuldades de lado e, auxiliada por Lula, buscou fazer política. Recebeu líderes de bancadas, deputados, fez dezenas de telefonemas. Não funcionou.

Nos últimos dias do seu governo, mostrou certo abatimento, mas nunca deixou o discurso de luta de lado. No dia seguinte à aprovação da abertura de impeachment na Câmara, Dilma apareceu para um declaração à imprensa com os olhos vermelhos de quem pouco tinha dormido. Mas, quando questionada se o que estava passando era tão difícil quanto na ditadura, afirmou que não havia comparação possível.

Dilma participou da luta armada contra a ditadura que governou o país por 21 anos. Ela começou sua atuação na resistência ao regime militar em Belo Horizonte, onde era uma jovem de classe média.

Presa, sofreu torturas “extremamente cruéis”, segundo o seu ex-ministro e atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, amigo de Dilma desde a juventude.

É muito raro ela se referir publicamente a esse período, mas os xingamentos de que foi alvo na abertura da Copa do Mundo em São Paulo levaram-na a abrir uma exceção pela primeira vez.

No dia seguinte, num evento oficial no Distrito Federal, Dilma disse que em sua vida tinha enfrentado agressões que chegaram “ao limite físico” e que não seriam ataques verbais que a abateriam ou a fariam se atemorizar.

“Suportei agressões físicas quase insuportáveis e nada disso me tirou do meu rumo, nada me tirou dos meus compromissos”, disse a presidente, indicando o quão importante é para ela manter suas posições independentemente do tipo de pressão.

“ILEGALIDADE”
Agora, na iminência de seu afastamento, a presidente voltou a evocar os tempos da ditadura. 

“Condenar alguém por um crime que não praticou é a maior violência que se pode cometer contra qualquer pessoa. É uma injustiça brutal. É uma ilegalidade. Já fui vítima desta injustiça uma vez, durante a ditadura, e lutarei para não ser vítima de novo, em plena democracia”, disse, em um ato com juristas contra o impeachment, em março deste ano.

FAMÍLIA
Separada do pedetista Carlos Araújo, que conheceu na resistência à ditadura militar, Dilma, 67 anos, tem uma filha, Paula, procuradora do trabalho no Rio Grande do Sul, e dois netos: Gabriel, 5 anos, que nasceu durante a sua primeira campanha à Presidência, e Guilherme, de quase 4 meses. São os netos, segundo auxiliares, os únicos que conseguem distraí-la das crises presidenciais.

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