Dilma assimila derrotas e “refunda” governo para sobreviver até 2018, diz professor

Coautor de estudo intitulado Mosaico Ministerial, Luís Felipe da Graça analisa a atual reforma ministerial sob um contexto mais amplo e indica alguns dos possíveis desfechos para essa história

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Depois de uma série de costuras e remendos nos bastidores e muita ansiedade do lado de fora, está previsto para a manhã desta sexta-feira (2) o anúncio do novo Ministério da presidente Dilma Rousseff. Dez meses após a posse para mais um mandato de quatro anos, a presidente viu a construção de uma governabilidade multipartidária ruir, juntamente com sua popularidade e com o agravamento da situação econômica do país. Em pouco tempo, os nomes nos ministérios já não eram mais capazes de influenciar minimamente as bancadas de seus partidos no Congresso em prol da agenda do Executivo. Não que fosse culpa deles, mas percebeu-se que era hora de uma mudança emergencial de peças. A necessidade de se aprovar novas medidas do ajuste fiscal, conter pautas-bomba, atender reivindicações da sociedade civil e da classe política por um “corte na carne” do governo e, principalmente, frear as ofensivas do fantasma do impeachment deram o tom da iniciativa presidencial nas últimas semanas. Uma complexa equação precisava ser resolvida – apesar de ainda não se saber se o resultado terá sido, de fato, o correto.

Agradar o poderoso PMDB – fiel da balança, principal sigla da base – e trazer de volta para perto outros partidos de importância na base, como é o caso do PDT, em simultaneidade com a promoção de um corte no número de pastas tornou-se uma enorme dor de cabeça para uma presidente conhecida por limitações na construção de acordos. De algum lado a corda haveria de esticar mais e não podia, de modo algum, estourar. Em troca de uma base de sustentação mais sólida, Dilma teria que engrossar o número de apoiadores e impedir que mais gente ingressasse na equipe adversária. Novamente, o teste de resistência parece recair majoritariamente sobre o próprio partido da presidente – aquele que, teoricamente, tem maiores capacidades de suportar choques, tendo em vista sua condição de primeiro partido do governo.

Na análise do cientista político e pesquisador da DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas) da FGV (Fundação Getulio Vargas) Luís Felipe da Graça, Dilma começa a dar sinais de que teria assimilado algumas das derrotas e erros. Agora, em um esforço para contornar os traumas recentes, tenta refundar o governo com uma nova formação ministerial, corrigindo certa desproporcionalidade que antes jogava contra o PMDB e beneficiava fontes alternativas de governabilidade. Coautor do Mosaico Ministerial, estudo que mostra como se estrutura a governabilidade com base nos Orçamentos disponíveis para cada pasta, Graça analisa a reforma atual sob um contexto mais amplo e indica alguns dos possíveis desfechos para essa história. Luis Felipe da Graça é doutor em ciência política no IESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e é especialista nos temas: eleições, representação política, federalismo e estudos legislativos. Confira os destaques da entrevista concedida ao InfoMoney:

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InfoMoney – O senhor poderia explicar um pouco do projeto do Mosaico, a metodologia usada e o aspecto técnico no qual ele se estrutura?
Luís Felipe da Graça – O Mosaico orçamentário é uma ferramenta que busca dar clareza para o que é o Orçamento Federal. A gente busca dados a partir da plataforma Siga Senado, e, através dessa visualização em forma de blocos, conseguimos ver as importâncias relativas dos tamanhos de cada ministério e sua função no Orçamento com uma ideia comparada. O Mosaico é uma tentativa de dar mais transparência a esses dados, dando mais inteligibilidade a eles, inclusive para quem não está ligado a essa área, que geralmente é dominada por técnicos. A partir dele, conseguimos ter, na mesma visualização, tanto o valor nominal, como importâncias relativas e taxas de execução do Orçamento.

IM – Há muitos estudos acadêmicos que se debruçam sobre a questão da proporcionalidade entre bancadas no Legislativo e importância dos ministérios entregues. Como os senhores enxergam essa relação nos dois últimos anos?
LFG – A literatura de estudos legislativos é muito usada tanto no Brasil como fora. Aqui, temos a percepção muito forte em torno de qual é o princípio que liga indicação nos gabinetes com apoio nas bancadas na Câmara e no Senado. Isso se relaciona muito com o fato de que é necessário ter alguém de fato indicado pela bancada. Para uma bancada dar apoio e se sentir parte do governo, precisa se sentir representada naquele ministério. Nos governos Lula e Dilma, houve uma diminuição na quantidade das taxas de coalescência (proporcionalidade da representação do ministério no parlamento), com o PT tendo bastante espaço. A presidente Dilma, desde o começo deste ano, tem diminuído um pouco o espaço do partido dentro de seu gabinete. Ao que tudo indica, a reforma que tende a sair deve ter como passo principal essa indicação, que é abrir mão do ministério da Saúde, que está com o PT desde o governo Lula.

IM – Lula cedeu esse ministério exatamente no momento do auge de sua instabilidade política com a questão do Mensalão.
LFG – Mesmo assim, José Gomes Temporão não era uma figura muito ligada à bancada do PMDB, mas ao movimento sanitarista. Esse é um dos ministérios mais importantes do governo, que tem grande capilaridade, chegando a todos os municípios do país, além de ser da área social do Ministério. Existem duas coisas importantes para se avaliar: você pode ter um espaço discricionário forte, mas pouco recurso no geral. O ministério da Saúde tem tanto uma quantidade razoável discricionária, assim como um volume grande de Orçamento. Ainda é um ministério com menos contingência do que os outros, até por se tratar de algo central na agenda pública recente.

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O debate acadêmico mais claro sobre a ligação entre bancadas e ministérios conta muito com o que chamamos, na teoria, de delegação. Muito do que a presidente Dilma tem tentado fazer nesses dias é buscar no PMDB da Câmara os nomes que a bancada do partido se sentiria representada. Uma das críticas que a presidente recebeu foi que, muitas vezes, escolhia nomes que eram mais próximos a ela do que preferências das bancadas. É o caso da Kátia Abreu, política menos tradicional do PMDB. Por mais você tenha um político que faça parte do gabinete, para o governo obter votos, os deputados têm que achar que fazem parte do governo. Eles têm que saber que aquele ministro faz parte da cota do partido e foi escolhido com a participação deles. Essa questão da delegação é muito importante.

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IM – Um dos pontos que chama atenção é que, nove meses passados do primeiro ano da reeleição, o governo promove uma reforma ministerial. Ao que se deve esse cenário? Ela teria escolhido mal sua composição para conseguir apoio no Legislativo, levando em consideração o aspecto da coalescência?
LFG – Não é deste mandato, a presidente já vem perdendo apoio na Câmara. Pelo menos de 2013 para cá, ela tem perdido várias votações na casa e tem tido dificuldades para organizar sua bancada. A eleição, tendo sido muito polarizada, também ajudou para um esgarçamento dessa bancada, e o fato de estar em uma crise torna mais difícil dar respostas em temas pouco populares. A presidente já tem o diagnóstico de que a bancada não tem sido tão firme como já foi em outros períodos de governo PT. O que Dilma está tentando fazer com essa busca forte da bancada do PMDB na Câmara e no Senado é refundar o governo, mostrando que esses partidos têm espaço, que são importantes e serão contemplados no governo, para conseguir dar alguma solidez para passar algumas medidas básicas que o governo entende como necessárias. É o caso dos vetos e da votação das medidas apresentadas pela equipe econômica nas últimas semanas.

IM – Muitos cientistas políticos fazem o diagnóstico que a relação de Dilma com o PMDB se deteriorou muito rápido neste segundo mandato. Levando em conta episódios como o das eleições da Câmara, quando apoiou Arlindo Chinaglia em detrimento a Eduardo Cunha, e a tentativa de isolamento do PMDB via incentivo a siglas menores como PSD e Pros, além da criação do próprio PL, o PMDB foi deixado de lado por esse governo? Vocês percebem algo nesse sentido no mosaico de 2015?
LFG – O novo gabinete da presidente tinha espaço muito grande para esses dois partidos: o Pros, com a Educação, e o PSD, com Kassab nas Cidades. São dois grandes ministérios que fazem política pública de verdade. O entendimento geral era que existia ali um movimento para diminuir a centralidade do PMDB. E a busca por enfrentar uma candidatura muito forte como a de Cunha, ao que tudo indica, foi realmente um erro estratégico da presidente. E agora o que se está tentando fazer é assimilar as derrotas e refundar o governo para tentar chegar até o final do mandato.

IM – Seria uma reforma pelo fisiologismo em uma tentativa de rearticulação da base em um sistema de coalizão desgastado por uma série de fatores?
LFG – Eu discordo um pouco. Não jogaria as dificuldades de Dilma nas costas do desgaste em um sistema de presidencialismo de coalizão. Temos um governo que fez uma campanha indicando quatro anos bons, e, quando assumiu, percebeu que o cenário era outro e as políticas públicas a serem tocadas são outras. Ele enfrenta uma crise e uma agenda concorrente no próprio Legislativo. Eu não consideraria que o presidencialismo de coalizão está se esgarçando com o passar do tempo. É uma estrutura que existe no Brasil há muitos anos. Acho que a questão é menos a necessidade de se formar governos multipartidários do que realmente conjuntura atual.

IM – Olhando o Mosaico de 2014, percebe-se o PMDB com pouca verba discricionária, ficando atrás de PT, PP e PR, por exemplo.
LFG – Quando olhamos o discricionário, PP e PR ficaram à frente por causa de Transportes e Integração Nacional – dois ministérios com muitos investimentos e capilaridade. O PMDB tinha uma grande participação no Orçamento, mas com as mãos atadas. O ministério da Previdência, por exemplo, tem mais de 99% do seu orçamento obrigatório, porque não há como fazer escolhas sobre a distribuição de aposentadorias. Portanto, o partido tinha uma participação importante no geral, mas a capacidade de influir em políticas públicas e fazer escolhas de fato era bem diminuta. Houve um crescimento neste ano, como, por exemplo, o aumento do orçamento da Aviação Civil e o próprio ingresso na Pesca. A capacidade de escolha aumentou, mas ainda manteve o PMDB menor do que sua importância hoje para o governo no Congresso. Acho que a ida do partido para a Saúde talvez dê uma consolidação para o governo andar um pouco mais e acalmar nas votações ou pelo menos colocá-lo em uma situação em que seja capaz de manter os próprios vetos.

IM – Quanto pesou a falta de participação no bolo orçamentário e quais foram os outros fatores que começam a influenciar o maior atrito do PMDB com o governo?
LFG – O PMDB tinha mais espaço no governo Lula, e uma das causas que considero para essa perda de espaço foi o fato de que o partido ascendeu de parceiro da coalizão para ser um parceiro do governo. O PMDB tem o vice-candidato da chapa vencedora das eleições de 2010 e 2014. Então, hoje em dia, mesmo com problemas na coalizão, o partido é juridicamente parte do governo. O vice-presidente faz parte do governo. Ele recebeu votos junto com a presidente para ser eleito. Essa aproximação pode ter aberto espaço para o partido ter perdido em outros ministérios.

O processo que estamos vivendo agora também precisa ser pensado com mais distanciamento histórico. As manifestações de 2013 e as dificuldades de dar respostas a elas trouxeram uma queda muito grande na aprovação da presidente, que era muito alta. E a virada deste ano ainda contou com outra queda que a trouxe para o atual percentual de uma casa decimal. A aprovação do presidente o ajuda a aprovar medidas ou pelo menos faz com que seja atrativo parlamentares associarem seus nomes a ele. Quando se tem um presidente muito reprovado, é atrativo mostrar oposição a ele.

IM – Existe uma pressão simultânea para redução do número de ministérios e agradar mais interesses para segurar uma governabilidade. Qual é a leitura que o senhor faz sobre os possíveis resultados?
LFG – Os resultados são muito difíceis de serem previstos. Teremos dois testes fortes: a manutenção dos vetos restantes e a possibilidade de levar adiante a agenda do ajuste fiscal. O primeiro é mais fácil de manter do que aprovar a CPMF. Como vimos na votação da semana passada, a manobra mais fácil é levar pessoas para manter o quórum, mas não votar, levando à derrota na votação nominal, mas a derrubada do veto não alcance o mínimo necessário. O deputado pode dar apoio sem precisar colocar seu nome junto à palavra “sim”. Na votação da CPMF, não: é necessário indicar o voto e votar pela aprovação do imposto. Ele é bem mais custoso para o deputado.

Acho que, nesta questão da coalizão, de diminuir o número de ministérios, tudo depende do quanto a presidente está disposta a retirar espaço do PT no gabinete. O partido tem muitos ministérios, inclusive alguns com muito mais valor simbólico do que orçamentário – como são as secretarias ligadas a questões mais sociais, que não afetam o erário público de forma significativa. Para o PT, é difícil fundir essas secretarias, mas, ao mesmo tempo, elas são o caminho mais fácil para se chegar à diminuição sem afetar o quanto os outros partidos recebem de gabinete. A saída do governo nessa reforma vai ser diminuir bastante o espaço do PT: talvez não pelo orçamento que o partido recebe, mas pelo número de ministérios que tem.

IM – A corda estica mais para esse lado, não?
LFG – Sim. Querendo ou não, a saída dos partidos que apoiam o governo da base é uma ameaça mais crível do que o PT abandonar a presidente. Por mais que o PT possa não gostar das perdas que vai ter ou com as junções de várias secretarias, é uma saída mais factível do que manter algumas secretarias pelo simbolismo.

IM – Avaliando a ótica do governo, o que o senhor enxerga de positivo e negativo nessa reforma ministerial que está para ser anunciada?
LFG – O que vejo de bom é a chance que o governo tem de refundar sua base. E refundar com esse princípio de que os nomes que vão compor o gabinete são nomes delegados da base. É a possibilidade que o governo tem de ganhar algumas votações importantes e, com isso, dar segurança de médio prazo na política, porque temos vivido, desde o começo do ano, incertezas de como será o cenário no Brasil. Podemos ter uma melhoria na capacidade de enxergar ou ao menos ter ideia do que tende a acontecer nos próximos dois ou três anos.

Entre os riscos, teríamos, caso ela não consiga montar um gabinete que dê respaldo ao seu governo, a continuidade dessas incertezas sobre quais serão as próximas medidas do governo, para que lado vai a política econômica e se as respostas serão realmente capazes de acalmar o mercado e representar parte da sociedade.

IM – Quais são os critérios práticos que o senhor enxerga para um ministério ser mais almejado pelas bancadas do que outro, além da questão dos recursos orçamentários?
LFG – A gente parte do princípio que a capacidade de este ministério tomar decisões, lastreada nos recursos que ele tem de forma discricionária, é um dos indicadores de quão importante ele é. Agora, a avaliação sobre qual ministério é importante para quem é complicada, porque há pastas muito importantes, mas com pouco Orçamento, como, por exemplo, Relações Exteriores. Tudo depende do ator que ambiciona o ministério. Por exemplo: para o PDT, é muito mais importante ter o ministério do Trabalho do que o da Pesca; para o PT, é mais importante Saúde do que Infraestrutura. Estabelecer um critério, a priori, que seja transitório e valha para todos os atores é complexo, porque não é só o dinheiro que importa; interessam um pouco também quais são os objetivos de políticas públicas daquele ator. Se pensarmos que o objetivo do político é sempre ganhar votos e promover melhorias em políticas públicas, é preciso ter orçamento e capilaridade. Ministérios com mais desses recursos têm preferência, mas secretarias de Direitos Humanos, Igualdade Racial ou Política para Mulheres são muito importantes para o PT. Mesmo sem tantos recursos, são importantes para os movimentos sociais que fazem parte da base do partido.

IM – Mais alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar?
LFG – Gostaria de ressaltar o ponto de que uma das coisas que indica que talvez exista a possibilidade de o governo estabilizar a coalizão é a iniciativa de Dilma de buscar entre os deputados um nome que represente determinada bancada. Casos do PMDB e do PDT, por exemplo. Ela está fazendo isso não buscando nomes que goste nos partidos, mas que realmente representem as bancadas. Isso pode dar uma força interessante para o governo. Ela vai ter bons testes para ver se as negociações tiveram sucesso.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.