Citando Lula de 2008, Economist destaca risco do Brasil virar “junk se não ficar sóbrio”

"O aviso da S&P ainda pode concentrar as atenções das mentes do governo brasileiro. Mas o medo de uma recaída é crescente", afirmou a revista, citando a revisão das metas fiscais e a posterior decisão da agência de classificação

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Em reportagem da edição desta semana, a revista The Economist destacou a mudança da meta fiscal anunciada na quarta-feira da semana passada e também as consequências para o grau de investimento do Brasil. 

A revista destaca que, quando o Brasil ganhou a classificação de crédito de grau de investimento em 2008, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uso de suas metáforas clássicas. Ele recorreu à figura de dois trabalhadores: um deles é um homem comportado, que cuida da família, paga o aluguel e não tem vícios. Este seria o ‘investment grade’. O outro recebe dinheiro, torra tudo na mesa do jogo ou bebe demais e está quebrado, o que era o Brasil “junk” de antes, que não existia mais. Contudo, afirma a revista, com a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, o Brasil corre o risco de sofrer uma recaída e “sair dos trilhos”. Ou seja, voltar à vida de embriaguez e jogatina, afirma a publicação. 

Em 28 de julho, a agência de rating Standard & Poor’s disse que o país pode perder seu status se ele “não ficar sóbrio”. O alerta foi precipitado pela decisão do governo na semana passada para reduzir suas metas de superávit primário entre 2015 e 2018. A meta para este ano e o próximo encolheu de 1,1% e 2% do PIB, respectivamente, para 0,15% e 0,7%. A meta para 2017 foi reduzida de 2% para 1,3%, embora o FMI tenha sugerido recentemente que o superávit deveria ser de 2,5%. “O governo parece ter jogado a toalha sobre o ajuste fiscal”, queixa-se um banqueiro de investimento. E se espera que outras agências acompanhem a S&P em breve, continua a revista. 

Enquanto isso, esperava-se que o Banco Central iria começar a cortar a taxa básica de juros, Selic em breve, afirma a revista, mas o retrocesso fiscal tornou isso impossível: ontem, a autoridade monetária aumentou a Selic em 0,5 ponto percentual, para 14,25%.

Joaquim Levy, o ministro da Fazenda, insiste que as metas menores não equivaleriam a uma rendição, mas apenas um recuo tático, com as receitas piores do que o esperado. Para reverter este quadro, Levy pretende aumentar as receitas com operações extraordinárias, como a venda de concessões de infraestruturas, algumas privatizações (tímidas) e uma anistia fiscal para lucros repatriados.

Mas se o crescimento não voltar – e não há nenhum sinal de que ele irá tão cedo – a dívida pública bruta será superior a 70% do PIB em 2018, conforme calculam os analistas do BNP Paribas. Isto é incompatível com a grau de investimento, dada a conta de juros do Brasil, diz Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas. A revista ressalta que essa classificação requer uma revisão de benefícios, pensões públicas e outros gastos fixos, que representam cerca de 80% do orçamento, mas que são politicamente sagrados.

Enquanto isso, os mercados parecem compartilhar a visão da S&P. Os CDS (Credit Default Swaps) subiram na esteira do anúncio da semana passada, enquanto o dólar se fortaleceu. A publicação ressalta o cuidado da S&P de salientar que a mudança não equivale a um rebaixamento. A Índia passou dois anos em perspectiva negativa semelhante, antes de voltar a uma perspectiva estável. Além disso, Levy e o BC têm feito algum progresso. “O aviso da S&P ainda pode concentrar as atenções das mentes do governo brasileiro. Mas o medo de uma recaída é crescente”, afirmou.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.