Brasil foi pego por onda desenvolvimentista e descobriu as consequências, diz economista

Pupilo de Gustavo Franco na Rio Bravo Investimentos, o economista e estrategista Evandro Buccini analisa o atual momento da economia brasileira e tece prognósticos para o futuro em entrevista exclusiva

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – No olho do furacão da crise financeira que há sete anos derrubou o mercado americano e se alastrou pelo mundo, o governo brasileiro optou por reduzir alguns impostos e incentivar o consumo doméstico, além de ampliar o alcance dos bancos públicos em um momento de clara retração. A necessidade deu origem a uma nova orientação da política econômica, mais ancorada no desenvolvimentismo quando comparada a gestões anteriores. Na medida em que o mar dava sinais de maior calmaria, tal percepção tornava-se cada vez mais evidente para muitos analistas.

Um deles, muito crítico ao modelo experimentado, é Evandro Buccini, economista e estrategista da Rio Bravo Investimentos, gestora responsável por administrar mais de R$ 10 bilhões de clientes. Pupilo do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, ele não via saída diferente para o desenvolvimentismo recente senão a recessão e inflação elevada. Para Buccini, o caminho para arrumar a casa ainda será longo e bastante trabalhoso. Os ventos externos já não são mais os mesmos e os efeitos de uma demografia mais favorável no campo nacional começam a dar sinais de reversão.

Os ajustes do ministro da Fazenda Joaquim Levy são mais do que necessários, diz o economista, mas sozinhos não são suficientes para a recuperação da atividade brasileira de tempos atrás. Mais do que isso, apesar do voto de confiança garantido pelo mercado à cabeça por trás das mudanças, muitas desconfianças ainda rondam a imagem da presidente Dilma Rousseff, tida por grande parcela dos agentes econômicos como uma das grandes responsáveis por um quadro de desarranjo das contas públicas. “A mesma presidente que fez está tentando desfazer”, avaliou Buccini em entrevista ao InfoMoney. Acompanhe os melhores momentos:

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InfoMoney – Gostaria primeiro que o senhor falasse da Rio Bravo e o seu principal carro-chefe nos negócios.
Evandro Buccini – A Rio Bravo foi fundada, em 2000, por Gustavo Franco, logo após passar a quarentena do Banco Central, e Paulo Bylik, que saiu do Pactual para montar uma coisa diferente, voltada para investimentos. Ao contrário da maior parte das casas de asset management, que começam fazendo o arroz com feijão (renda fixa e multimercados), a Rio Bravo começou com private equity, em uma época de juros a 30%. Era um país completamente diferente. A ideia do Gustavo era de que o Brasil ia passar por um processo de normalização de convergência da taxa de juros e que ia desenvolver o mercado de capitais, possibilitando a criação de novos ativos e veículos de investimentos. Foi o que mais ou menos aconteceu.

Hoje, a Rio Bravo tem 6 grandes áreas de investimentos: de longe, a maior delas é fundos imobiliários. Somos um dos maiores players do Brasil, com cerca de R$ 8 bilhões em gestão. Há fundos variados: fundos de lajes corporativas, monoativo, multiativos, fundos de shopping centers e também estruturamos fundos para terceiros. A segunda maior área é a de infraestrutura. Há 5 anos, ganhamos uma concorrência de vários fundos de pensão para criar um fundo que investisse em energia renovável. Temos um produto de R$ 600 milhões de capital investido, principalmente em energia eólica. Depois, temos três fundos não muito grandes de private equity no Nordeste. No começo, era private equity de forma geral. Ao longo do tempo, fomos focando naquela região. Se o Brasil cresceu nesse período, o Nordeste cresceu ainda mais. São investimentos em empresas básicas: consumo, construção básica, nada muito fora da caixa, mas uma região que se desenvolveu bastante.

IM – Principalmente o setor de infraestrutura, não?
EB – Saneamento, construção e consumo de alimentos. É interessante. Melhor ainda porque temos um escritório em Recife. Somos um dos únicos players nacionais a ter escritório com gestão lá. São empresas fechadas, de pequeno porte. Não tenho os números de cabeça, mas acho que o último fundo tinha R$ 200 ou R$ 300 milhões. E deve ter umas cinco ou seis empresas – algo assim. Temos também a área de public equities, renda variável, mercado aberto, com um fundo principal e muitos exclusivos de fundação, de fundo de pensão. Por enquanto, 100% valor e long only. Muitas vezes, vamos para os conselhos das empresas para fazer governança corporativa. Contamos com uma linha de crédito, com um fundo de crédito privado, debêntures e coisa que bastante gente faz, mas também muita coisa de CRI, como dois fundos imobiliários listados. É o caso do fundo da Fazenda Boa Vista, estrutura que a gente criou com a JHSF.

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E, por último, uma área que a gente chama de multiativos e portfólios, que faz gestão de fundo de fundos – fundo de fundos de ações, de multimercado, de crédito… É a área responsável pelo investimento no exterior também. Temos um fundo que investe em dívida em dólar de países emergentes. Vai ter um fundo de ações no exterior. E quem faz também a gestão de carteiras dos nossos clientes, principalmente pessoa física. Uma pessoa que entregue uma grande parcela do patrimônio dela para fazermos a gestão. Essas são as seis áreas de gestão. Grande parte do nosso passivo é fundo de pensão (80%, alguma coisa assim), enquanto o resto é pessoa física.

IM – O negócio começou, em 2000, com cenário de Selic muito alta e investimentos em private equity. O que explicou essa estratégia de não entrar no bom momento para ganhar com juros?
Eu não estava aqui, mas a minha percepção é realmente essa ideia de que o Brasil arrumou a casa na década de 1990, no final do governo Fernando Henrique. Já estávamos em uma trajetória bem clara de convergência da taxa de juros. Se você olhar em 1998, quando ainda havia paridade, a taxa de juros era de 45/50%. Teve o percalço do Lula no meio do caminho – 2002 retardou um pouco esse processo. Se não, ia ser uma trajetória quase linear de queda. O Gustavo gosta muito de mostrar esse gráfico: plota a Selic ao longo do tempo, tem seus ciclos, mas a tendência de queda era muito clara até recentemente. Até os 7,25% e até a alta de 2010, era muito clara.

IM – Aproveitando esse gancho dos juros elevados, a presidente Dilma Rousseff, assim que assumiu, tomou a iniciativa de derrubar severamente as taxas de juros até como uma bandeira pessoal. Como o senhor enxerga o cenário atual?
EB – Henrique Meirelles, ao final do governo Lula, parou de subir os juros de forma estranha. Ele vinha de uma trajetória de alta na Selic, parou e, ao final das eleições, Tombini já assumiu subindo até onde precisava. Depois, de uma maneira muito mal comunicada, resolveu virar a mão. Em uma reunião, ele subiu, e, na seguinte, derrubou. Isso já fez o mercado olhar o BC com olhos diferentes. Depois de certo tempo, até que pareceu certa a decisão, porque veio o vento frio da Europa. A crise nos pegou sensivelmente. O Banco Central então se antecipou a isso de forma acertada.

Mas, talvez, levar para 7,25% e deixar lá por um tempo talvez tenha sido uma decisão um pouco exagerada, a não ser que o fiscal seguisse arrumado – mas o superávit não continuou perto dos 3%. Talvez, se Tombini tivesse não feito diferente, levando os juros para 7,25%, mas se o fiscal tivesse se mantido arrumado, como era antes de 2008 mesmo na recuperação para 2010, acho que a situação seria bem diferente hoje. De qualquer forma, não dá para eximir o Banco Central totalmente da culpa, porque o mandato dele é com a inflação, mas o fiscal prejudicou muito. E a deterioração fiscal foi continuando ano após ano, o que culminou com esse desastre que foi o final do primeiro governo Dilma. O ano passado foi um terrorismo com as contas públicas, sem dúvida.

IM – O que foi contracíclico e o que foi ideologia?
EB – 2008 foi contra cíclico, sem dúvida. Teve muita coisa bastante correta, inquestionável. Se o mundo está acabando na economia, é 100% justificável você dar um corte de IPI para automóveis, dar um corte de impostos para um bem durável. Fica mais barato, e a pessoa que queria, mas não ia mais comprar um carro porque estava com a confiança baixa, antecipa o consumo pelo preço. O problema foi depois não ter retornado isso para o patamar anterior, não ter diminuído essas políticas conforme a economia mundial e a nossa também foi se recuperando. O BNDES cresceu de uma maneira muito exagerada. Outros impostos foram cortados. Com tudo isso, as contas públicas, o fiscal, o superávit primário, o déficit nominal… Nada aguentou. Qualquer medida que você olha de conta pública não aguentou.

Em 2008 e 2009, foi contracíclico e acertado. Todo o resto, não. Adicionou-se muita volatilidade e destruíram-se muitos mercados – como o de combustíveis, por exemplo, com também a nascente indústria de etanol, que dependia do spread da gasolina, ruindo. Todas as medidas que, na verdade, não eram contracíclicas pesaram no fiscal. Do lado da política parafiscal, o BNDES e outros bancos públicos exageraram também na concessão de crédito. Entre 2008 e 2009, o movimento foi justificável. Com todos os bancos privados retraindo com problema de confiança e expectativa, faz todo o sentido. os bancos públicos aumentarem… Mas exageraram em não voltar atrás.

Também houve problemas microeconômicos. Caso do petróleo, por exemplo. Não só na questão da Cide, de ter custado muito caro para a indústria do etanol, mas o regime de partilha, depois, do pré-sal… Mercado de energia elétrica, com todas as regras alteradas. Além disso, não houve praticamente nenhum tipo de concessão ou privatização no período Lula. Dilma, aos trancos e barrancos, foi fazendo. O problema transcendeu o fiscal. Talvez a figura mais óbvia seja fiscal, mas foi todo o aparato da economia brasileira. Foram os fundamentos.

IM – O estopim foi no plano fiscal? Foi onde começou?
Acho que não. O começo foi microeconômico, porque Lula manteve a Lei de Responsabilidade Fiscal, o tripé macroeconômico, ele manteve o superávit primário bastante elevado até. Mas microeconomicamente ele já foi enfraquecendo as agências reguladoras.

IM – Chegou um momento em que se era mais fácil manter o modelo como se não existisse mudança conjuntural no futuro?
A crise é um divisor de águas muito grande. O governo Lula, em seu início, foi muito bom tecnicamente, com uma equipe boa e reformas econômicas extremamente importantes, que possibilitaram toda a expansão de crédito que a gente teve na década passada. Mas à medida que esse grupo do Palocci foi perdendo força e o Mantega foi vencendo, o modelo foi mudando também. Dá para dizer isso, sim. A crise, não só no Brasil, mas o mundo inteiro, tinha uma discussão sobre o fim do capitalismo, o capitalismo de Estado, o exemplo da China e o planejamento estatal. E nós fomos pegos nessa onda com os desenvolvimentistas no poder. Dilma comprou, aprofundou e apostou nesse modelo até as últimas consequências.

IM – Teria sido possível driblar essas adversidades pelo espectro ideológico do governo, o flerte com o desenvolvimentismo?
Não. Acho que não. Essa política dá exatamente nisso. O professor de economia da USP Fábio Kanczuk escreveu um artigo dizendo que tivemos sorte que o governo resolveu fazer essa experiência desenvolvimentista agora e ela deu errado muito rápido. Porque, se ele tivesse feito isso na década passada, quando tínhamos vários ventos a favor da economia brasileira (commodities, crédito, convergência da taxa de juros), eles podiam ter feito muita lambança e teria demorado mais para percebermos. Ia ser difícil fazer uma análise estática e individual do que tinha dado errado. Acho que não tinha outra consequência para essas políticas que eles adotaram.

IM – Agora que temos desenhada sua perspectiva geral sobre os precedentes do atual momento, entramos no período Levy. O ajuste fiscal está sendo empenhado no sentido correto?
EB – Sem dúvida. Existem alguns artigos e estudos internacionais que mostram que é possível e há casos de consolidação fiscal, de ajuste, sem impacto muito grande na atividade. Para isso acontecer, é preciso que ele seja feito mais pelo lado dos gastos do que da receita – não é muito bem o que está acontecendo agora. Outra coisa extremamente importante nesses casos é a expectativa, credibilidade e confiança. Apesar de Levy ter plena confiança de todos, o governo não tem. É a mesma presidente que fez e está tentando desfazer. Além disso, é preciso muito mais que simplesmente um ajuste fiscal. Além do problema fiscal, temos também um problema parafiscal e microeconômico. Eles só estão resolvendo o primeiro.

IM – Mas estão enxugando o BNDES também.
EB – Os bancos públicos continuam se expandindo bem mais que a média. E o BNDES está desacelerando talvez o mínimo necessário para não onerar o Tesouro nesse momento. Mas, além disso, é o mesmo presidente que fez toda a expansão nos anos passados: o Luciano Coutinho. Do lado microeconômico, não há nenhuma mudança. Se Dilma tivesse perdido a eleição, não importa quem entrasse – Marina ou Aécio –, acho que a mudança seria muito mais profunda, porque iria além do fiscal. Ia ser uma coisa de transparência, reformas microeconômicas… Reformas microeconômicas não no sentido de que ia mudar a lei, mas agências reguladoras, mercado de petróleo, energia elétrica, concessões. Esses quatro exemplos seriam retomados da mesma forma que estavam no começo governo Lula e final do governo Fernando Henrique. Qualquer um deles entraria com muito mais credibilidade, ia ganhar a confiança do mercado, dos agentes, consumidores e trabalhadores muito mais rapidamente.

IM – Ia exigir um esforço muito menor?
EB – Ia exigir um esforço bem menor. Talvez o esforço em si fosse parecido, mas as consequências dele seriam menores. A gente vai passar por esse ano de fortíssima contração em emprego e salário, PIB, e no ano que vem vamos ter uma recuperação nada forte. Ao contrário do que foi, por exemplo, em 2002, quando o Lula primeiro escreveu a Carta ao Povo Brasileiro, depois nomeou o Palocci, que indicou uma equipe boa e colheu os frutos muito rapidamente. Há diferenças importantes entre os dois casos.

IM – Temos outras medidas com impactos fiscais importantes. A questão das alterações nas alíquotas que incidem sobre a desoneração da folha de pagamentos, a possibilidade do fim da JCP e a maior tributação sobre outras formas de investimentos seriam alguns exemplos. O senhor diz que ainda não há iniciativas no plano microeconômico, mas essas propostas, se confirmadas, não trariam efeitos interessantes?
EB – A desoneração é um começo. No caso de LCI e LCA, é preciso, já que são operações isentas de imposto de renda, garantir que tenham os lastros que a lei manda. Tem que ser realmente imobiliário, agrícola, porque, muitas vezes, acho que não são. Quanto ao JCP, não sou um especialista no assunto, mas a existência dele é uma coisa estranha. A carga tributária no Brasil é tão alta que, sempre que você fala em levantar algum tipo de imposto, é um problema porque as empresas e pessoas já gastam muito com isso. Agora, taxar dividendo pode ser meio ruim, mas outros países já fazem isso. Acho que aqui a gente precisa discutir os impostos de uma forma muito mais extensa, e não um por um. O que a gente está fazendo agora é porque precisa resolver o fiscal. Então, vai ser pega receita de onde tiver.

IM – A questão da reforma tributária é muito ampla e acaba até desaguando na discussão sobre o pacto federativo.
EB – Sim. O Levy também está levando muito bem essa questão do ICMS. Mas é uma luta extremamente difícil, muito prejudicada pelos interesses particulares de cada estado. O governo não tem dinheiro para dar compensação aos prejudicados. Apesar de achar uma questão prioritária, não acredito que a gente tenha uma grande reforma com o ICMS, infelizmente.

Agora, as desonerações são mais um exemplo microeconômico de praticamente destruição de mercado. Quando elas foram implantadas, o Brasil estava no auge do pleno emprego. O que eles fizeram custou muito caro e foi setorial. Outros países tentaram isso que o Brasil fez. Acho que na Argentina já se tentou fazer e, na Europa, mudaram a base do imposto da folha salarial para o imposto sobre o valor adicionado, não o faturamento. E a alíquota que colocaram lá foi neutra. Ou seja, o governo não deixou de arrecadar, ele simplesmente mudou a base do imposto para incentivar o trabalho via redução de custos.

No Brasil, a alíquota colocada foi um erro, fazendo com que o Tesouro tivesse que compensar cada vez mais a Previdência. Os números são realmente chocantes. Hoje, o governo está deixando de arrecadar algo em torno de 0,5% do PIB, e mesmo em alguns segmentos que a medida funcionou, o custo por emprego salvo é de mais de R$ 60 mil por ano, enquanto o salário médio do trabalhador é de R$ 20 ou 25 mil reais. Um absurdo! E, depois deixar isso permanente, ampliado para vários setores que não necessariamente ganham com isso, colocaram sobre o faturamento das empresas – o que gera um efeito em cascata. Se há alguma coisa boa na desoneração, algumas empresas que entraram para esse benefício falam em simplificação tributária.

IM – Sobre os benefícios setoriais, começou a entrar na pauta muita questão política. Muitas empresas iam à Brasília, contratavam serviços de lobby etc.
EB – Exatamente. Toquei em um ponto que vale a pena voltar: quando eles fizeram isso, em 2011, o desemprego estava nas mínimas. Eles incentivaram determinados setores a manter ou aumentar o número de funcionários em um ambiente de pleno emprego. Nessa mesma economia, tem as indústrias em uma situação bastante ruim – queda de produção desde 2010/2011, tendo que competir em termos de mão de obra com serviços que pagam mais e que receberam desconto na folha de salário.

IM – Pela sua leitura, não seria novidade falar em desindustrialização do país.
EB – É um tema bastante complexo, mas penso que essa medida tende a ajudar apenas alguns setores da indústria. No apagar das luzes, ela fez mais mal do que bem. Eu falei de um lado da simplificação que muitas empresas nos contaram, mas um próprio relatório feito pela atual equipe do Ministério da Fazenda fala que tem algumas desonerações que não incidem sobre um setor, mas por produtos. Então, em uma mesma empresa, o martelo é desonerado e a chave de fenda, não. A empresa tem que saber quem faz martelo e quem faz chave de fenda. Mas se o cara faz os dois?

IM – Essa mudança na orientação da política econômica carrega uma faca no pescoço por conta da ameaça de corte rating?
EB – Sem dúvida. E o Levy sabiamente tem usado isso a seu favor, porque ele coloca bastante medo nas pessoas ao falar das consequências negativas de a gente perder o grau de investimento. São ruins, claro, mas acho que são até menos ruins do que ele às vezes fala.

IM – O que você imagina que aconteceria caso essa mudança de orientação não fosse posta em prática?
EB – Agora as coisas melhoraram bem. Houve momentos em que os preços já refletiam uma probabilidade maior de perda de investment grade. Naquela época, as consequências seriam menores. Hoje, talvez, as consequências possam ser um pouco mais fortes. Mas é o tradicional: desvalorização forte da taxa de câmbio, aumento da taxa de juros principalmente a longo prazo, um pouco de fuga de capitais. Não sei a magnitude desse último, é difícil saber porque, se for só uma agência, talvez não seja tão grave e estamos perto só em uma. Mas ganhamos um tempo para corrigir o rumo. E, por mais que a tarefa do Levy seja difícil – principalmente atingir 1,2% do PIB (acho que ele não vai, mas deve chegar perto) -, isso vai garantir que mantenhamos o grau de investimento.

IM – Para Ilan Goldfajn, do Itaú, o grande problema não são os ajustes, foram os desajustes. Ele diz que essas mudanças não são suficientes para o país crescer mais de 2%. Qual seria a reforma necessária para a retomada do crescimento do país?
EB – Muitas vezes, culpamos o médico pelas doenças que temos. A gente achou, até 2008, que os problemas macroeconômicos estavam resolvidos. Sabíamos o que fazer para manter a inflação mais ou menos estável, o fiscal arrumado, ia haver ciclos de altas e baixas, mas também sem muita variância. Mas os desajustes foram tão grandes que corroeram a fundação, os pilares. Então, primeiro precisamos reconstruí-los – que é o que o Levy está fazendo e ainda vai demorar um ano ou talvez até o fim do ano que vem. Acho que só depois disso podemos nos permitir em pensar novamente nas formas de ter um crescimento mais forte e sustentável. Não será fácil, porque teremos uma demografia que se voltará contra nós, o bônus demográfico está acabando e estamos perdendo.

IM – Que seria o envelhecimento da população e a redução da taxa de natalidade?
EB – O bônus seria a redução da taxa de natalidade, que permite que, hoje ou em algum momento daqui a alguns anos, a gente atinja o maior ponto de gente trabalhando em relação a gente não trabalhando (ou seja, idosos ou crianças) na história do Brasil. Dali para frente é só pior: a população começa a envelhecer e a taxa de dependência cresce – ou seja, tem cada vez menos gente trabalhando para sustentar as pessoas que não trabalham. Nesse cenário, mais ainda do que já é verdade, a saída é produtividade para crescer. E como fazer isso seria a próxima pergunta.

A década passada foi movida por vento externo de commodities, apropriação de mão de obra – que é parte da demografia – e colhemos frutos das reformas passadas de Fernando Henrique e começo do governo Lula. Agora, não tem mais demografia, vento externo e não tem fruto para colher, vamos ter que crescer com as próprias forças. A árvore está seca, quase morrendo.

IM – O que você espera desse novo acordo com a China?
EB – Não tenho muita convicção. A China é um país complicado. Já houve, em um passado não tão remoto, várias promessas de investimentos no Brasil. Não sei o que se concretizou. Eles estão investindo muito dinheiro fora, mas sinceramente não consigo pensar em um jeito de medir isso. Tendo a imaginar uma fonte de investimento externo como outra qualquer. Talvez agora, que os nossos tradicionais investidores europeus e americanos estão retraindo um pouco por várias razões, eles estejam entrando em substituição desses investidores.

O que tentei medir em minha tese de mestrado foi o impacto do comércio com a China na produtividade especificamente – e os resultados encontrados não foram muito bons. Ao contrário de muitos países, a competição com os produtos chineses foi ruim para a produtividade brasileira.

IM – Em que sentido?
EB – No mundo, principalmente o desenvolvido, a competição com produtos chineses leva as indústrias nacionais a investirem mais para tentarem se diferenciar, já não dá para competir com eles por preço. Outros países emergentes fazem isso. No Brasil, fiz um estudo setorial, e percebi que, na média, isso não acontece. As empresas não conseguem competir com a China e não investem. Pelo contrário: frente a essa competição, elas investem menos. Pode ser uma das muitas razões por que a produtividade no Brasil cresce tão pouco e a indústria sofreu bastante.

IM – É um cenário bastante pessimista esse seu, não?
EB – É… Infelizmente, é pessimista. Desde que entrei na Rio Bravo, há 8 anos, até recentemente, eu era mais otimista do que o Gustavo Franco. Principalmente depois de 2010, quando ele vislumbrou o cenário que comentamos aqui e viu onde isso ia dar. Hoje, depois que passamos por esse aprendizado e estamos ajustando a economia, acho que sou mais pessimista que ele. Não acho que vá acontecer o pior ou que venhamos a ter algum evento de perda de investment grade ou forte desvalorização do câmbio. Mas também não acho que vamos crescer produtividade e PIB da forma que vislumbramos no passado recente. Vai demorar bastante.

IM – Em evento ao mercado, Gustavo Loyola afirmou que o Brasil afastou-se do abismo, mas ainda tem um longo caminho a trilhar. É mais ou menos a sua visão.
EB – Difícil encontrar algum economista otimista hoje em dia, na verdade. A brincadeira é que a gente é profeta do apocalipse (risos).

IM – Nem mesmo Bresser-Pereira está otimista.
EB – Nem ele. Você vê que os economistas “desenvolvimentistas de verdade” – ou keynesianos de verdade (não sei se isso existe no Brasil) – são muito críticos da política da Dilma. Principalmente na parte fiscal. O que eles pedem e sempre pediram é câmbio mais competitivo, que é o que o governo tem tentado fazer desde 2011. E até tem conseguido, digamos. Houve, obviamente, forças internacionais em jogo, mas o câmbio subiu bastante. Essa desvalorização foi acompanhada de muitos outros desajustes na economia que custaram muito mais caro. As empresas estão sofrendo muito mais por tudo que falamos que o câmbio não compensa, não salva.

IM – Falamos dessas dificuldades nos planos macro e microeconômicos, outro problema do Brasil é a questão da desigualdade. É possível trazer de volta esse crescimento do PIB e continuar promovendo inclusão social e estimulando a dinâmica da economia?
EB – É muito difícil, para não dizer impossível, reduzir desigualdade com PIB caindo ou não crescendo. Por outro lado, acho que Bolsa Família, Brasil sem Miséria e outros programas relativamente pequenos têm sucesso com efeitos importantes na redução da pobreza extrema. Agora, uma redução da desigualdade da mesma forma que vimos recentemente não é possível. Não com o PIB caindo do jeito que está.

IM – E fazer o PIB crescer com políticas mais favoráveis a isso? Tem como?
EB – É difícil falar de política social, porque as pessoas normalmente levam muito isso para um lado ideológico. O Bolsa Família e todos os pequenos programas juntos com ele são extremamente positivos. Eles tiveram um efeito muito grande na extrema miséria por um custo muito pequeno. Se mantiver do tamanho que está – e acho que está do tamanho correto e esperamos que as pessoas que estão ganhando hoje não sejam aquelas que ganhem amanhã – a extrema pobreza vai continuar reduzindo. Agora, classe C ou coisa parecida é difícil acontecer de novo, porque tem uma parte demográfica de mercado de trabalho muito grande em cima disso.

Marcelo Neri, que era ministro de Dilma até pouco tempo, tem muito estudo sobre isso e mostra, com números, que os principais responsáveis pela ascensão da classe C ou queda da desigualdade foram: 1) mercado de trabalho, renda. Tem um pouco de salário mínimo, mas também tem emprego; 2) Previdência; 3) Depois, as políticas sociais diretas.

IM – Com esse bônus demográfico se esvaindo, o déficit com a Previdência aumenta.
EB – Perfeitamente. E o que o Congresso fez foi uma enorme contrarreforma nesse sentido. A gente já gasta hoje quase 8% do PIB com Previdência. Se nada for feito, vamos passar de 10%. A gente fez um estudo, há dois anos, sobre bônus demográfico e constatamos que as consequências são horríveis. Nós gastamos em pensão por morte o mesmo que a França, uma população muito mais velha que a nossa.

IM – Algum ponto que o senhor gostaria de acrescentar a essa entrevista?
EB – Sendo o InfoMoney um site de investimentos e tentando ligar um pouco o cenário que eu falei anteriormente: por mais que estejamos pessimistas, esse é quase um consenso que já está refletido no preço dos ativos. Todos os agentes já sabem desse cenário. O que tem para acontecer daqui para frente é um aprofundamento da recessão, que vai ter repercussões importantes no mercado de juros; no ano que vem, por menor que seja, vai haver alguma recuperação na economia e vamos averiguar a velocidade dos efeitos na bolsa. Eu não sou extremamente negativo com o retorno dos ativos. Esse ano está sendo melhor do que os dois últimos anos para várias classes deles. Os retornos estão muito mais interessantes.

É importante a pessoa não se deixar contaminar totalmente por esse cenário. Fundos multimercados estão melhores, assim como os fundos imobiliários, que muito do pessoal que acessa o site se interessa. Por mais que ainda tenhamos alguns anos de vacância elevada em prédios comerciais, os preços atuais já refletem isso. Isso que é importante entender. Para perder dinheiro nesses ativos com um pouco mais de risco, o cenário precisa ser pior do que já está precificado.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.