Responsável por casos Satiagraha, Alstom e Maluf, procurador explica “lavagem de dinheiro”

Um dos conceitos básicos que envolve parte das acusações presentes na Lava Jato, Zelotes e no SwissLeaks é pouco compreendido pelo brasileiro. Entrevistado pelo InfoMoney, Rodrigo de Grandis (do MPF) tira as principais dúvidas

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Uma nova safra de escândalos e investigações envolvendo atores políticos ou grandes empresários ganhou relevância no embalo das descobertas da Operação Lava Jato ao longo de suas fases, delações premiadas e novas evidências encontradas. De repente, não apenas o escândalo do Petrolão, mas a Zelotes, o SwissLeaks e tantos outros casos colocavam grandes empreiteiras, instituições financeiras e até artistas famosos na mira de denúncias e apurações das autoridades. No entanto, em meio a tanta informação e especulação, alguns conceitos básicos que envolvem boa parte das acusações segue pouco compreendidos pelo leitor comum. Um deles relaciona-se com a popular, mas ao mesmo tempo pouco compreendida, prática de lavagem de dinheiro e seus mais diversos significados econômicos, políticos e jurídicos.

Para um entendimento mais aprofundado sobre o assunto, o InfoMoney entrevistou o procurador do Ministério Público Federal Rodrigo de Grandis, responsável pela condução das investigações em casos como a Satiagraha, meagaoperação da Polícia Federal que investigou supostos crimes financeiros cometidos pelo banco de investimentos Opportunity*, de Daniel Dantas, ainda em fase de recurso após anulação de provas; as operações do ex-prefeito de São Paulo e atual deputado federal Paulo Maluf (PP-SP); a polêmica relação MSI-Corinthians; e o caso Alstom, que investiga pagamentos de suborno a membros do governo paulista para obter contratos de energia e transporte.

Por motivos profissionais, de Grandis não pôde comentar sobre casos ainda em andamento (como o Satiagraha), mas ofereceu novo posicionamento em resposta às críticas que recebeu da imprensa alguns anos atrás, durante o andamento do processo da Alstom, quando foi taxado como “engavetador” pelo atraso de três anos no atendimento de demandas de autoridades suíças para investigações envolvendo a companhia francesa. O procurador ressaltou que a questão foi analisada e arquivada por comissão da corregedoria do MPF após ficar provado que as medidas solicitadas (de busca e apreensão) não podiam ser cumpridas, “pois isso prejudicaria sensivelmente a investigação brasileira”. De Grandis lembrou que as próprias autoridades suíças confirmaram a versão e que a denúncia do caso Alstom já foi recebida pelo juiz encarregado.

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Além de temas polêmicos ligados ao Ministério Público, nesta entrevista, o procurador, especialista em lavagem de dinheiro, analisou as mudanças nos procedimentos e mecanismos de investigação, além da consolidação das instituições no Brasil e dos acordos de cooperação internacional. Casos já concluídos no MPF e conduzidos por ele também foram assunto. Acompanhe os destaques da conversa:

InfoMoney – Deixando de lado um pouco a questão político-partidária, houve um amadurecimento das instituições e mecanismos de investigação contra ilícitos no Brasil? É possível fazer uma relação entre esse movimento e a história do MPF?
Rodrigo de Grandis – Vou responder afirmativamente sem a menor dúvida. Nossa Constituição atual estabeleceu uma série de prerrogativas de atuação para o Ministério Público, conservando a atuação que já existia tradicionalmente, como o dono da ação penal, e trouxe outras funções, como a necessidade de se trabalhar dentro de uma tutela cível, através da ação civil pública, e estabeleceu prerrogativas essenciais para o bom desempenho da atividade funcional, especificamente a ideia de independência.

Agora, do ponto de vista da lavagem de dinheiro, eu destacaria dois pontos: a lei brasileira passou a existir no ordenamento jurídico nacional sobre o assunto somente em 1998, com a edição da Lei nº 9613. Mas, como a lavagem passou a ter caráter transnacional, há uma importância de uniformização dos meios de repressão de todos os países. Isso normalmente é feito através da assinatura de tratados, convenções internacionais e assim por diante.

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IM – Esses tratados costumam ser multilaterais ou bilaterais?
RG – Podem ser ambos. O Brasil tem acordos de cooperação jurídica internacional bilaterais com Suíça, Itália etc., mas no dia a dia, nós utilizamos os multilaterais. Eu poderia destacar a Convenção de Viena, sobre tráfico internacional de entorpecentes, a Convenção de Palermo, de 2004, sobre criminalidade transnacional, e a Convenção de Mérida, que diz respeito à corrupção. São as mais importantes.

O mundo, do ponto de vista de repressão penal, em relação a lavagem de dinheiro, mudou em 11 de setembro de 2001. A partir do momento em que ocorre um atentado terrorista nos Estados Unidos, tem-se um impacto sobre o sistema financeiro internacional. As autoridades norte-americanas começaram a perceber que muito dos recursos que eram objeto de lavagem, de alguma forma, serviam para financiar terrorismo. Houve uma pressão internacional norte-americana no sentido de transparência, abertura de contas, facilitação de acesso a documentos bancários. Essa pressão recaiu principalmente sobre os denominados paraísos fiscais. Nomeadamente: Suíça.

Se você perguntar para mim como era a Suíça quando eu comecei a trabalhar no MPF (2004, sendo que comecei a atuar no caso do Maluf em 2005)… A Suíça tinha um relacionamento muito mais difícil com o Brasil – e os paraísos fiscais em geral. Em especial, os europeus. Por quê? Porque houve uma pressão norte-americana no sentido de abertura de contas. Claro que o relacionamento suíço-americano é diferente do suíço-brasileiro, mas a cultura mudou.

IM – Ainda existem dificuldades para se fazer uma investigação conjunta?
RG – Quando falamos em “paraíso fiscal”, estamos falando de um instituto que, na verdade, tem vários sentidos, a depender do serviço que determinado país oferece. Os paraísos fiscais caribenhos proporcionam que alguém que neles não reside constitua uma empresa, e, com base nessa documentação societária, torna-se possível abrir conta em qualquer instituição financeira do mundo. São as empresas off-shore.

Agora, os paraísos fiscais europeus (San Marino, Jersey, países que têm uma economia mais estável, consolidada) vão proporcionar que você tenha o dinheiro, o recurso, através de uma operação similar a uma fundação ou um fideicomisso (os chamados “trusts”).

Portanto, uma coisa é o paraíso fiscal caribenho, que proporciona o documento. Outro é o europeu, que deixa você guardar o dinheiro lá dentro. Eu nunca peguei caso, por exemplo, do sujeito que tinha dinheiro em Cayman ou Bahamas. Não. Ele vai usar o off-shore constituído nesses locais para abrir conta em um paraíso fiscal europeu com economia consolidada.

IM – Este seria um caminho bem mais longo.
RG – Bem mais longo e complexo. É claro que esses países têm cooperado. O Brasil tem trilhado, de uns anos para cá, inclusive através de uma secretaria específica no âmbito da Procuradoria Geral da República, de cooperação jurídica, um diálogo muito mais fluido com as instituições. Hoje, temos boa comunicação com os ministérios públicos suíço, americano, entre outros. Mas nem foi sempre assim. Hoje tem melhorado bastante.

IM – As funções desempenhadas pelos MPs são as mesmas nos países?
RG – Depende da forma do ordenamento jurídico. Existem dois grandes sistemas jurídicos no mundo, digamos assim: um, que chamamos de civil law (de lei escrita), adotado pelo Brasil e países europeus continentais; o outro é o de commom law (baseado em costumes, jurisprudência), sistema norte-americano e inglês.

Quando você terá que cooperar ou estabelecer uma equivalência entre os sistemas brasileiro e americano, civil law e common law acabam se conflitando. Cria-se algum ruído. Mas as assinaturas das convenções internacionais têm proporcionado, justamente, que eles sejam afastados e que a comunicação seja feita de uma maneira muito mais eficiente.

Hoje a comunicação é feita com base nos tratados, principalmente focados na obtenção de provas, no bloqueio e sequestro de valores existentes nos países estrangeiros.

IM – O conceito de lavagem de dinheiro trata de algo mais complexo por não ser crime primário, mas sim prática que deriva de outro ilícito. O senhor poderia explicar um pouco melhor como se configura essa irregularidade?
RG – Do ponto de vista da lei brasileira, existem duas condutas principais de alguém que comete crime de lavagem: ocultando ou dissimulando recursos, valores ou bens provenientes de uma infração penal. A lavagem de dinheiro não é considerada crime primário, é crime acessório. Isso significa que, para existir, é preciso haver uma infração penal praticada antes da lavagem. A lavagem, justamente, recai sobre os valores e recursos daquilo que foi obtido criminosamente. E por que o sujeito lava dinheiro? A pessoa justamente lava porque vai tornar mais difícil o trabalho de investigação.

IM – E para poder usar aqueles recursos, não?
RG – Para ela poder usar, aplicar, dar uma destinação àqueles recursos sem que Ministério Público e polícia percebam que aquele dinheiro é ilícito. Vou dar um exemplo muito simples: imagine um traficante e que todo seu dinheiro arrecadado é proveniente de tráfico de entorpecente. Se ele guardar esses recursos no fundo de seu armário, a polícia, chegando lá, vai bater à sua porta, encontrar aquele dinheiro, e ele não vai saber dizer qual é a origem. Vai ficar muito fácil para o Ministério Público demonstrar que aquele dinheiro é proveniente de crime.

Agora, se ele pegar aquele recurso e trocar por uma obra de arte ou comprar um carro em nome de uma tia, vai tornar mais difícil o trabalho de investigação. A ideia da lavagem é justamente tornar mais difícil o trabalho do Ministério Público e da polícia.

IM – Quais são os mecanismos mais comuns usados?
RG – O sujeito pode lavar dinheiro dentro do Brasil com operações simples, como comprar uma casa em nome de terceiros ou até obras de arte – porque não se tem uma fiscalização adequada do mercado. Isso acontece principalmente nos casos de competência da Justiça Estadual. Agora, os grandes casos de lavagem – e a Lava Jato é o melhor exemplo disso -, que são de competência da Justiça Federal, são praticados fora do Brasil. Você tem o antecedente da corrupção praticada no país, mas o cara vai deixar para ocultar ou dissimular o recurso lá fora, porque isso torna mais complexo o trabalho de investigação.

IM – É mais fácil abrir uma empresa de fachada lá fora…
RG – Exatamente. Ele não declara isso e o Ministério Público não vai ter acesso ao dado. E, se eu pedir uma informação para o Banco Central, ele não vai ter o registro, uma vez que não houve declaração. A forma regular correta, regular, lícita de mandar dinheiro para fora do país é através de um contrato de câmbio, que fica registrado no sistema do BC.

O problema ocorre justamente quando o sujeito se vale de um sistema paralelo de remessa ou, de alguma maneira, de disponibilização dos recursos fora do Brasil. Esse é o tal do dólar-cabo, que nada mais é do que uma operação de compensação. Para ela, existe a presença de um doleiro operador, que tem uma conta lá fora já, através da qual ele opera, e vai transferir para uma conta que você indicar – qualquer conta, em qualquer lugar do mundo, através de uma ligação telefônica ou operação via internet – e vai disponibilizar esses recursos que você precisa sem que o dinheiro saia fisicamente do Brasil.

IM – Então não chega a configurar evasão de divisas?
RG – É uma evasão, mas na conduta de manter depósitos no exterior. Alguns até entendem que é uma evasão na primeira conduta, outros colocam como manutenção de depósito. Essa forma foi muito utilizada pelo Brasil. Até hoje, vemos formas de dólar-cabo praticadas por brasileiros.

Agora, lendo o caso da Lava Jato, percebemos que Alberto Youssef não adotava mais o dólar-cabo. Ele fazia uma importação fraudulenta. Essas pessoas que operam no mercado ilícito percebem que as autoridades estão investigando em determinado sentido vão lá e desenvolvem outra operação para não serem descobertos.

IM – Portanto, a maior parte desses crimes financeiros deságua na lavagem de dinheiro como última etapa da prática do ilícito?
RG – Se você tiver caracterizado alguma forma de ocultar, tornar mais difícil a atividade de investigação, uma fraude, há lavagem de dinheiro. Recentemente, tivemos uma modificação legislativa importante. Antes, o Brasil possuía uma legislação (chamada de segunda geração) em que o hall das infrações antecedentes era taxativo – ou seja, só poderia gerar lavagem se houvesse recursos provenientes daqueles crimes especificamente estabelecidos. Em 2012, houve uma modificação e a gente passou a ter uma legislação de terceira geração. Ou seja: toda e qualquer infração penal. E não é só crime, porque infração penal é um termo mais abrangente, mais genérico; ele abrange também as próprias contravenções penais. Então, por exemplo, antes não era permitido o jogo do bicho. Agora é um antecedente.

IM – Na questão específica de Paulo Maluf, quais foram as operações usadas para lavagem de dinheiro?
RG – Teve dólar-cabo, teve a constituição de fundos de investimentos em Jersey, em nome de pessoas jurídicas off-shore, mas, na verdade, estavam todos vinculados à família Maluf. Eram constituídos em paraísos fiscais, e, depois, proporcionaram criação de fundos de investimento dentro de um banco em Jersey. Também houve a criação de fundações. Como não se tinha o responsável diretamente identificado, foi um veículo para ocultação de recursos também.

IM – O senhor falou um pouco sobre essa questão jurídica nos paraísos fiscais, mas como se lida com divergências com a legislação local, Direito Internacional etc.?
RG – Primeiro, é preciso verificar se o país é signatário de um acordo. Se for, muito que bem. Porque aí se faz um contato através da Secretaria de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério Público com a autoridade equivalente nesse país. Emite-se uma ordem judicial aqui no Brasil, através de um pedido de cooperação, e obtêm-se documentos bancários ou quaisquer outras demandas. Enfim, pede-se que esse país cumpra, nos termos, o acordo.

Se não houver acordo multilateral ou bilateral, é um pouco mais complicado, porque será necessário fazer uma promessa de reciprocidade. Eu nunca vi esses casos, porque normalmente esses países que não assinam acordo não fazem cooperação. Aí, será preciso seguir por outro caminho. O Líbano, por exemplo, é um país que eu não me recordo de ter visto cooperação.

IM – Para quem quer guardar dinheiro e não ser descoberto, é uma estratégia…
RG – Sim. Mas no Líbano não vale muito à pena, porque é um país muito tumultuado do ponto de vista econômico. Quem quer guardar dinheiro não vai fazer isso em economia fraca, vai guardar dinheiro em economia forte.

Antigamente, era nos Estados Unidos. O problema foi o 11 de setembro de 2001. Inclusive, os EUA começam a pressionar as próprias instituições financeiras que, de alguma forma, têm ações ou trabalham nos EUA, dizendo: “olha, vocês têm dever de identificar seus clientes. Se não fizerem isso, vocês podem ser responsabilizados”. UBS, Deutsche Bank… Há vários e vários bancos que sofreram pressões específicas de natureza econômica.

IM – Tomando como base os casos MSI-Corinthians, Maluf, e agora SwissLeaks e a Operação Zelotes, quais são as diferenças que o senhor encontra na forma de atuação do MPF?
RG – O Ministério Público, com o decorrer dos anos, vai aprimorando sua atividade. Existe, dentro do MPF, a disseminação do conhecimento obtido em outras operações e a preservação da informação. Se você tem uma linha de atuação que não deu certo em determinada operação, segue-se outra linha. Agora, temos que tomar cuidado, porque os momentos históricos desses casos são diversos. Por exemplo: na Lava Jato, tem-se falado muito sobre a importância da colaboração premiada. Ela tem sido aplicada com eficiência na Lava Jato, porque tivemos, apenas em 2013, uma lei que regulamentou de forma adequada o instituto da colaboração premiada. A colaboração já existia, mas não tinha uma regulamentação muito clara.

Outra questão que vale a pena mencionar também: hoje, a jurisprudência dos tribunais superiores está um pouco mais consolidada e clara nesses grandes casos de crimes financeiros e, principalmente, naqueles que envolvem técnicas especiais de investigação, como interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, interceptação telemática.

E aí você me pergunta: por quê? Principalmente por conta da Ação Penal 470, o caso do Mensalão, quando o Supremo julga várias questões que normalmente ficavam a cargo do juiz de primeira instância. E aí, estabelece-se, de maneira clara, a possibilidade de aplicação de técnicas especiais de investigação. Quando o Supremo decide, ele passa uma mensagem muito clara para todo mundo que opera com Direito no Brasil. Então, você tem um momento importantíssimo, um divisor de águas, que é o julgamento da Ação Penal 470, pelo STF.

IM – E seria também por conta de termos dado um passo importante em direção aos corruptores?
RG – Eu acho que sim. Tanto do ponto de vista de investigação, como do ponto de vista penal, você tem a suprema corte acenando que a lei vale para todo mundo. Acho que o estado democrático de direito tem que passar essa mensagem todos os dias, ainda mais com o histórico de impunidade no Brasil.

IM – Quais são as consequências da lavagem de dinheiro para uma economia?
RG – Gera-se um problema de concorrência muito claro. Se você tem, como preceito de ordem econômica que se tenha uma concorrência leal, a partir do momento em que se injeta dinheiro sujo no mercado – dinheiro proveniente de crime, passa a lavar dinheiro -, têm-se players realizando concorrência desequilibrada, desleal com quem não trabalha com lavagem, que adota um sistema de integridade de compliance que funcione.

IM – Seria uma questão de se ter acesso a um dinheiro mais fácil do que o restante do mercado, não?
RG – Um dinheiro mais fácil, que não fica registrado, que não é submetido à tributação… A lavagem de dinheiro, se você perceber, acarreta efeitos ruins em vários segmentos.

IM – E do ponto de vista do governo, em termos de arrecadação?
RG – Não conheço esses dados de cor, mas já li que se deixa de arrecadar com a prática de crimes, porque não gera tributação muito clara, há uma diminuição da carga tributária etc.. Sem falar no gasto de Justiça, processo e investigação.

IM – Nisso, entra a questão da sonegação, que é o que está em jogo na Operação Zelotes e no caso HSBC. Por que eles ganham menos apelo do que operações como a Lava Jato?
RG – Acredito que a presença de políticos, de pessoas que têm uma atuação, tanto no Poder Executivo, como no Poder Legislativo, de relevância na Operação Lava Jato. Por enquanto, não há ninguém que seja um deputado federal, um senador, enfim, na Zelotes ou na operação do SwissLeaks.

IM – Pegando um apanhado geral de todos esses casos, o senhor acredita que há mais corrupção no Brasil do que em outros países?
RG – Eu não gosto de comparar. Acho que temos que trabalhar com dados mais objetivos. O que posso dizer é que o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente o processo penal brasileiro, ao contrário de outros países, proporciona que um sujeito que cometeu um crime e seja minimamente bem defendido não cumpra pena. Ele possui uma série de instrumentos que impedem ou alongam a execução de uma pena aplicada.

Então, se o cara comete um crime hoje e é condenado, há uma interpretação no STF de que ele só vai poder começar a executar a pena depois do trânsito julgado da sentença penal condenatória. Há uma quantidade imensa de recursos, um Judiciário abarrotado de trabalho, que não consegue dar vazão para julgar recursos de forma rápida. Isso leva à prescrição. Exemplo concreto: o recente caso do Banco Santos, em que o Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3) anulou um processo e demorou, para isso, pelo que pude verificar, quase nove anos. O problema não é você declarar nulidade, mas você demorar para fazer isso. Se há julgamento rápido, evita-se a contagem da prescrição.

O problema do ordenamento jurídico brasileiro é que ele é muito benéfico para aquele que comete crime. São muitos recursos. Na verdade, ele deveria ser reinterpretado, sem modificação legislativa. Não precisa de uma nova lei; é preciso ter novas interpretações sobre os institutos existentes no Brasil.

IM – Ainda sobre a questão da impunidade: depois de liderar o caso envolvendo Paulo Maluf, qual é a sensação que o senhor tem ao ver que o político ainda exerce mandato de deputado federal?
RG – Eu tenho para mim que a minha parte eu fiz. Cumpri o meu dever, minha atividade enquanto membro do Ministério Público. O fato de ele ser deputado faz parte do processo democrático. Minha função se restringiu à análise de documentos bancários que comprovaram cabalmente que Paulo Maluf e seus familiares praticaram crimes contra a administração pública no Brasil e lavaram dinheiro fora, em recursos altíssimos.

Se eu puder falar em frustração, ela justamente incide sobre a demora que o STF tem para julgar o caso. Faz muito tempo que já ofereci a denúncia e o processo, até hoje, não foi julgado.

O Mensalão foi um julgamento divisor de águas? Foi. Mas isso ocorreu porque foi julgado rapidamente. O Supremo nunca faz isso. Por isso, eu sou favorável ao fim do foro prerrogativo de função (foro privilegiado). E olha que eu me coloco nesse aspecto, porque, enquanto membro do MPF, tenho foro no TRF. Estou abrindo mão inclusive dessa garantia (risos).

IM – Vez ou outra, na Câmara, discute-se a PEC 37/2011, de autoria do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), sobre a questão de esvaziar as atribuições do Ministério Público. Qual é sua percepção sobre essa iniciativa?
RG – Qualquer autoridade do Ministério Público com quem você converse fora do Brasil se surpreende que aqui se discuta a possibilidade de o MP investigar. A função de se processar alguém criminalmente já parte do pressuposto de que você tem que investigar. Para você bem acusar e não acusar incorretamente algumas pessoas que são inocentes, você tem que investigar o fato.

No Brasil é que se discute isso de maneira corporativista, porque se tem a ideia de que somente a polícia pode investigar, e não foi isso que a Constituição disse. Por isso que a PEC 37 foi rejeitada inclusive pelo movimento das ruas. O STF reconheceu recentemente que a Constituição outorga ao MPF poderes investigatórios.

Se isso acontecesse [a PEC fosse aprovada], não seria uma perda. Seria um retrocesso sem qualquer tipo de precedente. Além de constituir, obviamente, uma maneira de burlar uma decisão do Supremo.

IM – Há algum ponto nessa entrevista que o senhor gostaria de aprofundar?
RG – Eu só queria destacar que, até por força das recentes modificações da Lei de Lavagem brasileira, há um movimento muito claro, que me parece não retroagir, de você impor obrigações para as instituições que estão mais próximas do fenômeno criminoso, e que, portanto, têm um dever de evitá-lo quase que em auxílio ao Estado. Instituições Financeiras, corretoras, enfim, alguns espaços principalmente ligados ao mercado financeiro, que são normalmente usados para lavagem, hoje têm obrigações de comunicar atividades suspeitas, manutenção de cadastro de conhecimento de cliente.

***

* Em nota, a assessoria de imprensa do Opportunity pediu espaço para esclarecimento:

“A Satiagraha não comprovou qualquer crime financeiro do Opportunity porque “não existia nos autos nada de concreto que sugira a prática de crime por quem quer que seja”, conforme declarado pelo Ministério Público Federal, por duas vezes, em setembro e dezembro de 2007, com pedidos de descontinuidade da investigação.

Em 7 junho de 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou parecer do MPF e anulou a ação penal, originada da Satiagraha, em razão de suas ilegalidades. Notem que a Satiagraha foi anulada como parecer favorável do Ministério Público.

Em 11 de outubro de 2014, Protógenes Queiroz, comandante da operação, foi condenado por violação de sigilo funcional pelo Supremo Tribunal Federal em votação unânime, em razão da Satiagraha. Os ministros fixaram a pena em dois anos e 6 meses, substituída por prestação de serviços.

A Satiagraha foi encomendadas por concorrentes do Opportunity para vencer disputas societárias e conseguir tomar o controle de empresas lucrativas”.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.