Dilma vive o desolador quadro de “pato manco” no governo, diz especialista

Para Pedro Costa Júnior, se não houver melhora no quadro econômico, a tendência é que o governo sofra com um efeito bola de neve e tenha cada vez mais dores de cabeça com Congresso

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O ajuste fiscal defendido pelo governo desde o fim do ano passado não é um consenso entre os especialistas para a recuperação da economia brasileira e resolução da atual crise política. As medidas provisórias apresentadas desde que Joaquim Levy assumiu a Fazenda podem agravar ainda mais o quadro de baixa popularidade e rebeldia das siglas governistas, fomentando o imobilismo político de Dilma Rousseff e sua equipe.

Um dos defensores dessa tese é o professor de Relações Internacionais e Economia das Faculdades de Campinas (FACAMP) e das Faculdades Integradas Rio Branco, Pedro Costa Júnior. Mestre em Ciências Sociais com ênfase em política pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Costa Júnior enxerga uma tendência de piora no atual governo, que poderá se tornar um “pato manco”, com a ampliação do descontentamento da população, da deterioração do cenário econômico e das chantagens da base aliada. Para ele, o único jeito de superar os problemas seria pela via econômica, mas não através de programas de austeridade.

Em entrevista ao InfoMoney, o professor falou sobre a queda na fidelidade de partidos da base aliada e os riscos de algumas siglas abandonarem o governismo. Também foram tratados os temas da reforma política, fragmentação partidária, políticas econômicas, além da apresentação de prognósticos sobre o atual governo e o futuro do Brasil. Acompanhe parte da conversa:

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InfoMoney – Como você enxerga esse momento de rebelião dos partidos da base aliada do governo, sobretudo PP e PDT?
Pedro Costa Junior – As MPs 664/14 (previdenciária) e 665/14 (trabalhista) tiveram votação em bloco do PDT contra o governo e dividida do PP na Câmara. A decisão do primeiro tem motivações ideológicas. É um partido ligado ao movimento trabalhista. Já no PP, a divisão interna é fruto de um descontentamento pelo partido não ter direito à distribuição de cargos no segundo e terceiro escalões que foram prometidos a ele, mas não foram entregues ainda.

A tendência nesses três anos e meio de governo Dilma é a relação piorar. À medida que ele vai se fragilizando, o espaço de manobra para chantagem dos partidos da base aliada aumenta. Como, por exemplo, uma maior fatia do bolo na repartição de cargos públicos. Mas não tem bolo para todo mundo. Em última instância, esses partidos podem romper. 

IM – A implicação desse cenário seria a perda de capital político de Dilma Rousseff, com a longevidade ampla da gestão petista e a queda de popularidade do governo?
PCJ – Sem dúvida. Eu acrescentaria a essa lista a estagnação econômica como importante fator. Ainda que se tenha longevidade política e seu desgaste natural, se a economia vai bem, a coisa flui. A crise econômica é a responsável maior pela queda da popularidade da presidente. Com expectativas de retração de 2% no PIB, aumento do desemprego para dois dígitos e inflação a 8% ou 9%, a popularidade da presidente vai despencar como nunca antes. Nessa hora, os partidos da base aliada vão ver o governo isolado e o PT desgastado, fora CPIs e o Petrolão correndo soltos, e terão margem de manobra ampliada para negociarem interesses escusos.

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São duas crises: uma política e outra econômica. E o grande problema é que não há perspectiva de saída. Esses ajustes são recessivos e vão gerando mais crises, na medida em que geram menos atividade econômica. A situação é desoladora para o governo. 

IM – Muitos analistas dizem que o fato de PP e PDT eventualmente anunciarem a saída da base aliada seria uma questão de mera formalidade. Na prática, eles já deixaram o governo de baixo há algum tempo. O senhor concorda?
PCJ – Parece que sim. Recentemente, Michel Temer chamou a base para ser recebida no Palácio do Jaburu e o PDT sequer se sentou à mesa… É sinal de que eles andam nesse sentido. 

IM – O senhor acredita na possibilidade da formalização desse processo?
PCJ – Mais adiante, é possível. As coisas tendem a piorar para o governo, acompanhando o cenário econômico. 

IM – E a margem de manobra para mudanças diminui também…
PCJ – O problema de Dilma é que ela já foi eleita com um placar muito apertado, e, quando assume, começa a desagradar sistematicamente a parcela que a elegeu. Grande parte do pessoal que votou nela se sente traída. Hoje, praticamente 2/3 do eleitorado brasileiro não aprova seu governo. 

IM – Ao mesmo tempo, ela não conquista o eleitor da oposição. Haveria motivos? A atual política econômica até pode ter inspirações não declaradas no que pretendia fazer a oposição…
PCJ – São várias questões. Acho interessante uma análise que o Bresser-Pereira faz. Ele fala de um preconceito de classes que a gente tem vivido. De certo modo, o sujeito que não vota contra o PT e não gosta da Dilma não se sentirá agradado por nada que eles fizerem. O Bresser chega a inflamar a discussão e falar que se trata de um ódio aos pobres. Mas, sem dúvida nenhuma, é uma aversão ao PT e à figura da presidente.

Nessa questão dos ajustes ortodoxos, nossa experiência mostra que, quanto mais são feitos, mais o mercado pede. Você dá a mão, eles querem o braço. Os ajustes nunca são suficientes. Basta ver o que ocorre na Europa. 

IM – Quanto a essa questão que o senhor pontuou sobre o conflito de classes, quanto disso é responsabilidade do próprio PT?
PCJ – O PT tem grande responsabilidade sobre isso. Até o discurso do partido se sustentou muito nessa divisão de classes. O próprio Lula foi em direção ao ataque. Na última semana de campanha, ele subiu no palanque chamando Aécio Neves de playboyzinho e filhinho de papai.

Ao mesmo tempo, do lado de lá, há uma aversão à ascensão dessas classes emergentes, presente em frases como: “aeroporto virou rodoviária”, “é um absurdo agora ter que pagar direitos trabalhistas para as domésticas” etc… Esse tipo de imobilidade acentua a disputa de classes também.

Um terceiro fator seria que a esmagadora maioria de quem passa por essa mobilidade social não a atribui às políticas sociais do PT. Poucos enxergam isso como fruto do governo, mas como um mérito próprio, Deus e a religião, a ajuda da família etc. 

IM – Voltando à questão de PP e PDT: a base do governo contaria com 303 deputados (considerando os partidos que apoiaram a reeleição de Dilma), com PP e PDT somando 59 cadeiras. Caso, formalmente, eles abandonassem a base, o governo teria menos da metade da Câmara. Quais seriam os efeitos disso? É possível aprovar pautas relevantes em um cenário desses?
PCJ – É aquilo que, nos Estados Unidos, chama-se “pato manco”. É uma situação de ingovernabilidade, que não permite a passagem dos principais projetos de interesse do Planalto. Será um governo que irá se arrastar se conseguir completar esses quatro anos. É uma figura de muito sacrifício, porque não há perspectiva nenhuma, no curto e médio prazo, de saída econômica e política dessa crise. É um quadro desolador. 

IM – E o que deveria ser feito, na sua visão?
PCJ – A primeira coisa que se tem que fazer é retomar o crescimento da economia. O problema é que, na direção que se optou, isso não vai acontecer. Se a economia volta a crescer, o governo começa a recuperar a confiança da população. Com a base popular, retoma-se a confiança política. Então, os partidos que agora são rebeldes começariam a ver que a coisa muda de figura. Se mudar de figura na rua, isso se manifesta nas urnas. E aí, quem hoje está do lado de lá vem para o lado de cá. Passa a ser interessante aliar-se a um apoiado pelo povo. Hoje, colar sua imagem no PT ou no governo não é interessante para os partidos. Nas eleições municipais passadas, lembro-me de candidatos a prefeito fazendo longas filas para poder ter uma foto sequer com o Lula. Era um momento de euforia e crescimento econômico. 

IM – Agora, essa política econômica de maior austeridade para ajuste das contas públicas é a que o mercado financeiro defende. Como promover um modelo alternativo de crescimento econômico tendo em vista que o próprio desempenho da economia depende da confiança dos investidores e das avaliações das agências de classificação de riscos?
PCJ – Para o mercado financeiro, esse é o melhor dos mundos. Nossa taxa de juros é a mais alta dos emergentes. Eles estão aplaudindo e querem que continue subindo mesmo. Agora, não contam o outro lado que isso recai sobre a economia real e o capital produtivo. Quem investe com uma taxa de juros desse porte? Não há investimento, não há retomada. Está tudo parado. Em tempos difíceis, todo mundo vai para a liquidez.

Agora, no capital produtivo, o corrimento da indústria vai sangrar cada vez mais. Há um conflito de interesses interno muito grande. Quando a presidente Dilma, lá atrás, tentou combater o capital financeiro reduzindo as taxas de juros para 7,25% ao ano, o governo não resistiu. Se Dilma fizesse uma reorientação radical como a que Bachelet fez no Chile e deixasse de ficar refém desses partidos fisiológicos, ela teria alguma chance de fazer alguma coisa. Mas, do jeito que está, ela vai sangrar nesses quatro anos e o país vai sangrar junto. 

IM – Quando falamos em governabilidade, pensamos na viabilidade do modelo de presidencialismo de coalizão. Hoje, temos uma fragmentação do Congresso extremamente elevada. Como isso dificulta os planos do governo?
PCJ – Esse é o problema principal do Brasil hoje. A reforma política é a prioridade da agenda brasileira hoje. O país só vai para frente se nós fizermos uma reforma política profunda e abandonarmos esse sistema político fisiológico. O partido governista, seja ele qual for, é sempre refém desse presidencialismo de coalizão construído. Então, para governar, é preciso compor. E, para isso, é necessário distribuir migalhas. E aí, você fica de mãos atadas. Esse é um problema estrutural, que, se não resolvermos agora, o partido que for governar nosso país novamente vai enfrentar os mesmos problemas que essa gestão do PT está enfrentando hoje. 

IM – Como evitar retrocessos na reforma política com um Congresso tão conservador e movido tanto por interesses?
PCJ – Minha opinião é que a melhor maneira de se fazer uma reforma política é recorrer ao que as maiores democracias do mundo fazem com muita sabedoria: o plebiscito popular. Se a gente fizer com esse Congresso, bancadas da bala, ruralista, o resultado poderá ser deplorável.

Portanto, para haver reforma política democrática, que atenda os interesses nacionais efetivos, a melhor maneira, em minha opinião de analista, seria através de um plebiscito popular. Assim, acredito que faríamos uma reforma democrática, ampla, universal e que atenderia os interesses nacionais.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.