Entrevista: debate sobre ajuste fiscal esconde problemas e trará grandes frustrações

Em entrevista ao InfoMoney, o professor e economista Carlos Eduardo Stempniewiski diz que o governo tem depositado grandes expectativas em pacote fiscal - que não se confirmarão

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Existe um processo inexorável e permanente de desgaste e perda de apoio em curso na base do governo no Congresso. A constatação se tornou ainda mais evidente nas últimas semanas, decisivas para a aprovação das Medidas Provisórias que sustentam o ajuste fiscal planejado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy. Houve vitória apertada, derrotas amargas e discussões acaloradas, além do diagnóstico de que o quadro de rebeldia instalada no PMDB definitivamente se alastrou por outras siglas aliadas, e hoje traz reais riscos de ruptura.

Em entrevista ao InfoMoney, o economista e professor das Faculdades Integradas Rio Branco, Carlos Eduardo Stempniewiski, defendeu que o capital político do governo, em visível baixa desde o início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, está sendo desperdiçado com questões que não deveriam ser tidas como prioritárias. Para ele, a atual gestão passa por um momento de perda de credibilidade e controle, acompanhado por um diagnóstico equivocado de que o atual ajuste fiscal seria capaz de recolocar a economia brasileira nos eixos.

Também foram discutidos o atual sistema político-partidário, a fragmentação do Congresso, as possibilidades de impeachment presidencial e os principais desafios de Dilma neste segundo mandato. Confira parte da entrevista:

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InfoMoney – Como o senhor enxerga esse atual momento de rebelião dos partidos da base?
Carlos Eduardo Stempniewiski – A partir do momento em que você perde credibilidade junto à população, atropela a ética e a moral, não consegue ter um diagnóstico mais adequado do que está ocorrendo nos campos político e econômico, tem alianças fisiológicas de uma forma geral, você acaba sendo vítima do clientelismo político. Hoje, o governo está fraco e sendo atropelado pelas alianças que estabeleceu ao longo desses últimos doze anos com relativo sucesso. Ele acaba se tornando refém dessa estrutura que montou. É um processo natural, inexorável e permanente de desgaste e perda de apoio. Ele começa muito pequeno e vai adquirindo um volume de situações cada vez maior. De certo modo, os partidos políticos estão deixando a coligação para buscar outras opções, visando o futuro de sua sobrevivência. Eles estão percebendo que, não apenas este governo, mas este partido que o domina perdeu toda a sustentabilidade política. Uma presidente que tem mais de 70% de rejeição dificilmente vai eleger prefeitos, vereadores e deputados, ou até mesmo seu sucessor no futuro.

IM – Essa questão do fisiologismo já vem de algum tempo na política brasileira, com as evoluções do presidencialismo de coalizão. Há algum fato novo que também implique sobre a atual situação?
CES – Na história política do país, as alianças e conveniências sempre existiram. Porém, nunca foram por um período tão longo quanto esse governo conseguiu fazer.

IM – Isso gera um desgaste sobre o capital político, sobretudo com a perda de popularidade.
CES – Exatamente. Estamos falando de doze anos de aliança, não de um acordo feito há dois anos. Trata-se de uma aliança em que o principal líder e articulador cedeu seu papel, “terceirizando sua liderança” para alguém que não tinha a menor condição política de levar essa coisa para frente. Ou, olhando de outra maneira, não conseguiu encontrar um interlocutor viável que ficasse em seu lugar para manter esse processo em ação. O desgaste foi muito forte e a gente está percebendo isso dia após dia. Na verdade, ele já vem de algum tempo, era uma coisa meio subliminar, que ficava em segundo plano (latente, mas pouco visível), e agora, com esse desgaste que o governo teve, passou para primeiro plano e se tornou ostensivo. Hoje, as pessoas perderam o medo de manifestar sua opinião contrária.

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IM – O senhor falou sobre essa questão da dificuldade de manter alianças por tanto tempo. Enquanto isso, muitos estudiosos enxergam na reeleição uma ferramenta importante para a governabilidade. Como essas duas visões dialogam?
CES – Para ter manutenção de representatividade, é preciso ter acesso à massa de eleitores, o verdadeiro capital político. Hoje, estamos como baratas tontas. Nós viemos de uma aliança muito longa e o principal articulador perdeu todo o prestígio. Aqueles que estão dentro da coalizão estão vendo que não conseguirão muita coisa mais com ele e estão buscando alternativas, outros nomes e cenários para se perpetuarem no processo de poder. Historicamente, isso desgastou, rompendo com esses compromissos pela impossibilidade da continuidade.

IM – Recentemente, foi comentado sobre o livro do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica e supostas afirmações atribuídas a Lula sobre o fato de, uma vez no poder, líderes brasileiros teriam que lidar com situações semelhantes àquela que ocorreu no Mensalão, por exemplo. Seria esse um efeito colateral do presidencialismo de coalizão?
CES – Acho que, se é coalizão ou não, não importa. Acredito ser da própria dinâmica da vida e dos acontecimentos dos quais você não tem exatamente o controle. Você é obrigado a se posicionar, alianças são feitas e desfeitas. O tempo gera o desgaste. Há uma coisa que acho importante além disso: é muito difícil, ao longo do tempo, você repor lideranças válidas. A própria Dilma já tentou mudar seus interlocutores por diversas vezes, mas não consegue encontrar o tipo que tenha esse padrão de comunicação.

IM – Entrando agora nessa questão de PP e PDT, quais seriam os riscos de esses partidos abandonarem a base aliada? Se o governo os perdesse, ele passaria a contar, em tese, com menos da metade da Câmara.
CES – Na verdade, o governo já não tem esses votos. O fato de colocar o Michel Temer e precisar, a cada nova Medida Provisória, negociar indica que, embora no marketing e na cabeça de muita gente possa parecer que não, isso deixou de ser uma base governista há muito tempo. Se o governo tivesse base, Dilma não precisava convidar o Renan para passear em seu avião para convencê-lo que esse novo candidato do STF é confiável. A questão é: como fica a partir de agora? A cada novo projeto e bandeira de interesse do governo, será necessário negociar arduamente. E ele terá de pagar o preço de cada nova tentativa que fizer. O preço pode ser alguma emenda, cargo político, ministério… A vida vai ficar mais difícil para o governo no âmbito das negociações.

IM – A saída da base seria mera questão de formalidade para esses partidos?
CES – Eles já estão fora da base, só falta anunciar. Agora, isso não muda nada, porque a vida já está sendo levada a cada dia. A cada novo projeto, lei, portaria, CPI, o governo já está sendo obrigado a negociar. Esse é um processo muito desgastante, que isola pessoas, cria inimizades, desconfianças e assim por diante. Não tem mais como ter uma única política ou único caminho a ser observado. Podemos considerar que essa aliança não mais existe.

IM – É um caminho desenhado desde a ascensão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ, hoje presidente da Câmara) como principal opositor dentro da base? Tudo isso faz parte de um mesmo processo?
CES – Certamente. Acredito que alguns setores do governo apostam que, se você criar uma situação que leve Eduardo Cunha à renúncia, resolveria o problema. Na verdade, acho que ele apenas abriu a porteira. Se o tirarem por causa de Petrobras ou qualquer coisa desse tipo, quem vier vai manter a linha de independência em relação ao Planalto. A situação já está criada.

IM – Quanto a fragmentação partidária no Congresso interfere sobre tudo isso?
CES – O resultado disso chama-se insegurança dos investidores, temor dos empresários. Ninguém tem segurança de que o Levy realmente vai continuar e conseguir implantar o que ele realmente pretende. O reflexo disso acaba na economia: ela para, desemprego e inflação aumentam… Estamos paralisados no processo de decisão não apenas em nível de governo central, como de país. O país inteiro parou. As montadoras não estão se sentindo animadas para seguir em frente, os bancos estão retraindo o crédito… Qualquer um que tenha um negócio está evitando expor-se demasiadamente. Essa confusão no cenário político automaticamente empurra a situação para outros setores.

IM – Por um lado, tem-se um governo que passou a entender na ortodoxia uma forma de se recuperar a economia, enquanto, em paralelo, há uma expressiva perda de capital político. Qual deverá ser a saída para tudo isso?
CES – Nesse sentido, não há saída. O que vai ser verificado mais adiante é que se armou uma confusão muito grande em cima dessa tomada de decisão sobre o ajuste fiscal. Mas ela é insuficiente para resolver o problema do país como um todo. Mais adiante, as pessoas vão descobrir que se destruiu um enorme capital político ao longo dessas discussões por um resultado muito pequeno. Para resolver o problema, o governo tem que parar de gastar. E, para isso, não precisa ir ao Congresso. Ele tem que administrar as contas como uma dona de casa. Tem que cortar custos, acabar com uma série de mordomias. Isso pode ser feito por portarias, e não necessariamente criando novas leis. De certa maneira, acredito que se está criando toda essa discussão para encobrir um pouco a real situação econômica, que é muito mais grave do que um pacote desses poderia ajudar.

IM – Portanto, o senhor acredita em grandes frustrações com uma possível aprovação das MPs?
CES – Sim. As pessoas vão pensar: “puxa, brigamos tanto por um problema que não foi resolvido”. Ou pior: por um diagnóstico errado. Alguém mentiu ou foi muito incompetente no diagnóstico, porque criou uma celeuma fantástica e não resolveu. Isso vai começar a aparecer lá pelo segundo semestre. As pessoas vão se sentir manipuladas.

IM – E isso teria fortes impactos sobre o próprio eleitor de Dilma, que já começa a se sentir traído…
CES – O PT, que já não é unânime com ela, vai ficar menos ainda. As cisões dentro do PMDB, que são muitas e muito grandes, vão tender a aumentar também…

IM – Isso torna o risco de impeachment ainda maior?
CES – Esse negócio de impeachment vai continuar aparecendo todos os dias nos jornais, mas não vai acontecer. É só um susto para manter Dilma ligada. Minha grande dúvida é até que ponto ela aguenta essa pressão toda.

IM – O senhor gostaria de acrescentar algum ponto na conversa?
CES – O governo está gastando muita energia em cima desse negócio de pacote, acreditando que isso vá ser a salvação. Isso não vai ser a salvação. O governo precisa começar a administrar o país e tomar decisões que somem, não que dividam. O país não vai crescer dentro do Congresso. Ele vai crescer na indústria, no campo, nos grandes centros de tecnologia, na formação de pessoas intelectualmente mais preparadas… Isso tudo está sendo descuidado. A pátria educadora já foi pelo ralo, o nível de emprego desapareceu, e não tem nada a ver com essas medidas que não foram nem aprovadas. Está na hora de o governo parar de perder tempo com coisas que não contribuem diretamente e passar a cuidar um pouco mais do dia a dia da administração que se espera de um governante.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.