Trump, a imprensa e a cidadania

As atitudes do presidente norte-americano podem causar estranheza, mas não são tão inusitadas como possam parecer

Equipe InfoMoney

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*Francisco Viana é jornalista, doutor e filosofia política( PUC-SP) e integrante do grupo de estudos Anti-Crise

O presidente Donald Trump declarou guerra à imprensa. O enfrentamento marcou toda a campanha e, agora, depois da posse, não há sinais de que a paz será celebrada. Pelo contrário, a tendência é o confronto se ampliar e promete ter desdobramentos.  A primeira entrevista coletiva de Donald Trump é uma clara demonstração do clima dominante. Os jornalistas questionaram o presidente sobre suas conexões com a Rússia de Vladimir Putin e ele os acusou de distorcer os fatos:  “Eu não tenho nada na Rússia. Eu não tenho empréstimos da Rússia, eu não tenho nenhum negócio na Rússia,” desabafou um Trump indignado. 

As atitudes do presidente norte-americano podem causar estranheza, mas não são tão inusitadas como possam parecer. A liberdade de imprensa nunca agradou aos conservadores que sempre advogaram uma liberdade “plástica” encarnando pura e simplesmente  o homem individualista, próprio das democracias liberais formais. Os direitos civis que dizem respeito às democracias liberais participativas, os Estados Unidos principalmente, tais com liberdade de expressão, liberdade de associação e liberdade de imprensa, além dos direitos humanos, sempre formam vistos com reticência. 

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A sutiliza, se é que pode ser definida assim, foi muito bem explicada pelo jurista John Rawls na sua Teoria da justiça: “Cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais amplo de liberdades de base iguais para todos, que seja compatível com o mesmo sistema para todos os outros.” Ou seja, os direitos sociais fundamentais visam proteger o cidadão contra a violência e em relação as arbitrariedades do Estado.  O cultura de liberdade é muito forte e, nesse sentido, opinião pública americana é superior à votação dos candidatos que, lhe confere a legitimidade, não o direito de virar as costas para os cidadãos. E afronta-los.

É isso, classicamente, que se pode entender com justiça política não estando, portanto, ninguém acima da lei. Nem mesmo o presidente da República.  É um remédio clássico liberal que supera a mera representação política, dando força à cidadania ativa e à liberdade de imprensa.

Donald Trump chegou ao poder numa época marcada pela emergência da galáxia das mídias sociais e a defesa de grandes causas de comunicação, a exemplo do compartilhamento de fronteiras, o combate às desigualdades e à intolerância, o combate aos preconceitos e às discriminações, além das questões ambientais, da influência do sistema financeiro e do capital, assim como a convivência pacifica com os opositores. Caminhar na contramão dessas tendências é comportar-se, como definiu a revista The Economist (edição de 4-10 de fevereiro), como um “ insurgente”. Nesse caso, a insurgência significaria  marchar pela via do retr ocesso, atrasar a história que se movimento para frente, não para trás. É como se o novo presidente dos Estados Unidos ambicionasse ser um Thomas Jefferson, só que ao contrário.

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O embate de Trump com a mídia é metáfora de um embate maior: o confronto aberto com a sociedade. Tocqueville, o autor de A democracia na América, via na liberdade de imprensa um vigoroso suporte da democracia, mas o que realmente o chamou atenção foi a ampla liberdade de associação. Claro, há um nexo indissolúvel entre a liberdade de imprensa e de associação, mas o melhor indicador da boa saúde da democracia, como dizia o próprio Alex de Tocqueville, era a liberdade de associação, que correspondia a uma participação viva do cidadão da vida do pais. 

Era e continua sendo assim. Vamos olhar de perto: de onde estão vindo as reações contra Trump? Do cidadão nas ruas. A imprensa repercute e cria consciências. A cidadania ativa, contudo, é a garantia contra o despotismo, dizia Tocqueville em 1835, como poderia dizer hoje. A força da voz das ruas continua atual. 

A liberdade da sociedade é maior que a liberdade de imprensa. Não existe imprensa livre em sociedades despóticas. O que Trump está conseguindo com a guerra contra a imprensa é o inverso da boa comunicação: a construção de uma péssima reputação. Ele não deve se comportar – e a realidade vem demonstrando – como sendo o presidente de uma parcela dos americanos, mas de todos os americanos. 

Assim, falar para uma única comunidade de comunicação – a conservadora – é cultivar limites, abrir mão de anunciados transcendentais que afirmem e reafirmem as diferentes faces da liberdade. Avançar no rumo dos anunciados transcentais, seria conquistar a confiança das pessoas e da mídia, identificar e superar as dificuldades e não ceder à tentação de dividir o pais. 

Em termos da mídia, governar para os americanos seria dialogar e encontrar soluções não repressivas, restaurar (e ampliar) o princípio da argumentação. Apoiar-se na sinceridade de propósitos, no saber fazer e na maneira de ser, a começar pela equipe de trabalho. Esse o caminho para conquistar a credibilidade, a reputação e ser aceito pela maioria. O conflito permanente não favorece ao governante e só contribui para a instabilidade. É que semeou Trump no seu primeiro mês de governo, com repercussões em todo o mundo. 

Verdade que a mídia, em países como a França, vem sendo questionada por ter passado de uma posição de contrapoder – absolutamente necessária na democracia – para a de anti-poder, quer dizer, de impedir aos governos de exercer o poder devido a sua capacidade de investigar os bastidores e sua contradições. Mas não seria esse o seu papel: descobrir e tornar pública as contradições? Isso não exige dos governantes transparência efetiva e de longo alcança? 

O fenômeno resulta de uma nova vitalidade da mídia com a Internet e os canais de informação contínua em meio a uma sociedade onde os partidos políticos perdem a função de organizadores da sociedade, o que torna os políticos escravos da mídia para defender o que resta dos seus vínculos com a sociedade. 

Essa é a visão do filósofo e historiador Marcel Gauchet, diretor da Ecole  des Hautes Études em Ciências Sociais e redator chefe da revista Le Débat (Gallimard, que ele fundou) em entrevista a revista L’ Express (número 3423, de 8 de fevereiro de 2017).

Seria assim?  Certamente, a América de Trump é o melhor laboratório para se encontrar as respostas. Difícil é dizer a que preço.

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