Odebrecht, ocaso de um ícone mundial

Como resolver o problema da reputação quando se torna um paradigma mundial de corrupção, o grande mal da atualidade?

Equipe InfoMoney

Publicidade

por Francisco Viana *

Cassio: Reputação, Reputação, perdi minha reputação. Perdi a parte imortal, senhor, de mim mesmo – e o que resta é animal. Reputação, Reputação, perdi minha reputação.

Iago: Honestamente, pensei que havia recebido algum ferimento no corpo, que é bem mais grave do que na reputação. Reputação é uma invenção inútil e fabricada, muitas vezes conseguida sem mérito e perdida sem merecimento. Ninguém perde nada de reputação a não ser que se repute um perdedor.
Shakespeare, Otelo

Masterclass

As Ações mais Promissoras da Bolsa

Baixe uma lista de 10 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de valorização para os próximos meses e anos, e assista a uma aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Não tem mais solução. A Odebrecht pode mudar de nome, reduzir os negócios em até 60 por cento ou mais, e disseminar a ideia de que errou ao subornar políticos, mas mantém a excelência técnica, que de nada irá adiantar. A corporação, de 72 anos, ao ser envolvida a fundo nas denúncias da Operação Lava Jato assinou a sentença de morte da sua marca e, com ela, qualquer possibilidade de recuperar sua reputação.

Não faltam apenas clientes, em âmbito mundial, falta credibilidade. Como mudar se mantiver os mesmos donos? Quem irá acreditar em tal possibilidade? Não é a primeira vez que isso acontece no mundo. Se olharmos para trás, iremos ver que a Companhia das Índias Ocidentais Britânica, surgida em 1600, de licença concedida por Elizabeth I para um grupo de comerciantes que fazia expedições às Índias, pereceu porque perdeu a reputação. Tornou-se uma empresa despótica, embora refletisse o sonho dominante, e febril da época, o lucro. Inspirada na rival inglesa, surgiram a Companhia das Índias Orientais holandesa e a Companhia das Índias Orientais francesa. Todas tinham ambições de serem companhias perpétuas, todas pareceram estados soberanos, todas construíram a tradição de homens de empresa fiéis e dedicados aos negócios, todas morreram dos graves males da má reputação.

Quando foi dissolvida pelo governo britânico, depois de 259 anos de vida, a Companhia das Índias Ocidentais da Inglaterra, possuía um exército particular, enfrentava sucessivas rebeliões na Índia – a gota de água foi o levante de 1857 – e seus lucros em queda dependiam não só da Índia, mas do chá da China. A questão de fundo estava no que a companhia – e suas sucedâneas – era e não no que aparentava ser. Entre a essência e a aparência, vicejou o drama da negligência e avaliação mecânica da história.

Continua depois da publicidade

No final da sua existência, a Companhia britânica aferrava-se aos direitos assegurados pela Carta Régia, como se o tempo tivesse parado. Guardadas as proporções no tempo e na história, não foi diferente o que aconteceu com a Odebrecht. Primeiro, a corporação divulgou, antes do seu presidente ser preso, uma carta aberta condenando a operação Lava Jato. Foi um equivoco lamentável de comunicação: a empresa apostou no tudo ou nada. Seu presidente foi preso, e assim continua, a Odebrecht mergulhou no poço sem fundo das sucessivas denúncias de corrupção, virou tema recorrente do noticiário e das delações premiadas. Somaram-se os passivos dos escândalos passados, iniciados no Governo Collor e Fernando Henrique Cardoso, até desaguar nos governos Lula-Dilma.

A Odebrecht demorou a reagir. E o que era péssimo se tornou impossível de superar. Reputação é um predicado simples: é aquilo que os outro pensam das suas práticas. É diferente da imagem que se constrói desde que tenha recursos e uma equipe criativa. Como resolver o problema da reputação quando se torna um paradigma mundial de corrupção, o grande mal da atualidade? Para a Odebrecht só existe uma saída: vender a marca e, junto, os ativos do inegável conhecimento técnico.

Feito isso, ocorreria a dissolução da empresa e os novos donos teriam meios para se livrar do anátema da corrupção e aproveitarem o conhecimento para gerar novos negócios e recomeçar, ai, sim, com os dois olhos fixos na reputação. Pois, ao contrário do que diz Iago, em Otelo de Shakespeare, a reputação não é uma “invenção inútil”, mas a sua perda faz do homem, como ele próprio viria a sentir na carne, um “cão danado”, sendo a perda da reputação “pior do que a angústia, a fome ou o mar”. O mar entenda-se a vítima de um naufrágio, por exemplo, tendo que enfrentar a vastidão do desconhecido e das águas profundas.

No universo dos negócios, uma reputação positiva não só é uma maneira de incentivar as pessoas a fazer boas ações, mas também de evitar as más. Permite o controle do comportamento dos outros através do exemplo. É como se fosse a representação do Olho de Hórus, o deus egípcio que tudo via e, assim, fazia com que as pessoas pensassem que sua generosidade seria reconhecida e recompensada.

Essa sensibilidade é uma excelente linha de defesa da reputação e de ataque ao engodo. Olhar nos olhos é bom, motiva a confiança, é fonte de muitas informações. A reputação, quando verdadeira, acaba sendo maior que seus donos, exercendo influência mesmo após a sua morte, mas o fato é que a reputação é construída cotidianamente e não nos pertence. Está na mente das pessoas, sendo, ao mesmo tempo, uma espécie de embaixadora e de refém, uma influência positiva e uma fraqueza.

É muito difícil conseguir fazer as pessoas, sobretudo aquelas muito ricas, perceberem a perda de reputação. O sentimento de reputação tende a ser mais forte em meio a grupos de pessoas que precisam umas das outras e estão mais ou menos no mesmo nível. Isso provavelmente explica como as pequenas coisas vão se acumulando até explodirem em grandes crises ou revoluções sociais.

O declínio da preocupação com a integridade vem se acentuando desde o século XIX e ganhou impulso nos anos 80-90 do século XX. É um fenômeno mundial e demonstra que riscos reputacionais não são levados em conta quando os negócios ilícitos envolvem grandes quantias. Certamente, é consequência do egoísmo individualista e da ilusão da impunidade, reforçada pela ausência de laços comunitários.

Esquece-se que o poder da sociedade em rede é o poder da comunicação, como assinala Manuel Castells, e que nenhum ator social pode ser indiferente à comunicação socializada, construída em torno das redes locais-globais de comunicação digital. Uma reputação forte hoje, amanhã pode se desmanchar no ar, revelar-se falsa ou frágil. Mas uma reputação negativa não se torna forte da noite para o dia. É como um vício, não é abandonado com facilidade. O caso da Odebrecht não será esquecido. A imagem, por melhor que seja, não resiste à perda da reputação, sinônimo de confiança. Está é letal. Uma vez perdida na escala em que se verifica com Odebrecht, acabou. Não há como recuperar. Não há mais solução.

* Francisco Viana é doutor em filosofia política (PUC-SP) e autor dos livros De cara com a Mídia I e II.