Eletrobras é suspensa em Nova York e complica ainda mais o rombo das contas púbicas

O buraco na estatal é mais um problema para o ministro da Fazenda fechar as contas do Orçamento deste ano, cujo déficit poderá chegar, segundo informações que Renan Calheiros circulou ontem, a R$ 160 bilhões

José Marcio Mendonça

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Mais uma crônica da “crise econômica anunciada” explodiu ontem com a decisão da Bolsa de Nova York de suspender a negociação das ações da Eletrobras. A razão: os balanços de 2014 e 2015 não foram publicados porque a companhia não conseguiu terminar a auditoria interna sobre os custos da corrupção denunciados nas investigações da Operação Lava-Jato (Angra 3, Belo Monte) e a auditoria independente recusou-se a assinar os documentos.

A estatal corre o risco de perder o direito de ser negociada no mercado acionário americano – até agora está apenas suspensa. A empresa ainda tem algum tempo para recorrer da decisão.

A Eletrobras terá – como o fez a Petrobras no ano passado, também depois da auditoria que atendia a empresa ter se recusado a avalizar seu balanço inicial – de reconhecer essas perdas. O que levará o governo, como muitos analistas e o mercado financeiro já davam como certo já faz algum tempo, a fazer um pesado aporte da capital na companhia.

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Desde anteontem, os ministérios da Fazenda e do Planejamento já contabilizavam cerca de R$ 10 bilhões a mais no déficit fiscal primário projetado para o Orçamento de 2016 para cobrir essa despesa. Mas no longo prazo calcula-se que o buraco pode ser de até R$ 40 bilhões. Diz o jornal “O Estado de S. Paulo” que a estatal precisará imediatamente de uma capitalização de R$ 4 bilhões.

O surgimento desses “esqueletos” nas contas federais levou o governo a adiar, inicialmente para segunda-feira, o anúncio do tamanho do déficit e o envio ao Congresso de um pedido de votação, em urgência urgentíssima, de uma mudança na meta fiscal. A partir de segunda-feira o governo terá de apresentar um outro contingenciamento brutal de despesas se não fizer as mudanças, o que aos poucos vai levar à paralisação gradual de diversas atividades administrativas.

Ontem o presidente Michel Temer fez um apelo ao Congresso para aprovar em tempo recorde as mudanças, dizendo que se tal não acontecer quem vai cometer “pedaladas” agora será ele. Renan Calheiros, como presidente do Congresso, deu sinais de que poderá colocar o projeto em votação na próxima semana mesmo.

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Ninguém na equipe de Meirelles garante, porém, que o número do déficit a ser apresentado na segunda-feira será definitivo. Na LDO de 2016, só para lembrar, o que existe é um superávit de R$ 24 bilhões. O ministro anterior, Nélson Barbosa, já havia corrigido essa previsão para um déficit de R$ 96,6 bi. As equipes de Meirelles e Romero Jucá começaram cantando R$ 125 bi, subiram para R$ 130 bi, depois R$ 150 bi. E ontem Renan disse que ouviu de Jucá que o último número está perto dos R$ 160 bilhões.

Para salvaguardar-se – e até para justificar as “maldades” que terá de praticar (cortes duros de despesas atingindo programas sociais, aumento de impostos, reforma mais radical na Previdência) – Temer estuda fazer um pronunciamento em rede de rádio e televisão para denunciar a “herança maldita” que está recebendo de Dilma Rousseff.

Meirelles está deixando claro que as mudanças que proporá na Previdência vão desagradar profundamente a sindicatos e parte dos atuais trabalhadores. Ontem o ministro disse, por exemplo, que impor nova idade para a aposentadoria apenas para os novos trabalhadores é ruim não resolve o problema.

Serra e a nova política

Exterior: sem partidarismos

Em sua concorrida posse formal no Ministério das Relações Exteriores, o ministro José Serra, que já tinha dado sinais de mudanças radicais na política externa brasileira, com as notas do fim de semana rebatendo críticas dos chamados países “bolivarianos” ao impeachment, definiu mais claramente qual será a nova diplomacia brasileira: será voltada “ao país”, “jamais a partidos”.

Ou seja, mais pragmática, menos ideológica. Serra definiu também que a opção será pelos acordos bilaterais em matéria de negociações comerciais. Os principais pontos do discurso se referiram exatamente a questões de comércio exterior – seis dos dez itens de políticas listados.

O governo Temer continua tropeçando em um ponto no qual se acreditava que ele se sairia garbosamente, dado o time experiente de políticos que o compõem, a começar pelo próprio presidente – Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Romero Jucá… E isto o vai desgastando lentamente, gerando críticas e alimentando desconfianças sobre a sua capacidade de levar adiante projetos mais polêmicos, conforma expressa o editorial de hoje do “Valor Econômico”.

Ontem, mais um tropeção: pressionado pelo chamado “novo centrão”, nomeou para o estratégico cargo de líder do governo na Câmara o deputado André Moura (PSC-SE), do chamado “baixo clero”, aliado de confiança do presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha. Moura responde a diversos processos no STF, acusado até de tentativa de homicídio.

Há ainda mais protegidos de Cunha em postos do governo (um advogado dele está na Casa Civil); o que, nas circunstâncias em que Temer chegou ao poder, com a sociedade clamando por novos comportamentos políticos, não é um bom sinal.

O presidente licenciado da Câmara, apesar de tudo, continua demonstrando que tem influência, que tem força. No Congresso também vai dando serenamente suas cartas. “O Globo” já dá o tom na manchete: “Escolha de líder mostra que Temer dependerá de Cunha”.

Ainda por inabilidade, Temer colheu quatro recusas de mulheres para assumir a Secretaria da Cultura antes de nomear o secretário da mesma área da cidade do Rio de Janeiro, diplomata Marcelo Calero, para o posto. Uma decisão marcada pela pressa, certamente não definitiva, na tentativa de acabar com as manifestações de artistas e assemelhados em várias partes do país contra o fechamento do Ministério da Cultura.

Não vai ser por aí que o presidente vai acalmar esses grupos e acabar com as invasões de prédios. Ainda para tentar saciar os manifestantes, o presidente disse que vai destinar mais verba para o setor.

Na Câmara, chegou-se a um acordo para a permanência de Waldir Maranhão na presidência interina da Casa – instalou-se uma espécie de parlamentarismo, com o colégio de líderes tomando as principais decisões, tanto nas questões políticas quanto administrativas. Maranhão fará decoração e presidirá apenas as sessões menos importantes. O arranjo também é bom para Eduardo Cunha.

Nenhuma indicação de fato sobre os novos rumos do PT. Apenas uma reportagem no “Valor Econômico” indicando mesmo a divisão no partido entre ser “radical” ou colaborativo com Temer. Diz a matéria que há ideias de conversar com o governo de plantão, apesar de ele ser considerado ilegítimo.

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Legalização de recursos no Exterior gera R$ 4 bi” (Valor)

– “Na OEA, Estados Unidos e Argentina rejeitam a tese do golpe” (Globo/Estado)

– “STF dá prazo a Argentina para explicar tese do “golpe” (Globo)

– “Denúncia contra Lula no STF cita delação de Delcídio” (Globo)

– “Janot diz que Lula impediu investigação criminal” (Estado)

– “Moro condena Dirceu a 23 anos e três meses de prisão” (Globo)

– “ONS vai desligar mais térmicas e preço da energia cairá” (Globo)

– “Ministério diz que vai fazer auditoria no Minha Casa Minha Vida” (Estado)

– “Câmara aprovar MP para ajudar a Eletrobras que pode aumentar R$ 3,3 bi em contas de luz” (Estado/Globo)

– “Como Infraero não tem como pagar, aeroportos podem ter suspensão de outorga” (Globo)

– “Fim da TV Brasil entra no radar do governo Temer” (Estado)

– “Ata do Fed sinaliza alta de juros em junho” (Estado)

LEITURAS SUGERIDAS

  1. Editorial – “Concessões demais” (diz que se já não eram promissoras, embora inevitáveis na conjuntura, algumas escolhas feitas por Temer decepcionaram e o figurino se repete, de modo agravado, na indicação de André Moura como líder na Câmara) – Folha
  2. Matias Spektor – “O discurso de Serra é forte, mas deixa incertezas” (diz que a fala de Serra é uma lufada de ar fresco na diplomacia brasileira e que tratou de temas cruciais numa toada que ninguém ouvia há muitos anos) – Folha
  3. Miriam Leitão – “Verdade fiscal” (diz que desafio é mapear todos os esqueletos do Orçamento: há receitas superestimadas, gastos não contabilizados e dívidas que aparecem em várias áreas) – Globo
  4. Celso Ming – “Mea mínima culpa” (diz que o documento do PT depois do impeachment embora contenha uma autocrítica elogiável, ainda é parcial e insuficiente) – Estado
  5. Maria Cristina Fernandes – “Acerto de contas” (diz que Temer não é dado a barganhas, paga o que lhe cobram) – Valor
  6. Editorial – “Falta de sintonia e centrão trazem riscos para Temer” (diz que com esses partidos será possível aprovar algumas propostas relevantes no Congresso, porém nenhuma agenda reformista de maior amplitude) – Valor