Enquanto políticos discutem, situação financeira do governo piora a cada dia

Embora interinamente, Temer vem com ganas de mostrar serviço para justificar sua permanência definitiva

José Marcio Mendonça

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SÃO PAULO – Segunda-feira foi mais um dia de completo alheamento do mundo político e do Congresso Nacional para outro tema que não fosse o do impeachment da presidente Dilma Rousseff – levando parte do governo nesta letargia, uma vez que a presidente e seus principais conselheiros só têm mãos para a sobrevivência dela no Palácio do Planalto.

E o mais assustador: com a promessa de que esta paralisia decisória pode se estender por pelo menos mais cerca de 20 dias, quando se prevê que o Senado definirá se dá prosseguimento ou não ao pedido de impedimento da presidente já aceito preliminarmente pela Câmara dos Deputados.

Admitido o processo, Dilma é afastada e Michel Temer assume. Embora interinamente, o vice-presidente vem com ganas de mostrar serviço para justificar sua permanência definitiva. Se ganhar a parada, o que parece praticamente improvável nessa fase de admissibilidade, Dilma terá (com Lula de superministro) de inaugurar um novo governo, saindo do sono letárgico em que se encontra. Ou seja, o clima pode mudar, numa espécie de ou vai ou racha.

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Por ora, o Senado está em pé de guerra, ambiente agora ainda mais aquecido com o despertar de uma certa desconfiança dos governistas em relação à “imparcialidade” do presidente Renan Calheiros. Na Câmara, o multiprocessado presidente Eduardo Cunha já avisou que não colocará em votação nenhum projeto de interesse do governo – mesmo que seja coincidentemente de interesse do país – enquanto o impeachment não tiver andamento normal no Senado.

Acontece – como registrado na semana passada e ontem no “Primeiras Leituras” – que as contas públicas, no dia a dia, estão ameaçadas de um “pequeno” colapso nas próximas semanas se o Legislativo não colaborar. Até o dia 22 de maio o governo (vale tanto para Dilma como para Temer) terá de aprovar a mudança na meta de superávit primário para déficit primário para poder continuar autorizando despesas essenciais.

Se não conseguir mudar a LDO de 2016 nesse ponto, será obrigado a fazer um novo contingenciamento (suspensão de gastos) de cerca de R$ 30 bilhões, além dos R$ 45 bi que já cortou no início de fevereiro. Com isso, ficará obrigado a cortar despesas não obrigatórias, o que pode paralisar boa parte do dia a dia da máquina pública. A mudança na LDO deve ser votada pelo Congresso, mas Renan Calheiros está sem condições de marcar um sessão da casa que reúne Câmara e Senado por causa da obstrução que Eduardo Cunha promete promover.

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Um sinal de alerta da dramática (na definição de Armínio Fraga para Temer) situação das contas públicas ontem com a divulgação oficial dívida pública no mês de março. Com a arrecadação em queda, sem poder contar com novas receitas por falta de aprovação de projetos no Congresso e sem condições (e também maior disposição) de realizar cortes mais drásticos nas despesas, o Tesouro Nacional registrou um aumento de 2,38% na dívida total do setor público, um crescimento de nada menos de R$ 67 bi em apenas um mês. O estoque fechou março em R$ 2,88 tri.

E a situação pode piorar muito mais ainda se Dilma e Temer não conseguirem paralisar uma outra ameaça às finanças federais que se instalou no Judiciário, mais exatamente no Supremo Tribunal Federal (STF). Semanas atrás, o governo de Santa Catarina conseguiu uma liminar na Suprema Corte determinando que sua dívida com o governo federal passe a ser corrigida pela regra dos juros simples e não mais por juros compostos. Outros estados também seguiram o caminho e amanhã esta liminar deve ser julgada pelo plenário do STF.

Pelos cálculos o governo, esta mudança, acarretaria ao longo de alguns anos, um prejuízo de R$ 330 bilhões para os cofres federais – R$ 30 bilhões apenas este ano, acarretando a necessidade inadiável de outros cortes de despesas e/ou aumento de receitas. Temer foi alertado para o perigo e, segundo o jornal “O Globo” enviou alguns emissários para conversar com ministros do Supremo alertando-os para a gravidade do problema.

Em situação financeira difícil, os estados estão fazendo pressão para uma decisão que lhes seja favorável. Hás em tramitação no Congresso uma proposta do governo para alterar o esquema de pagamento da dívida dos estados e municípios que poderia trazer um alívio para prefeitos e governadores, mas não de forma tão drástica para o Tesouro Nacional como a que o STF vai definir. Porém, está como tudo na Câmara e no Senado, parada.

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Lula: “período de lutas” se Dilma for afastada
O Brasil vive, como chamam alguns analistas, um momento de “dominância política” de tal ordem que relega tudo o mais a um segundo plano, o que vai provocar (já está provocando, em vários aspectos) em uma demora cada vez maior do início da recuperação da economia.

O impeachment deu ontem mais um passo na Câmara com a eleição simbólica dos 21 membros da Comissão Especial, sem atrasos apesar dos esforços dos governistas para protelar as decisões. Eles tentaram obstruir a decisão com uma série de questões de ordem, que acabaram rechaçadas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. O que levou alguns governistas a desconfiar (alguns a ter certeza) que o presidente do Senado não vai mais jogar o jogo de interesse de Dilma.

Hoje a Comissão elege o presidente e o relator do processo. Raimundo Lira, indicado para a presidência, deverá ter aprovação tranquila. Porém, como indicaram ações dos petistas, eles vão tentar evitar, com argumentos legais já rebatidos pela oposição, evitar que a relatoria seja entregue ao Antonio Anastásia, ex-governador de Minas e intimamente ligado a Aécio Neves.

Prevê-se apenas que haverá barulho e tumulto, pois o governo conta apenas no momento com seis dos 21 votos da comissão e, portanto deve ser derrotado se nada de inusitado surgir. Com isso, entre 12 e 15 de maio, a admissibilidade será posta em votação no plenário do Senado. Com o movimento de hoje, a expectativa reinante em Brasília é que o processo será aceito, acarretando então o afastamento imediato de Dilma do cargo e a posse de Temer interinamente por até 180 dias.

O próprio governo e o PT (Lula também) já começam a admitir internamente que a batalha da admissibilidade está praticamente perdia. E já estão se preparando para a batalha final no plenário, que muitos preveem para fins de setembro, antes, portanto das eleições municipais. Ontem à noite estava prevista uma reunião entre a presidente e o ex-presidente no Palácio da Alvorada, a primeira vez que eles conversarão cara a cara desde a aceitação do processo de impedimento pela Câmara.

A intenção é tratar a estratégia para os meses em que Dilma estiver fora do Planalto. Dilma continua dizendo que vai à luta. E os planos de Lula, que incluem não só a defesa do mandato da presidente, mas o futuro dele próprio e do PT, passam pelos embates nas ruas, com os sindicatos e os movimentos sociais na linha de frente.

Ainda ontem, o ex-presidente deu um pouco do tom dessas ações, em um pronunciamento lido pelo ex-ministro Luis Dulce porque ele estava com problemas de voz. Entre outras coisas, Lula disse que a Câmara dos Deputados é comandada por uma “quadrilha legislativa”, reconheceu que parte dos nossos problemas é consequência de “falhas do governo que precisam ser corrigidas” e anunciou e que o Brasil viverá um “período de lutas” se Dilma for afastada pelo Senado.

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Dívida pública total do Brasil cresce R$ 67 bi em um mês” (Globo)

– “Em 60% dos acordos, reajustes salariais perdem para a inflação” (Globo)

– “Crédito encolhe e banco eleva tarifa” (Globo)

– “Procuradoria da República vê ilegalidade na MP da leniência” (Estado)

– “Argentina rejeita livre comércio no setor automotivo” (Valor)

– “Rio: Justiça manda pagar inativos” (Globo)

– “STF abre mais dois inquéritos contra Cunha na Lava-Jato” (Globo/Estado/Folha)

LEITURAS SUGERIDAS

Miriam Leitão – “Briga na federação” (diz que o STF vai decidir na pior hora e que erros do governo podem deixar o STF com pouca margem de manobra no caso da dívida dos estados) – Globo

Editorial – “Recursos desesperados” (diz que governo Dilma e petistas não se acanham em macular a imagem do país) – Estado

José Paulo Kupfer” – “Um xadrez na economia” (diz que jogo político se impõe na hora de fechar a equipe econômica de Temer) – Estado

Editorial – “Incertezas em jogo” (diz que embora o Senado deva abrir processo de impeachment, faltam apoios à condenação de Dilma, o que pressiona eventual governo Temer) – Folha

Delfim Netto – “Governança, por favor” (diz que não há como tergiversar, não há como esconder, não há como explicar: a imensa insensatez política e econômica que se autoestimularam e empurraram a sociedade para a angústia que hoje vive tiveram sua origem no ativismo de 2012 e agravaram-se depois do processo eleitoral de 2014) – Valor