Dilma vai aos EUA denunciar o “golpe” na ONU, e Temer prepara anúncio de “bondades” sociais

A expectativa do governo é influenciar os senadores com reações externas favoráveis à presidente

José Marcio Mendonça

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Para tentar arregimentar mais simpatias e apoios em sua luta para salvar o mandato, depois da ofensiva interna esta semana, com duas entrevistas segunda-feira e ontem no Brasil denunciando que está sendo vítima de uma injustiça e que não cometeu crimes fiscais, a presidente Dilma Rousseff decidiu estender sua ação ao Exterior.

Ontem, de surpresa, a presidente definiu que viaja amanhã para os Estados Unidos, para uma reunião de assinatura do Acordo de Paris sobre Mudança Climática, coordenado pela ONU. Semanas atrás, inteiramente envolvida nas tratativas internas para conquistar aliados contra o impeachment, Dilma não participou do encontro em que o Acordo foi definitivamente sacramentado – mandou o chanceler Mauro Vieira em seu lugar. Ironicamente, quem vai ocupar a cadeira presidencial até domingo, é o desafeto Michel Temer.

Agora, com o pedido de impedimento já validado na Câmara e com a tramitação iniciada no Senado, Dilma quer aproveitar o encontro em Nova York para denunciar ao mundo “o golpe” que se trama contra a democracia no Brasil e especificamente contra ela. O PT e Lula estudam também uma rodada de denúncias internacionais, principalmente nos partidos de esquerda e nos fóruns de ONGs e movimentos sindicais.

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A expectativa do governo é influenciar os senadores com as reações externas favoráveis a Dilma, dando indicações de que o impeachment pode piorar a imagem do Brasil entre os investidores – e não o contrário.

Enquanto esta ofensiva não vem, o processo de impedimento da presidente começou a caminhar no Senado. Depois da formal leitura da decisão da Câmara no plenário, os senadores, em acordo em que cada lado cedeu um pouco, acertaram que a Comissão que vai analisar o parecer dos deputados será instalada na segunda-feira. Renan Calheiros queria protelar um pouco mais, sobre a alegação de que não quer protelar nem atropelar o impeachment.

Com isso, isso, a votação da admissibilidade do pedido de impedimento no Senado deverá ocorrer mesmo até o dia 15 de maio. Com o governo em desvantagem: pela decisão do colégio de líderes, que as indicações dos membros do colegiado processante serão feitas por blocos partidários e não individualmente pelos partidos, os favoráveis ao impeachment deverão ter a maioria de 21 participantes na Comissão. O PMDB, que forma sozinho um bloco, terá cinco representantes.

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Enquanto o impeachment ocupa avassaladoramente todos os corações políticos, e nenhuma decisão é tomada tanto no Palácio do Planalto quanto no Congresso, a economia brasileira segue sua marcha batida para ficar cada dia um pouco pior que no dia anterior. Não bastasse a paralisia natural do Legislativo, o presidente da Casa, Eduardo Cunha, também sob ameaça de perder o mandato, decidiu que naquela Casa nada se vota enquanto o Senado não imprimir um ritmo mais acelerado ao processo contra Dilma.

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Situação econômica é dramática
O ex-presidente do Banco Central e assessor econômico de Aécio Neves na campanha eleitoral de 2014, Armínio Fraga, que teria sido cotado (e recusado a sondagem) para ocupar o Ministério da Fazenda de um provável futuro governo Michel Temer, alertou o vice-presidente que a situação econômica nacional é de total emergência e que a crise fiscal é gravíssima. O retrato que Arminio pintou para Temer, na presença de Aécio, é dramático.

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Um dado divulgado ontem não deixa dúvidas quanto a isso: a arrecadação tributária do Tesouro Nacional, reflexo da recessão, permanece em queda livre – em março, a receita da União com impostos diminuiu 6,96% em relação ao mesmo mês de 2015; e caiu 8,19% no primeiro trimestre vis a vis o ano passado, o pior resultado desde 2010. Outro horror: o déficit da Previdência Social projetado para 2017 é de R$ 167 bilhões, o dobro do registrado em 2015.

Alheios a essas advertências, governo e Temer e assessores continuam pensando em propostas que os ajudem em seus propósitos mais imediatos – Dilma de garantir apoios para livrar-se do impeachment no Senado. e Temer de angariar simpatias dos setores mais populares da sociedade, para exorcizar a imagem que o governo vende dele de que vai atacar, trucidar, os programas sociais.

Dilma, em busca do envolvimento dos governadores e prefeitos na sua campanha e na influência que – teoricamente pelo menos – eles exercem sobre os parlamentares (não funcionou bem na Câmara, como se viu), decidiu liberar os pedidos de empréstimos para estados e municípios estavam represados em Brasília – exatamente para evitar mais pressões sobre o déficit público.

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Por seu turno, coordenado por um dos maiores especialistas na área, o economista Ricardo Paes e Barros, hoje pesquisador no Insper, cujos estudos inspiraram o modelo do bem sucedido programa Bolsa Família, Temer está estudando anunciar, antes mesmo de consolidado o impeachment, a sua “plataforma social”.

Entre outras coisas, ela conteria um aumento do valor mensal do Bolsa, a retomada do Fies e do Pronatec e a aceleração do Minha Casa Minhas Vida. Ou seja, tudo aquilo que o governo, com o intuito de manter o apoio de sindicatos e movimentos sociais e “demonizar” o vice-presidente, diz que Temer vai renegar.

Decididamente, esses tempos de impeachment não são tempos de racionalidade econômica – apenas de predominância dos interesses político-partidários.

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Outros destaques dos

jornais do dia

“Previdência terá déficit de R$ 167 bi em 2017” (Valor)

– “Mais 4 estados conseguem liminar para mudar correção da dívida” (Globo)

– “Estados tiveram aumento de 150% nas despesas com folha de pagamento de 2009 a 2015” (Globo)

– “Odebrecht dá calote em dívida de US$ 9,6 bilhões” (Estado)

– “BNDES vai facilitar refinanciamento de empréstimos” (Folha)

– “Argentina volta ao mercado após 15 anos e capta US$ 16,5 bi com bônus” (Globo/Estado)

– “Petrobras altera participação dos funcionários nos lucros” (Estado)

– “Delator diz que Dilma tratou com Delcídio para livrar Odebrecht” (Globo)

– “Tucanos negociam recuo de Delcídio [na citação a Aécio]” (Estado)

– “STF analisa se Cunha pode ser afastado por linha sucessória” (Globo)

– “Vice da Câmara limita investigação sobre Cunha” (Globo)

– “Caixa encontra indícios de fraude em loteria” (Globo)

LEITURAS SUGERIDAS

Editorial – “O Supremo e o impeachment” (diz que o STF está atuando com independência em ambiente carregado de paixões) – Estado

Delfim Netto – “Profecia” (diz que é inútil procurar efeitos externos (que existem) para explicar a tragédia nacional – ela é filha legítima da falta de habilidade política e da desastrada política econômica entre 2012 e 2014) – Folha

Vinicius Torres Freire – “Um monstro à espera da Temer” (diz que receita de impostos cai cada vez mais rápido e que paulada nos tributos parece mais inevitável) – Folha

Rosangela Bittar – “Pra inglês ver” (diz que o ambiente social está cheio de esperanças de solução mas que o ambiente político está inquieto: e que Dilma e Temer querem ganhar, mas têm medo de vencer) – Valor