Levy ameaça ir embora sem o superávit de 2016; Temer manobra e Dilma contra-ataca

O aviso foi dado a membros da Comissão de Orçamento do Congresso. E o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, dá indicações de que a instituição vai aumentar mesmo os juros, como os analistas estão prevendo

José Marcio Mendonça

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O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que andava nos últimos tempos meio retraído, longe do noticiário, iniciou uma nova ofensiva para aprovar suas propostas de ajuste fiscal no Congresso Nacional. E está jogando mais duro, jogando pesado.

Na quarta-feira, aproveitando a informação da agência de classificação de risco Moody’s de que estava colocando a nota soberana do Brasil em observação para um possível rebaixamento em 90 dias, Levy, em tom de advertência, avisou que outra agência, a Fitch, a persistir o ambiente político e econômico descrito pela concorrente, pode também tirar a nota de bom pagador do Brasil – e logo em janeiro.

Ontem, Levy atacou em duas frentes. Na primeira disse que a posição (espécie de advertência para algumas pessoas) da Moody’s reflete a realidade do Brasil hoje. Ou seja, indiretamente deu razão à agência, cujas ações são criticadas em áreas do governo e em boa parte do entorno político oficial.

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O propósito de Levy, para evitar a perda de mais um grau de investimento do país (já perdeu o da Standard & Poor’s) é aprovar as medidas de ajuste fiscal ainda paradas no Congresso e fechar o Orçamento de 2016 com o compromisso de um superávit primário de 0,7%.

A outra ofensiva do ministro da Fazenda tem esse objetivo. E Levy no caso jogou mais forte ainda. Na quarta-feira à noite, em conversa com representantes da Comissão Mista de Orçamento (CMO), ele admitiu que poderá deixar o governo caso seja aceita a proposta, defendida por uma ala do governo, de reduzir a zero a meta de superávit do ano que vem.

 “Se zerar o superávit, estou fora”, disse Levy aos presentes ao encontro, segundo “O Estado de S. Paulo”. A “Folha de S. Paulo” também tem matéria com a mesma informação.

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Sabe-se que Levy já encontrou resistência aos 0,7% do PIB de economia para pagar juros em 2016 por parte de seus colegas de Junta Orçamentária no Executivo – os ministros Jaques Wagner (Casa Civil) e Nelson Barbosa (Planejamento) -, que queriam acomodar algumas despesas sob a alegação de que poderia haver prejuízos para as áreas sociais.

Escaldado pelo problema criado pelo envio ao Congresso de uma proposta orçamentária com déficit primário, ainda no tempo de Aloizio Mercadante na Casa Civil, o que contribuiu decisivamente para o rebaixamento da nota brasileira pela S & P, Levy bateu o pé. A presidente Dilma arbitrou a favor de sua posição.

Agora, é o Congresso que quer fazer a mudança e zerar o superávit primário. O líder do governo na Comissão de Orçamento, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), garantiu que apresentará uma emenda para ser votada a fim de contemplar a chamada “meta zero”. O petista disse que se essa alteração for aceita, a parte da União referente ao superávit (0,55% do PIB) permitirá a liberação de R$ 34 bilhões em recursos.

Desse total, R$ 24 bilhões de reais serviriam para bancar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e outros R$ 10 bilhões para impedir um eventual corte nesse valor do Bolsa Família. O relator-geral do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), avisou que se não aparecerem recursos para fechar as contas vai reduzir a verba do Bolsa Família.

O senador Walter Pinheiro, do PT da Bahia, resumiu o estado de espírito vigente entre os parlamentares e em boa parte do governo, a começar pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, sabidamente a favor dessa posição para acomodar “gastos sociais”, a mesma dos economistas do Instituto Lula. Segundo Pinheiro, “todo mundo” no governo é a favor de uma meta menor, menos o ministro da Fazenda.

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, deu sua contribuição ao “susto” que Levy quer passar no Congresso avisando que vai aumentar os juros.

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Temer manobra e Dilma contra-ataca

Enquanto isso, ontem foi mais um dia em que o mundo político ignorou a economia e as ameaças, mais do que concretas, de o Brasil perder outra nota de bom pagador. O dia foi consumido novamente com as questões da cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Cunha continua conseguindo protelar a decisão do Conselho de Ética da Câmara sobre admissibilidade do pedido de cassação de seu mandato. Ontem, pela sétima não houve sessão, interrompida por um entrevero sério, de baixo nível, até com troca de tapas, entre o deputado do PT, Zé Geraldo (BA) e um adepto de Cunha, Wellington Roberto (PR/PB). Ficou tudo adiado para a próxima terça-feira, quando o novo relator, Marcos Rogério, promete entregar o novo parecer – e favorável à cassação.

Para engrossar a baixaria, o relator destituído, Fausto Pinato, deu entrevista à “Folha” dizendo ter recebido acenos de propina (e também ameaças indiretas) para ter cuidado com seu parecer. Naturalmente, para poupar Cunha.

Quanto ao impeachment, as ações estão nos bastidores, à espera da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre se a escolha dos membros da Comissão processante pode ser pelo voto secreto, como ocorreu na terça-feira. A respeito disso, as informações são contraditórias. Segundo José Casado, de “O Globo”, a tendência do Tribunal é deixar a decisão para o ano que vem, depois das férias do Judiciário. Já a “Folha” e “O Estado de S. Paulo” dizem que os ministros conversam para dar celeridade ao processo.

Com celeridade ou não, quem está ativo é o vice-presidente da República, Michel Temer. Embora tenha feito as “pazes” com a presidente Dilma Rousseff, ele manobra pelo impeachment – com ajuda de alguns fieis escudeiros como os ex-ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha. De acordo com reportagem de “O Globo” a “paz” entre os dois na verdade só existiu nos relatos oficiais. Na conversa Temer teria ameaçado tirar o apoio do partido à presidente, antecipando a convenção nacional marcada para março para “discutir a relação”, caso Dilma interfira nos assuntos internos do PMDB.

Ontem em Porto Alegre, em reunião com políticos e empresários, Temer voltou a defender um “governo de união nacional”, tema que há alguns meses azedou a relação dele com Dilma quando ele insinuou que “alguém” precisava liderar isto, dando a nítida impressão de que o “alguém” seria Michel Temer. Na capital gaúcha agora ele fez a ressalva de que tem conversado sobre isso com a presidente, embora eles tenham conversado muito pouco ultimamente – e quase apenas protocolarmente.

Na área da ação prática, visivelmente para garantir o controle da bancada do PMDB na Câmara, que deverá ser vital na fase inicial do processo de impeachment, o vice agiu para conter o líder destituído Leonardo Picianni, um dos soldados de Dilma no PMDB e no Congresso.

Temer mandou que as filiações de novos deputados que Picianni está armando para o PMDB para voltar a ter maioria na bancada e retomar a liderança sejam barradas pela Executiva do partido.

Dilma e o Palácio do Planalto ficaram em silêncio ontem – ela, inclusive passou parte do dia em Buenos Aires para a posse do presidente Macri. Porém, porém está agindo e dando o troco. Numa frente, incentiva as filiações pretendidas por Picianni, na outra retalia, como ontem, quando demitiu um dos vice-presidentes da Caixa Econômica Federal – Fábio Cleto, um apadrinhado de Eduardo Cunha.

Do lado da oposição, com orientação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o PSDB fechou o apoio ao impeachment.

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Dez estados elevam o ICMS da telefonia” (Valor)

– “Marcelo Odebrecht deixa cargo de presidente da empreiteira” (Globo)

– “STJ nega hábeas corpus a presidente da Andrade Gutierrez” (Globo)

– Petrobras não consegue vender ativos” (Valor)

– “Petrobras planeja captar US$ 20 bi” (Globo)

 – “Delcídio desiste de delação premiada, diz advogado” (Valor)

LEITURAS SUGERIDAS

1. Editorial – “Inflação de risco” (diz que se a alta de preço acumulada nos últimos meses persistir, ameaça conquista essencial) – Folha

2. José Paulo Kupfer – “Para ler a inflação de dois dígitos” (diz que a escalada de preços reflete reajustes fortes pelos quais a economia está passando e as indicações são de que o pico de 2015 não se repetirá) – Globo

3. Editorial – “Uma idéia preocupante” (diz que a proposta de o STF propor um rito para o impeachment, dando poderes inéditos ao STF, é perigosa) – Estado

4. Claudia Safatle – “O dinheiro dos estados e os dilemas fiscais” (diz que a decisão de flexibilizar o endividamento de estados e municípios é parte de mais uma frente de batalha que se trava no governo sobre qual a política e a meta fiscal de 2016) – Valor