Crise vai se aprofundar por falta de autoestima

É impressionante verificar como estamos aceitando com notável passividade a situação atual

Francisco Petros

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A maior crise brasileira é de autoestima. Não nos enganemos, contudo: trata-se de uma crise econômica e não psicológica. Afinal, tem repercussão objetiva e direta sobre o patrimônio individual e coletivo daqueles que detêm o capital e sobre o emprego daqueles que dependem da venda de seu trabalho para viver.

É impressionante verificar como estamos aceitando com notável passividade a situação atual. Nada está tirando a sociedade da letargia e da sonolência de seus dias mal vividos. Todos se queixam, falam mal do governo e dos políticos, reclamam da recessão, vociferam contra a elevação dos preços e despejam palavras feias e agressivas quando há anúncios dando conta de elevação de tributos. Ocorre que essa agressividade toda está reservada ao espaço privado, às reuniões sociais, às conversas com os taxistas e trocadores dos ônibus, às rodas de estudantes e donas de casa, às filas de supermercados e assim vai. Depois de descarregar sua momentânea ira, todos vão se dedicar aos seus afazeres como se não houvesse “espaço público”, “vida comum”, ou simplesmente, a “Política”.

Foi o descuido absoluto da sociedade, em geral, e das elites, em particular, com a tal da “Política” que propiciou as condições objetivas para a produção dos monstros que estão a roubar não somente o sono da sociedade brasileira. A crise de representatividade sobre a qual tanto se comenta pode até ser fruto do sistema eleitoral, mas creio que há algo mais profundo nisso tudo. A alma antropológica do “homem cordial” – aquele que confunde o espaço privado com o público, que quer favorecer seu círculo familiar e de amigos – parece estar presente na base do problema político brasileiro.

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Não parece razoável que os erros (graves) da política econômica do governo Dilma Rousseff possam ser magnificados por uma generalizada irresponsabilidade política em Brasília.

De um lado, a oposição andou votando sistematicamente para arrebentar as contas públicas com o objetivo de destruir politicamente o governo. A lógica é assim: vota-se contra a estabilidade da política econômica e dane-se o distinto povo com a inflação e o descalabro das finanças públicas e, assim, a oposição assume, posteriormente, o poder e coloca tudo em “ordem”. A “ordem”, no caso, significa retornar ao leito da situação anterior mais as reformas que o governo propõe mais algum aprofundamento que o governo não quer adotar. A oposição usa por mera comodidade uma linguagem “populista” para pregar contra o governo.

Do lado dos partidos governistas, a coisa é caótica. Instalou-se uma chantagem generalizada contra o governo da “presidente impopular”, condição essa adquirida porque mentiu deslavadamente na campanha eleitoral. Para adquirir mais nacos do poder estatal, os partidos governistas se comportam como gladiadores no Congresso Nacional para impedir as reformas e medidas de ajuste econômico e, assim, mostrar o seu poder no Legislativo. Feito o fracasso do governo nas votações vendem o “sucesso futuro” em troca de cargos na administração direta e indireta. Se o governo cede, aprofunda-se a sua impopularidade, mas as dos partidos não. Estes se aproveitam da situação para nomear parentes, se apropriar do orçamento público para fins privados, etc. e tal. Esta é a razão que o governo não pode reduzir o número de ministérios. Os sanguessugas precisam de um corpo para se instalar e fazer o seu serviço. O governo cede para sobreviver. Um acordo necessário a todos. Há, ainda, o PT. Bem, este opera em dois âmbitos: o ideológico e o “pragmático”. No ideológico está de olho nas eleições de 2016 e de 2018. Tudo caminha conforme o interesse direto e objetivo de Lula da Silva. Com sua batuta, ele é o mediador entre as estratégias do petismo (que de fato são as suas!) e as dos “aliados”. Interfere diretamente no governo, propõe políticas e táticas, determina ações no Congresso e pisa no pé da Presidente da República para lhe dizer no que ela erra e no que ela (raramente) acerta. Além disso, conspira contra o Ministro da Fazenda e sua política econômica e contra o Ministro da Justiça e as ações incômodas da Polícia Federal.

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Esta é a política do Brasil neste momento. Ocorre que há um ingrediente que, senão novo, é explicitamente o novo moderador: as investigações sobre a corrupção! As principais personalidades da República estão, direta ou indiretamente, implicadas com histórias de corrupção que vão aparecendo por três fontes mais notórias: (i) a 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo titular é o juiz Sérgio Moro, onde é processada judicialmente a Operação Lava Jato, sobre corrupção na Petrobras (ii) a 10ª Vara Federal de São Paulo, cujo titular é o juiz Vallisney Oliveira (de fato, a juíza substituta Célia Ody Bernardes foi que mais deu dinâmica ao processo), onde corre a Operação Zelotes, sobre corrupção no âmbito do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e o (iii) STF – Supremo Tribunal Federal, a alta corte do país, na qual correm os processos que envolvem as altas autoridades da Repúblicas cujo foro é de competência originária, vulgarmente denominada de “foro privilegiado”. Destas fontes têm saído as notícias e acontecimentos que balizam os movimentos da política brasileira neste momento. Vejamos o caso de Eduardo Cunha.

O presidente da Câmara Eduardo Cunha até há pouco tempo era uma espécie de esperança das elites não alinhadas com o petismo para ditar a “nova política” de Brasília e do país. Seus rompantes verborrágicos, seu domínio da pauta e da rotina legislativa, suas falas perante à mídia e seus factoides eram a alegria de quem queria o governo e o PT de joelhos. De ídolo do antipetismo, verificou-se que Eduardo Cunha não passa de um receptor duvidoso de recursos da Petrobras no exterior. Sua foto e de sua esposa e filhas nos cadastros de bancos no exterior não deixam dúvidas de que as acusações contra ele são as mais pesadas que existem dentre os muitos do Congresso Nacional.

Pois bem: como pode este senhor continuar a presidir a Câmara dos Deputados e a “arbitrar” a recepção ou não do pedido de impeachment da Presidente da República? Como pode a tal da Comissão de Ética ficar com qualquer dúvida sobre a gravidade das acusações que pesam contra o deputado fluminense? Como pode este deputado ser o dono da pauta das medidas econômicas tão importantes ao país e à sociedade brasileira? Ora, ora! Somente a tremenda falta de autoestima do povo brasileiro pode justificar a aceitação passiva destas situações. Um governo desgovernado, uma oposição desinteressada em manter a estabilidade, um Congresso liderado por figuras como Renan Calheiros e Eduardo Cunha, parecem demasiada e grosseira agressão a uma sociedade sobre a qual recaem o peso de uma queda do PIB de mais de 3% e uma taxa de desemprego de mais de 8%.

Ademais, está ficando evidente, que somente um agravamento ainda maior da crise fará a sociedade se mobilizar. Ainda não existe consciência coletiva de que não há como solucionarmos a crise atual apenas com os resmungos pelos cantos. Será preciso agir sobre os nossos representantes. Estes tratam a crise como mero instrumento de arbitragem de seus interesses próprios. Não se interessam minimamente pela res publica. Se apropriaram do Estado para dele tirar proveito para si e seus apaniguados. Tudo sob nossos narizes.

A crise de autoestima faz do Brasil um país pobre. É inaceitável ver tanto potencial desperdiçado em Brasília.

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