O déficit de 2015 permanece uma incógnita: pode ir de R$ 51,8 bi até R$ 103 bi

Os dados incluem a receita incerta de R$ 11,2 bilhões com o leilão de 29 usinas hidrelétricas e não incorporaram as pedaladas fiscais, calculadas pelo TCU em R$ 40 bi. E enquanto os ministros econômicos lutam com os números, Dilma foca sua luta em ações contra o impeachment e para acalmar Lula

José Marcio Mendonça

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Finalmente, o governo liberou o número do novo déficit primário. déficit primário com que está trabalhando este ano: R$ 51,8 bilhões, cerca de 0,9% do PIB. A previsão anterior era de superávit de 0,15%.

É, porém, um número relativo, ou melhor, provisório, sujeito a alterações, por tais razões:

  1. As pedaladas fiscais não foram consideradas e não se explicitou seu tamanho real. A alegação do governo é de que está esperando uma definição do TCU sobre se deve pagar a conta de uma vez ou se poderá parcelá-la. O Tribunal calcula que ela está em torno de R$ 40 bilhões.
  1. Já está considerada como receita a arrecadação a previsão da arrecadação de R$ 11,2 bilhões com o leilão da 29 usinas hidrelétricas, algo incerto duas vezes. Pelo valor esperado, considerado otimista num momento de dificuldades de investimentos, pelo próprio leilão em si, que já foi adiado do dia 5 de novembro para algum dia no fim do mês.
  1. Trabalhou-se na revisão orçamentária com a previsão de uma queda da economia de 2,8%, quando a maioria dos analistas já prevê retração superior a 3%.

Mesmo sem se considerar a influência desse último item, o déficit real pode chegar a até R$ 103 bilhões, 1,78% do PIB, número que certamente não será bem recebido nem pelos agentes econômicos internos nem pelos investidores externos, pois, no mínimo, passa a impressão de que o governo não está fazendo, pelo lado dos gastos, o esforço fiscal que deveria cumprir nesse momento de dificuldades.

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Há indicações de que o ministro da Fazenda não ficou satisfeito com o que se fez. Como destaca Claudia Safatle em matéria no “Valor Econômico” a fala de Joaquim Levy num evento da revista “The Economist” em São Paulo está cheia de alertas e indicações das dificuldades que ele enfrenta.

Entre outras coisas, registra a repórter, o ministro disse que “o Brasil precisa ter coragem para dar uma sacudida na economia”; que “os partidos que apóiam o governo têm que ter clareza sobre a política fiscal”; “que é perigoso entrar em 2016 sem ter definido fontes de recursos para despesas obrigatórias”; “o governo tem que entender a importância de passar mensagem sobre controle fiscal”.

Safatle conclui que Levy é um ministro solitário, que vê escapar pelos dedos suas propostas.

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Os dados “provisórios” levantam também sérias dúvidas sobre a possibilidade (já posta de quarentena por muitos analistas), de em 2016 se alcançar o superávit primário de 0,7% do PIB prometido e sacramentado a cada declaração do ministro da Fazenda. Ainda mais que a própria equipe econômica já se convenceu de que não alcançará a miragem de arrecadar R$ 32 bilhões no ano que vem com a nova/velha CPMF.

Levy e seus assessores convenceram-se, finalmente, de que não aprovarão a volta do imposto do cheque este ano – se conseguirem aprová-lo em algum momento. Na melhor das hipóteses, dará metade do previsto. O desafio, agora, é como compensar a perda.

Acariciando Lula

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Contudo, com toda essa confusão nas contas públicas, a presidente Dilma Rousseff continua com sua atenção quase inteiramente voltada para as questões políticas e ao seu projeto prioritário nos dias atuais: afastar, de vez, toda e qualquer ameaça de impeachment. Nesse item, ontem, ela teve uma notícia de mau agouro.

Segundo informam os jornais “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, a equipe técnica da Câmara entregou ao presidente Eduardo Cunha um parecer sobre dois pedidos de afastamento de Dilma ainda em aberto acatando os argumentos apresentados e sugerindo que Cunha dê prosseguimento aos processos.

Assim, o presidente da Câmara ganha o amparo jurídico para, no momento que desejar, que for melhor para seus propósitos e interesses, despachar favoravelmente o início de um processo de afastamento de Dilma. Cunha ganhou mais uma poderosa arma de chantagem contra a presidente, o PT e seus fiéis para assegurar o apoio deles contra as ameaças a seu próprio mandato.

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Além de cuidar de Cunha, Dilma também está, desde segunda-feira, depois da ação da Policia Federal no escritório de um dos filhos de Lula, tendo de dedicar especiais cuidados ao ex-presidente e mentor. Embora se tenha tentando colocar panos quentes na história, é fato que Lula ficou profundamente magoado com Dilma por causa do episódio. O ex-presidente acha que há uma campanha orquestrada para desmoralizá-lo e que Dilma, no mínimo, não se empenha em defendê-lo.

A própria Dilma desta vez entrou em campo para apaziguar o criador. A propósito do aniversário de Lula ontem, telefonou para ele, gravou uma simpaticíssima mensagem para as redes sociais pelos seus 70 anos saudando a amizade entre os dois e, num gesto inusitado, deslocou-se pessoalmente de Brasília a São Paulo para participar dos festejos, evento registrado com fotos de largos sorrisos.

Para comprovar ainda mais que não há atritos graves entre eles, Dilma, que tinha dúvidas até ontem se deveria fazê-lo, vai comparecer amanhã à reunião ampliada do diretório nacional do PT na capital da República, marcada inicialmente para discutir a situação política e econômica do país e dar a partida para a campanha eleitoral de 2018, mas que agora vai se transformar num grande evento de solidariedade e desagravo ao ex-presidente.

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Com isso, Dilma deve se livrar do risco de receber pelas costas uma nota oficial petista condenando a política econômica e pedindo formalmente a demissão do ministro Joaquim Levy. Não que o PT tenha de repente aderido a um e outro. Porém, nas circunstâncias do momento, o petismo convenceu-se de que não é hora de fazer marolas nem marolinhas.

A hora e a vez de Levy – e também do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo – vão ficar para depois.

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– “Megafusões de teles requer mudanças regulatórias, afirma dona da TIM” (Estadão)

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